Protestos em Moçambique revelaram fragilidades na interpretação da lei

O provedor de Justiça de Moçambique disse hoje que os protestos pós-eleitorais revelaram fragilidades na interpretação e aplicação do direito à liberdade de manifestação e pediu uma reflexão conjunta entre sociedade civil e autoridades.

Lusa /
Siphiwe Sibeko - Reuters

"As manifestações revelaram as nossas fragilidades na interpretação e aplicação do direito à liberdade de reunião e de manifestação, consagrado na Constituição da República", disse Isaque Chande.

"Urge desencadearmos uma forte campanha de educação cívica e patriótica para sensibilizar e consciencializar os cidadãos e as autoridades públicas sobre como efetivar este direito constitucional", disse o provedor, que está no parlamento a apresentar o Informe Anual daquele órgão.

O dirigente frisou que o direito a manifestação e de reunião é uma das "conquistas essenciais para o exercício da cidadania", pedindo, no entanto, respeito pelos limites impostos aos cidadãos no exercício desse direito e também às autoridades policiais.

"É necessário aproximar as organizações da sociedade civil promotores das manifestações à Polícia da República de Moçambique para uma reflexão conjunta sobre o exercício de direito à liberdade de reunião e de manifestação", disse Isaque Chande, prometendo avançar com ações concretas para a materialização deste ideal para evitar mais "derramamento de sangue" e destruição de bens públicos e privados.

"Moçambique não é o único país do mundo onde as pessoas se manifestam livremente. Em muitos países há manifestações e greves, por vezes cíclicas, mas sem derramamento de sangue, nem destruição de infraestruturas. Portanto, o problema não é o direito à liberdade de reunião e de manifestação, mas sim, o modo como o exercitamos", apontou.

O provedor pediu aos cidadãos para estudarem e conhecerem a lei, para dominarem as regras que impõem a sua aplicação, defendendo igualmente o não uso da força pelas autoridades policiais para conter protestos.

As eleições gerais moçambicanas de 09 de outubro de 2024, que deram a vitória nas presidenciais a Daniel Chapo, do partido Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), com 65,17% dos votos, resultaram numa onda de manifestações, convocadas pelo candidato Venâncio Mondlane, que nunca reconheceu os resultados, alegando fraude eleitoral.

Foram mais de cinco meses de agitação social, com protestos, manifestações, barricadas, saques e violência em todo o país.

Até 21 de outubro passado, pelo menos 2.790 pessoas continuavam detidas, de um total de 7.200, um ano após o início das manifestações, que provocaram 411 mortos, segundo dados da plataforma Decide.

No mesmo período - os protestos prolongaram-se até março último -, 3.700 pessoas ficaram feridas, das quais mais de 900 por arma de fogo, além de cinco pessoas ainda dadas como desaparecidas, existindo o registo de 17 execuções "com indícios políticos", segundo o relatório.

A violência em Moçambique cessou após um primeiro encontro, em março, entre Chapo e Mondlane, estando em curso um processo de pacificação que prevê o compromisso governamental de realizar várias reformas, incluindo na Constituição e nas leis eleitorais.

A Federação Moçambicana de Empreiteiros estimou na semana passada que mais de 300 empresas de construção encerraram durante as manifestações pós-eleitorais, admitindo a existência de muitas que ainda não conseguiram reabrir.

A Organização dos Trabalhadores de Moçambique - Central Sindical disse, no dia 13 de outubro, que dos mais 12 mil trabalhadores que perderam emprego durante os tumultos, cerca de três mil continuam sem indemnização.

Tópicos
PUB