Que fatores potenciaram o aumento de contágios em Espanha no inicío da pandemia?

O novo coronavírus entrou em Espanha não se sabe ao certo quando e rapidamente começou a espalhar-se por todo o território. Mas após serem descobertos os primeiros casos, houve uma difusão em massa e desigual entre as várias comunidades espanholas. Um estudo recente aponta cinco fatores principais que podem explicar a "explosão" de infeções, entre fevereiro e março.

Inês Moreira Santos - RTP /
Nacho Doce/Reuters

Ainda em fevereiro, o epidemiologista Fernando Simón afirmou convincentemente que, em Espanha, não havia coronavírus, nem casos de infeção confirmados. Mas a 24 de fevereiro, os números de infeções dispararam na Comunidade de Madrid e a pandemia começou a ganhar força no país.

A Covid-19 é conhecida por ser uma doença facilmente transmissível, mas de acordo com um estudo estatístico preliminar, publicado na quarta-feira, foram identificados cinco fatores que ajudam a explicar o aumento exponencial e desigual de contágios em Espanha, no início da pandemia.

"A epidemia do SARS-CoV-2 e a doença de Covid-19 estão a espalhar-se de maneira desigual nas diferentes regiões de Espanha, tanto em intensidade como em velocidade", lê-se no relatório, que adianta que "essas diferenças devem-se a vários fatores que influenciam os diferentes territórios de maneira diferente".

Os fatores apontados são: a percentagem de balneários e casas de banho infetadas; o número de pessoas em lares e instituições de saúde; a mobilidade interna dentro das comunidades autónomas; e as deslocações de e para Madrid e deslocações de e para o País Basco.

"Com os resultados dessa primeira análise, onde apenas o período de subida até 20 de março é analisado, o que podemos dizer é que os cinco fatores identificados influenciam a propagação da doença, não a duração do período", explicaram ao El País, Rebeca Ramis e Diana Gómez-Barroso, investigadorasdo Centro Nacional de Epidemiologia, que pertence ao Instituto de Saúde Carlos III.

Cruzando dados da Rede Nacional de Vigilância em Saúde Pública, os investigadores estudaram fatores contextuais fixados no tempo - como a demografia, o uso de transportes públicos, a saúde da população e as atividades económicas -, fatores dinâmicos - como a mobilidade de pessoas dentro e fora da região e dados derivados da evolução da pandemia (número de profissionais de saúde infectados, características dos casos, por exemplo) - e fatores de difusão epidémica - como os eventos que ocorreram antes ou durante o início da pandemia, assim como os focos em que os primeiros casos foram detetados.

Uma das primeiras coclusões deste estudo foi que a "mobilidade interna em áreas urbanas com alta atividade, a difusão de surtos iniciais em territórios contíguos e a falta de contenção no campo 'socio-sanitário' foram fundamentais para o surgimento da pandemia".

Os investigadores esclarecem, no entanto, que não foram apenas estes fatores que potenciaram os contágios em massa, mas que foram os que apresentavam maior correlação. Não havia, por exemplo, prevalência de doenças respiratórias ou cardíacas, passageiros de transportes públicos que chegavam diariamente de áreas consideradas de alto risco de transmissão ou com alta densidade populacional.
O que influenciou a onda de contágios inicial?

O estudo realizado pelo Centro Nacional de Epidemiologia (CNE) e pela CIBER de Epidemiologia e Saúde Pública (CIBERESP) avaliou variáveis ​​estatisticamente significativas que explicam o aumento da curva epidemiológica, embora com uma incidência diferente em cada uma das regiões do país. O objetivo é que os resultados "ajudem a entender a difusão e a velocidade da expansão da pandemia" para que "possam ajudar na tomada de decisões futuras e a conhecer a doença".

Um dos primeiros fatores apontados pela investigação é que os dados epidemiológicos revelam que "pessoas acima dos 70 anos e residentes em lares foram as populações mais afetadas pela Covid-19 e com as condições clínicas mais graves", o que leva a considerar que este "tenha sido um dos fatores relevantes".

Outro fator que é apontado como relevante é o uso e a higiene de sanitários públicos ou balneários/vestiários comuns (muito usados, por exemplo, por profissionais de saúde). "A influência da  percentagem de sanitários infetados no aumento da curva pode ter duas razões: por um lado, o número de sanitários infetados foi muito alto, o que aumenta diretamente o número total de casos; por outro lado, os sanitários têm sido mais um elo na cadeia de transmissão de vírus, especialmente nos primeiros dias da epidemia, quando as medidas estritas de proteçao e higiene não foram implementadas".

Contudo, considerando as características de transmissão do SARS-Cov-2, "a mobilidade da população, que implica diretamente o contacto social, é o primeiro fator de risco quando não são implementadas medidas de proteção e higiene".

Durante a investigação, a Comunidade de Madrid e o País Basco foram ainda considerados "fontes de risco porque são os territórios onde a transmissão comunitária foi detetada inicialmente".

Dadas as características da pandemia, esta análise foi dividida em dois períodos: um período de subida e um período de descida.

"Para definir esses períodos, foi estabelecida a data em que cada território excede uma taxa de incidência diária superior a cinco casos por 100 mil habitantes" e "o período de subida começa no dia em que a taxa de incidência excede os cinco casos por 100 mil habitantes, até a data do pico máximo de casos diários".


Já o "período de declínio começa no dia do pico e dura até o último dia da análise (a data do último dia de análise mudará à medida que a pandemia progride)", sendo a evolução em cada período "determinada por diferentes fatores que podem ter um efeito variável, dependendo das ações das autoridades em cada fase", esclarece o relatório.

Assim, estudo identificou, a partir das principais datas epidemiológicas, "diferenças entre as comunidades autónomas, tanto no início da pandemia como na duração dos períodos de subida e descida". No entanto, há uma coincidência temporal entre os eventos ao nível nacional que explica a relevância dos cinco principais fatores para o pico de contágios em Espanha.

"Os fatores ligados ao movimento são o risco infeccioso da mobilidade interna, assim como os riscos infecciosos da mobilidade externa, tanto de Madri como do País Basco", conclui o estudo.

Já quanto aos "relacionados com os cuidados socioambientais", o estudo destaca como relevantes os casos em lares sobrelotados,com pessoas com mais de 70 anos e a percentagem de profissionais de saúde infetados.

Mas, considerando que "a intensidade do efeito foi heterogénea entre as comunidades autónomas", os fatores que "mostram o maior impacto na transmissibilidade são o risco infeccioso de mobilidade interna e a porcentagem de profissionais de saúde infetados".

Os investigadores lembram ainda que este estudo não estabelece causalidade entre fatores, nem avalia outros aspetos que poderiam ter influenciado e potenciado os contágios em Espanha, como a capacidade de diagnosticar e isolar pacientes, a capacidade de resposta dos hospitais ou o número de equipamentos de proteção que os profissionas de saúde tinham.
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