Provável chumbo de nova constituição do Chile mostra volatilidade, diz investigadora
A investigadora chilena Julieta Suarez-Cao considera que a proposta de constituição, à direita da atual, deverá ser chumbada em referendo, um sinal da volatilidade política do país, que já havia recusado uma proposta de esquerda.
Para dezembro está previsto um novo referendo à proposta constitucional do país aprovada por uma comissão de deputados (que tem uma maioria de direita) e que prevê uma série de recuos nos direitos, liberdades e garantias da população relativamente à atual, desenhada pelo ditador Augusto Pinochet.
A proposta a referendar, que está a ser votada pelo conselho constitucional, contempla medidas que dão dignidade constitucional à legislação antiaborto, proteção das touradas, diminuição de deputados, expulsão dos migrantes ilegais e a isenção de impostos à primeira habitação, uma medida que beneficia as pessoas com maiores rendimentos.
Em setembro de 2022, um texto constitucional que admitia o abordo, concedia direitos históricos às minorias e conferia estatuto aos povos indígenas foi chumbado pela maioria dos chilenos, que haviam eleito uma Assembleia Constituinte de esquerda após os protestos sociais de 2019.
Assiste-se hoje no Chile a um discurso anti oficialismo e anti poder" e "isso faz parecer que as pessoas não têm uma ideologia", votando "em massa à esquerda para a primeira Constituinte e agora na ultra direita para a segunda", disse à Lusa Julieta Suarez Cao.
"Está a acontecer o mesmo que em muitos países da região e talvez do mundo, onde há um forte descontentamento com a democracia, com as instituições de governo que, no Chile se expressou na contestação social e, que, depois da pandemia, também não teve resposta", afirmou a investigadora.
No final de setembro, o Presidente chileno, Gabriel Boric, disse estar preocupado com a conclusão do segundo processo constituinte devido à falta de consenso no organismo que redige a nova proposta de Constituição.
O conselho constitucional, onde a extrema-direita e a direita tradicional garantem maioria com 33 dos 50 lugares, redige desde junho um esboço da lei fundamental que deverá ser submetida a referendo nacional em 17 de dezembro.
O Partido Republicano (extrema-direita) tem 22 dos 50 lugares, o que lhe dá poder de veto sobre as normas do texto. Já os partidários do atual governo possuem 16 lugares.
Perante a baixa taxa de aprovação popular da atual proposta constitucional há quem defenda uma revisão do texto e a anulação do referendo de dezembro.
"Penso que a única coisa que pode ser explicada é este sentimento de profundo desencanto e de raiva para com a política democrática", acrescentou a investigadora.
Nesse sentido, nos últimos anos, "o Chile `latino-americanizou-se`" com um discurso mais polarizado que esmagou o centro político.
Contudo, é "evidente que, durante muito tempo, a estabilidade no Chile também se fez à custa de uma baixa participação" nas eleições e "as pessoas iam afastando-se da política", que era "mais um jogo da elite, talvez ao contrário do que acontece no Brasil ou na Argentina, no Uruguai, onde o envolvimento popular era maior".
O "Chile começou a parecer-se mais com outros países da América Latina e isso trouxe custos ao nível da sua estabilidade" política, com altos "níveis de volatilidade", sublinhou.