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Quando esmorece a paixão pela Educação

por Texto: António Louçã. Imagem: Carlos Oliveira. Edição: Nuno Patrício, Pedro Pina
Nigel Treblin, Reuters

A Alemanha, "país dos poetas e pensadores", debate-se com sérios problemas no seu sistema de Educação. Com as eleições federais no horizonte, o tema volta a dar que falar.

A campanha eleitoral que era suposto realizar-se em torno do tema da "Justiça social" mudou de foco ao menos temporariamente, em meados de maio, para o tema da Educação, quando o candidato social-democrata, Martin Schulz, se comprometeu a lutar por uma Alemanha que volte a ser "campeã mundial na Educação".

O compromisso era, simultaneamente, uma meia confissão de fracasso sobre o balanço da coligação entre democratas-cristãos e social-democratas em termos de política educativa. E o sabor a fracasso é principalmente amargo por se sentir no país que presumia de ser, entre todos os europeus, "o país dos poetas e pensadores" (Land der Dichter und Denker).

Olhada a situação do sistema educativo numa perspectiva estática, ela continua a apresentar pontos fortes na comparação com os congéneres europeus.

Florian Hoffmann lecciona numa escola primária, a Comenius Schule, em Berlim, que é frequentada, também, por crianças portadoras de deficiência. Num primeiro balanço, muito focado sobre a sua própria escola e sobre o problema da inclusão, Hoffmann enumera vários avanços que vem registando e que configuram um cômputo geral francamente positivo.

Florian Hoffmann

Por outro lado, este docente admite que, no domínio da escolaridade inclusiva, o carácter federal do ensino alemão tenha criado situações bastante diferenciadas e algumas francamente menos satisfatórias que as da sua própria escola. Ao nível de todo o país, admite também, há ainda "muito por fazer".

No entanto, a apreciação geral de Hoffmann é optimista, manifestando a expectativa de que a política educativa venha a ocupar um papel cada vez mais destacado no debate político, e desde já no debate com vista às eleições de Setembro para o Bundestag.

A existência de critérios de investimento diferenciados é confirmada por Jost Wippermann, professor de alemão numa escola profissional para estrangeiros. Mas Wippermann acrescenta à explicação de Hoffmann um outro aspecto e um tom mais crítico: os critérios de investimento dependem da composição social do público destinatário dos serviços.

Jost Wippermann


A composição social determina também, segundo Wippermann, a perspectiva provável para o ensino profissional de estrangeiros: esta encontra-se determinada pela classificação dos seus destinatários num sector de baixos vencimentos, tendente a perdurar por várias décadas, conforme delineado pela "Agenda 2010" - a reforma do mercado de trabalho - e, portanto, dificilmente corrigível por alguma nova conjuntura política.

Sem surpresa, Wippermann considera que não existe, para já, luz alguma no fundo do túnel.

Dois outros problemas que se encontram estreitamente ligados são os da  escassez de docentes e do insucesso escolar ou, para muitos dos estudantes, o abandono escolar. Wippermann admite que a escassez de docentes esteja a criar um reflexo do sistema no sentido de recrutar as pessoas que lhe fazem falta, mas limita essa possível melhoria da situação ao ensino público.

No sector em que trabalha, com estudantes que se consideram destinados a um mercado de trabalho barato, faz-se sentir a mercantilização do ensino através de cortes orçamentais com inevitáveis consequências a nível pedagógico.

Sob este aspecto, também Hoffmann se interroga, em tom crítico, sobre os estímulos que são oferecidos aos docentes, no âmbito do esforço de recrutamento do sistema de ensino. E a resposta a esta pergunta não é óbvia nem a questão parece encontrar-se fechada.

Um dos estímulos em falta é o da efectivação dos docentes. Jost Wippermann enumera diversas consequências de uma situação de precariedade que conhece por experiência própria e refere também que, a si próprio e a colegas na mesma situação, constantemente são prometidos contratos de trabalho efectivos - e constantemente adiado o cumprimento dessas promessas.

Rainer Bluhm, assistente social, tem sido especialmente atento aos problemas que Wippermann enuncia, na origem das elevadas taxas de abandono escolar: a falta de concentração dos estudantes e o seu desinteresse pelas aulas, num contexto em que a "Agenda 2010" reformulou de forma traumática as carreiras profissionais e desestabilizou grande número de famílias.

Mas um dos terrenos em que se faz sentir a falta de investimento no ensino é precisamente no facto de recorrer pouco ou nada a assistentes sociais que apoiem os estudantes em situações de crise, ou a professores auxiliares que ajudem os estudantes a assimilar matéria dada nas aulas.

Rainer Bluhm

Por sua vez, a desestabilização dos estudantes repercute-se sobre os docentes, cuja elevada exposição a doenças profissionais, em primeiro lugar os esgotamentos nervosos, é igualmente sublinhada por Bluhm. E as baixas frequentes que essas doenças ocasionam vêm ainda agravar os efeitos da escassez de professores.

Para além dos problemas da sociedade alemã, agravados num contexto de precarização geral das relações sociais, laborais e familiares, há os problemas que têm os estudantes de famílias refugiadas.

Jost Wippermann refere o interesse de empresários da Educação por esse novo mercado, e pelos subsídios que o Governo lhe destina, mas sublinha ao mesmo tempo que a resposta dada aos problemas tem ficado muito aquém da dimensão destes. Na verdade, não se trata de uma dimensão meramente pedagógica, mas, mais uma vez, social.

As observações empíricas de Wippermann, a partir do seu contacto com alunos refugiados, vêm assim ao encontro das críticas formuladas por Bluhm, sobre a indiferença do sistema de ensino quanto à necessidade de assistentes sociais ou de professores auxiliares.

Ao nível do ensino universitário, a situação é da responsabilidade de um Ministério federal e não dos Governos regionais, dos Länder. De um modo geral, essa diferença essencial tem efeitos positivos, a começar por uma certa uniformidade de políticas.

Raphael Wittenburg, estudante de engenharia de máquinas na Universidade de Rostock, considera equiparáveis a qualidade do ensino na Alemanha e nos outros países europeus, mas sublinha a superioridade do sistema alemão sobre o britânico, por exemplo, devido à sua gratuitidade, em contraste com as elevadas propinas que é preciso pagar no Reino Unido.

Raphael Wittenburg

O mesmo estudante releva os méritos de uma opção dual, como lhe chama, que o ensino superior permite na Alemanha: a opção por uma formação universitária realizada em simultâneo com alguma actividade profissional afim. No seu caso, isso permitiu que a empresa onde trabalha lhe financiasse o curso universitário.

Mas também os níveis superiores do ensino têm lados mais preocupantes. Stefan Schneider, docente universitário, descreve a sua situação precária, que partilha com muitos outros docentes da mesma geração.

Stefan Schneider

A formação de enfermeiros é um dos aspectos do ensino superior que merecem mais críticas.

Marlen Souschek, estagiária de enfermagem no Hospital da Cruz Vermelha de Charlottenburg, não tem uma opinião categórica sobre se a Alemanha deverá, ou não, imitar a grande maioria dos países europeus, fazendo da enfermagem uma carreira universitária.

Embora veja vantagens e inconvenientes na eventual adopção dos padrões europeus, Souschek compara a formação de colegas vietnamitas com a sua própria e de colegas alemães, e não tem dúvidas em concluir que os vietnamitas trazem uma formação mais completa.

Marlen Souschek


Adriana Soares, enfermeira formada em Portugal, foi para a Alemanha há dois anos e meio. Começou por trabalhar num lar de idosos e conseguiu depois um contrato a termo num hospital do grupo Vivantes, no centro de Berlim. Também ela nota lacunas na formação dos colegas alemães, devidas principalmente a uma especialização demasiado unilateral.

E nota, simultaneamente, que essa especialização excessiva não existia em colegas alemães de formação mais antiga. Para as gerações mais jovens, agravou-se o carácter fragmentário da formação ministrada.

Adriana Soares

No contacto com outros jovens portugueses, igualmente imigrados na Alemanha, Adriana Soares encontra outros tantos sinais da mesma desvalorização de competências generalistas em carreiras como engenharia ou farmácia.

Mas, para a tendência a negligenciar a formação generalista, encontra Ringo Schuster uma explicação: a Alemanha não precisa de dar aos seus próprios jovens uma formação cuidada, porque lhe basta atrair e recrutar com salários mais altos, os jovens que os sistemas educativos de outros países formaram. Os investimentos feitos por esses países ficarão afinal perdidos para os próprios.

Ringo Schuster

O desinvestimento na educação pública alemã tem-se tornado entretanto um tema para alguma imprensa de referência europeia. Ao diário espanhol El Pais não escapou que as instalações sanitárias das escolas, constantemente vandalizadas e depois deixadas em estado de ruínas, se tenham tornado "um símbolo da falta de investimento público". El País prestou, em consequência, atenção a discursos de Martin Schulz sobre as instalações sanitárias escolares, como algo que visava mais longe.

Para cumprir a promessa eleitoral de restabelecer uma liderança alemã entre os sistemas de ensino de todo o mundo, Martin Schulz sugere que faria falta percorrer um longo caminho. Resta saber se serviria de algo percorrer um longo caminho na mesma direcção, ou se, pelo contrário, seria preciso inverter a orientação que tem vindo a mercantilizar os mecanismos de funcionamento e a precarizar a situação dos docentes.





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