Privatizar a Lua? Grupo de especialistas defende que essa seria a solução para acabar com a pobreza na Terra

A ideia de privatizar a Lua parece, à primeira vista, absurda e inconcebível, mas para um grupo de especialistas não o é – pelo contrário, é visto como a solução para combater a pobreza global. O conceito partiu do Instituto Adam Smith, think tank neoliberal com sede no Reino Unido, que defende a divisão da Lua entre os países que, por sua vez, poderão alugar terrenos e assim impulsionar a economia global.

RTP /
Stephane Mahe - Reuters

O turismo espacial passou oficialmente a ser uma realidade, depois de a empresa fundada por Richard Branson, a Virgin Galactic, ter começado na terça-feira a vender bilhetes para viagens ao espaço. Uma viagem de 90 minutos terá um custo de 450 mil dólares.

Mas, no meio desta corrida espacial, há quem já esteja a pensar mais à frente e avance com a ideia de privatizar a Lua. O conceito partiu do Instituto Adam Smith, um think tank neoliberal com sede no Reino Unido que defende a privatização do satélite natural da Terra para ajudar a combater a pobreza mundial.

Num relatório publicado na passada quinta-feira, intitulado de “Invasores do Espaço: Direitos de propriedade na Lua”, o Instituto Adam Smith defende que a Lua deve ser dividida em parcelas, cada uma atribuída a um país, que, por sua vez, poderá optar por alugar esses mesmos espaços a empresas de turismo espacial e empresas de exploração. Na visão do think tank, o dinheiro dos direitos de propriedade do espaço impulsionaria a economia global e ajudaria a reduzir a pobreza mundial.

“Os direitos de propriedade desempenham um papel fundamental no aumento dos padrões de vida, inovação e dignidade humana aqui na Terra”, defende Daniel Pryor, diretor de investigação do Instituto Adam Smith. “O mesmo seria verdade se aplicássemos essa lógica ao espaço, que apresenta uma oportunidade única de começar de novo ao projetar regras efetivas de propriedade”, acrescenta.

Para Rebecca Lowe, autora do relatório, criar um sistema “claro” e “moralmente justificado” para atribuir e regular direitos de propriedade no espaço “apresentaria grandes benefícios que vão além de recompensas financeiras para as pessoas que se tornassem proprietárias”. "Tal sistema incentivaria a administração responsável do espaço, bem como oportunidades para novas descobertas científicas e exploração espacial democratizada”, defende Lowe.

No entanto, existem alguns obstáculos à concretização da utopia do Instituto Adam Smith, desde logo o Tratado do Espaço Sideral da ONU. O acordo, assinado em 1967, estabelece que o espaço é de todos e que nenhum país ou pessoa pode reivindicar soberania sobre o espaço sideral ou qualquer corpo celeste.

O Instituto defende, por sua vez, que este tratado está já “ultrapassado” e que é preciso “abordar a questão dos direitos de propriedade extraterrestre mais cedo ou mais tarde”.
Ideia não colhe
O conceito de privatização da Lua não está a ser bem recebido pelo público, com uma avalanche de críticas nas redes sociais. “Quando acabas de colonizar e explorar a Terra, é a vez da Lua”, escreve-se no Twitter. “O Instituto Adam Smith declarou que privatizar a Lua ajudará a acabar com a pobreza na Terra. E achavam vocês que o capitalismo estava sem ideias”, escreve outro utilizador na rede social.

O professor Malcolm Macdonald, diretor do Centro Escocês de Excelência em Aplicações de Satélite e membro do conselho da Agência Espacial do Reino Unido, também questiona a lógica do Instituto Adam Smith. “Não entendo como ampliar as desigualdades do nosso sistema terrestre até à Lua iria realmente levar a progressos em toda a humanidade”, declarou o docente ao jornal escocês The National.

O grupo anti-privatização do Reino Unido “We own it” também criticou o think tank neoliberal. “Não contente em incentivar a exploração dos recursos naturais deste planeta, o Instituto Adam Smith está agora empenhado em dividir a Lua em algo que possa ser embalado e vendido”, disse a diretora do grupo, Cat Hobbs, ao The National.

“Como eles reconhecem no seu relatório, ninguém pode possuir a Lua segundo os termos legais atuais. O Tratado do Espaço Sideral da ONU diz que a exploração espacial é 'província de toda a humanidade'. Mas para os fãs da ideologia extrema que diz que tudo deve ser privatizado, nada, nem mesmo a Lua, é sagrado”, acusa Hobbs.

“Os think tanks deviam apresentar soluções sobre como podemos cuidar melhor do nosso planeta, em vez de especular sobre como podemos transformar a Lua num centro de lucro”, acrescenta.
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