Putin aponta o dedo e estende a mão ao Ocidente

por Graça Andrade Ramos - RTP
O Presidente russo Vladimir Putin durante a reunião do Valdai Discussion Club em Sochi, na Rússia Reuters

Desde a dualidade de critérios dos líderes europeus face à Catalunha, ao arsenal norte-americano, ao mercado energético europeu e à colaboração com Washington, o Presidente russo oscilou esta quinta-feira em Sochi, na Rússia, entre o tom de ameaça ao Ocidente e a conciliação em nome de interesses comuns.

O Presidente russo respondia a questões num fórum com académicos, quando acusou os EUA de estarem a tentar expulsar a Rússia dos mercados de energia europeus, sobretudo no que se refere ao gás natural. Putin apontou o dedo à estratégia americana desde os anos 90, acusando Washington de repetidamente trair os interesses nacionais de Moscovo e desrespeitar os acordos sobre armas nucleares e químicas que subscreveu.

Putin afirmou mesmo que a última leva de sanções norte-americanas se destina a forçar a Europa a comprar em alternativa gás liquefeito aos Estados Unidos. Contudo, evitou críticas diretas ao Presidente norte-americano, Donald Trump, reservando as acusações para um novo pacote de sanções transpostas em lei por Trump em agosto, depois de o Congresso as ter aprovado.

"O recente pacote de sanções aprovado pelos congressistas norte-americanos procura abertamente empurrar a Rússia para fora dos mercados europeus de energia e forçar a Europa a mudar para o gás natural liquefeito, mais caro, dos Estados Unidos, apesar de as quantidades ainda não serem suficientes", afirmou Putin na tarde desta quinta-feira.

Na altura, o Kremlin afirmou-se preocupado com a possibilidade das sanções se refletirem negativamente nalguns dos seus maiores projetos com parceiros europeus, nomeadamente no Nord Stream 2, que prevê a construção de um gasoduto que leva o gás russo através do Báltico.
"Confiámos demasiado em vocês"
Também os líderes europeus foram alvo de crítica severa por parte do líder russo. Putin acusou-os de dualidade de critérios quanto ao diferendo que opõe o Governo independentista da Catalunha a Madrid, ou quanto ao Curdistão iraquiano.

Putin referiu que a Europa considerou muito bem que o Kosovo declarasse a sua independência da Sérvia em 2008, mas já as situações na Catalunha, no Curdistão iraquiano e na Crimeia - anexada pela Federação russa em 2014 - são tratadas de forma diferente."Porque é que a Europa teve de, impensadamente, em nome da competição política e da vontade de agradar ao irmão mais velho em Washington, apoiar sem reservas a secessão do Kosovo, provocando processos semelhantes noutras regiões da Europa e do Mundo?", perguntou Putin.

As culpas do que se passa na Ucrânia, por exemplo, cabem assim unicamente à Europa, defendeu o líder russo, referindo ainda que só a mesma Europa pode agir para reverter o impasse entre Kiev e os rebeldes fiéis a Moscovo. Acusou ainda Kiev de sabotar todos os pontos dos acordos de Minsk.

Já o encerramento da fronteira russa com as zonas controladas pelas forças rebeldes daquele país, apoiadas por Moscovo com armas e logística, iria, segundo Putin, resultar num massacre como o de Srebrenica, durante a guerra da Bósnia de 1992-95. Putin não explicou as razões da comparação mas referiu que a Rússia não precisa de conflitos junto às suas fronteiras.

Sobre as relações com o Ocidente, Putin foi aliás explícito. O problema russo foi confiar demasiado nos países ocidentais nos últimos 15 anos, afirmou, em resposta a um académico alemão.

"O nosso maior erro foi confiar demasiado em vocês. Vocês interpretaram a nossa confiança como fraqueza, e exploraram isso", referiu.
Corrida às armas
Putin disse que a Rússia irá desenvolver novos sistemas de armamento se for forçada a isso em resposta a iniciativas norte-americanas. O Presidente russo acusou aliás os Estados Unidos de alterarem o equilíbrio estratégico nuclear ao modernizar o seu próprio arsenal.

Referiu ainda que, se os Estados Unidos abandonarem o tratado de forças nucleares de alcance intermédio, a resposta russa será instantânea e simétrica.

O Presidente russo afirmou também que Moscovo não está preocupada com a crescente presença militar dos Estados Unidos na zona do Báltico. "Estamos a analisá-la, a observar de perto do que se passa. Todos os seus passos são conhecidos e claros para nós", explicou.

"Isto não nos preocupa. Podem treinar ali, está tudo sob controlo", acrescentou.

Um possível conflito nuclear entre a América e a Coreia do Norte foi igualmente abordado. O Presidente russo duvida que um ataque preventivo dos EUA na Península Coreana fosse capaz de destruir todas as armas de que dispõe Pyongyang.
Síria quase resolvida
Quanto à Síria, Vladimir Putin admitiu a possibilidade de as zonas de descompressão criadas no país virem a levar à divisão do país, mas afirmou que espera que tal seja evitado.

Putin referiu em Sochi acreditar que Moscovo, ao lado de Damasco, irá em breve derrotar os grupos "terroristas" na Síria.

Afirmou ainda que o processo de paz na Síria estava a progredir de forma positiva, apesar de reconhecer a existência de problemas.

Putin revelou uma proposta para constituir um Congresso dos povos da Síria, juntando representantes de todos os grupos étnicos do país.Esta manhã, durante uma visita do enviado especial da ONU à Síria, Staffan de Mistura, a Moscovo, o ministro dos Negocios estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, referiu que a campanha na Síria contra os islamitas do Estado Islâmico entrou na fase final. Esta semana o grupo perdeu o controlo da sua capital de facto na Síria, Raqqa, conquistada por forças sírias apoiadas pelos Estados Unidos.

O Presidente russo afirmou mesmo que a cooperação com os EUA quanto à Síria se mantém estável.

Questionado sobre Donald Trump, o Presidente russo afirmou que o seu homólogo norte-americano "merece respeito" já que foi mandatado democraticamente. "Ele foi eleito pelo povo americano e nem que seja por isso ele deveria ser respeitado, mesmo quando discordamos da sua posição".

Para Putin, o comportamento imprevisível de Trump deve-se aos problemas do sistema americano que permitem que a oposição interna o impeça de concretizar muitas das suas promessas eleitorais. Por outro lado, todos os fracassos internos estão a ser atribuídos a Moscovo, afirmou, referindo o que chamou uma campanha anti-russa sem precedentes promovida nos Estados Unidos.

Moscovo tem sido acusado de interferir nas eleições presidenciais norte-americanas que deram a vitória a Donald Trump.

O Presidente russo mostrou-se, apesar disso, confiante de que os problemas com Washington poderão ser resolvidos e que espera cooperar com a Administração Trump a diversos níveis.

"Temos diálogo ao nível de trabalho e ao nível de serviços especiais, dos ministérios da Defesa, dos ministérios dos Negócios Estrangeiros. Conseguimos resultados conjuntos", referiu.

Deixou apesar de tudo uma palavra de aviso contra a pressão exercida por parte dos EUA sobre os media a operar na Rússia, a qual, refere, é "incrível". Moscovo irá retaliar com medidas concretas, prometeu. "Nesse caso faremos o mesmo e rapidamente, mal vejamos iniciativas contra os nossos media, a resposta será imediata", garantiu.

Putin afirmou ainda que os media britânicos e norte-americanos exercem uma influência direta nos assuntos domésticos da maioria dos países do mundo.
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