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Presidente angolano quer processo de Manuel Vicente transferido para Luanda

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Joost de Raeymaeker, Lusa

João Lourenço, o novo presidente de Angola, assinalou esta segunda-feira os 100 dias de governo com uma entrevista coletiva aos órgãos de comunicação social com representação em Luanda. Questionado desde os planos económicos do país, às exonerações no sector público e alegada perseguição aos filhos do anterior presidente, João Lourenço respondeu ainda sobre o caso Manuel Vicente. Aqui, mostrou-se ofendido com a recusa de Portugal de transferir o caso para Luanda por “não confiar na Justiça angolana”.

Questionado sobre o processo que envolve o ex-vice-presidente Manuel Vicente, o presidente lembrou a existência de “um acordo judiciário no quadro da CPLP que permite que este tipo de processos seja transferido para Angola” e disse ser isso o que o Governo angolano pede, não havendo qualquer exigência para que Portugal ilibe Manuel Vicente.

“Nós não pedimos que seja absolvido, que o processo seja arquivado, não somos juízes, não temos competência para dizer se Manuel Vicente cometeu ou não cometeu um crime”.Em causa está a “Operação Fizz”, processo em que Manuel Vicente – além de ex-vice-presidente de Angola também ex-presidente do Conselho de Administração da Sonangol – é suspeito de ter corrompido Orlando Figueira, então procurador do Ministério Público (Departamento Central de Investigação e Ação Penal - DCIAP), que investiga a criminalidade mais grave, organizada e sofisticada, designadamente de natureza económica.

À questão sobre a evolução das relações entre Angola e Portugal, ao logo dos últimos anos muito condicionadas pelo caso de Manuel Vicente, o presidente João Lourenço não quis adiantar-se aos desenvolvimentos judiciais em Portugal. Não escondeu porém que essas relações bilaterais vão “depender muito” do desfecho do processo.

Sublinhando que “a intenção não é livrar o engenheiro Manuel Vicente da acusação”, o presidente assinalava a partir dos jardins do Palácio Presidencial, em Luanda, onde enfrentou as perguntas de mais de uma centena de jornalistas, que, apesar do acordo implementado na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, “lamentavelmente [Portugal] não satisfez o nosso pedido, alegando que não confia na Justiça angolana”.

“Nós consideramos [essa falta de confiança] uma ofensa, não aceitamos esse tipo de tratamento e por essa razão mantemos a nossa posição”, sublinhou o presidente angolano, reafirmando a intenção de levar o caso do ex-vice-presidente para Luanda ao abrigo desses acordos judiciários entre os dois países.

Entretanto, até que se perceba se o processo terá novos andamentos em Portugal – há uma sessão de julgamento marcado para o Tribunal Judicial de Lisboa a 22 de janeiro –, o líder angolano escusou-se, já em resposta ao correspondente da RTP em Luanda, a clarificar o que poderá acontecer às relações entre os dois países.

“Nós temos toda a paciência deste mundo”, lembrou o presidente angolano depois de referir que “a bola está agora do lado de Portugal”.
Exonerações só por conveniência de serviço

Estes primeiros cem dias da Presidência de João Lourenço foram marcados por uma onda de exonerações em lugares de função pública, vassourada a que não escaparam nem os filhos do ex-presidente José Eduardo dos Santos. A mais mediática dessas exonerações acabaria por ser a saída de Isabel dos Santos da presidência do Conselho de Administração da Sonangol.A empresa Semba Comunicação tem como sócios os irmãos Welwitshea 'Tchizé' e José Paulino dos Santos 'Coreon Du', filhos do ex-chefe de Estado angolano. Perdeu a gestão do canal 2 da televisão pública angolana (TPA).

Nesta sessão de perguntas e respostas João Lourenço fez questão de dizer que, quanto a exonerações, foram “tantas quantas as necessárias”.

À pergunta de um correspondente sobre as acusações de perseguição aos herdeiros do clã dos Santos, o presidente angolano escusar-se-ia a explicar os motivos que o levaram a exonerar Isabel dos Santos.

Tal como a rescisão de contratos dos seus irmãos com a TPA. Neste caso limitou-se a dizer que se tratava de "um contrato bastante desfavorável ao Estado", utilizando igualmente o argumento de que havia "pessoas que eram lesivas ao interesse do Estado".

João Lourenço foi, no entanto, liminar na rejeição da tese de exonerações na Sonangol por falta de confiança política: “A pessoa exonerada não era da oposição. Não estou a ver por que razão exoneraria por falta de confiança política”.

Ainda a este propósito, o presidente lembrou que em quatro décadas de governo nunca o anterior presidente José Eduardo dos Santos justificou qualquer substituição de presidentes do Conselho de Administração de empresas públicas.

“As exonerações, regra geral, não são justificadas. O nosso país está independente há 42 anos, não me recordo nunca de nenhum presidente ter vindo a público justificar-se porque é que exonerou A, B ou C”, lembrou. “Nesse período, foram exonerados, portanto... em 42 anos, não sei se milhares mas pelo menos centenas de membros do Governo, de ministros, porque é que eu tenho de me justificar pelo facto de ter exonerado o PCA de uma empresa pública. Portanto, isso, eu não faço”.

Numa nota de humor, João Lourenço acrescentaria que, se os jornalistas precisavam tanto de uma justificação para as exonerações, então, disse, as saídas aconteceram “por conveniência de serviço”.

“Não é por mero acaso que, regra geral, quando as exonerações são feitas, a razão da exoneração, a que vem a público, é ‘por conveniência de serviço é exonerado fulano de tal’. Então, se quer mesmo uma resposta, foi por conveniência de serviço”.

João Lourenço foi eleito presidente nas eleições gerais angolanas de 23 de agosto, tendo sucedido à liderança de 38 anos de José Eduardo dos Santos, que no entanto continua presidente do MPLA, partido maioritário e no poder desde 1975.

c/ Lusa
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