"Querem usar o Natal como disfarce". Zelensky desvaloriza cessar-fogo de Putin

por Inês Moreira Santos - RTP
George Ivanchenko - EPA

O presidente russo, Vladimir Putin, decretou na quinta-feira um cessar-fogo na Ucrânia durante o período do Natal ortodoxo. Contudo, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acredita que esta trégua é uma hipocrisia de Moscovo e que qualquer suspensão temporária dos combates só será possível quando os russos se retirarem do território ocupado.

O cessar-fogo ordenado pela Rússia para o Natal ortodoxo começa esta sexta-feira na Ucrânia. É a primeira grande trégua desde o início da invasão, mas interpretada por Kiev e os aliados como uma vontade de Moscovo ganhar tempo.

“Agora querem usar o Natal como disfarce para, pelo menos, interromper brevemente o avanço dos nossos homens no Donbass e trazer equipamentos, munições e militares para mais perto das nossas posições”, comentou o presidente ucraniano no seu discurso habitual, em vídeo, na quinta-feira à noite.

“O que é que isto trará? Apenas mais um aumento no número de mortos”, continuou Volodymyr Zelensky. “Toda a gente sabe como é que o Kremlin usa os cessar-fogo para continuar a guerra com vigor renovado".

Mas para pôr fim ao conflito mais rapidamente, nas palavras de Zelensky, não é necessário um cessar-fogo. E relembrando que o “terror nos territórios ocupados continua”, o presidente ucraniano frisou que “acabar com a guerra é acabar com a agressão do seu Estado”.

“Não dão tréguas aos ucranianos. As pessoas são torturadas, eletrocutadas, violadas. Isso continua todos os dias, enquanto os seus soldados estão no nosso solo”, acusou ainda o chefe de Estado da Ucrânia, acrescentando: “A guerra terminará quando os seus soldados partirem ou nós os expulsarmos”.


Já na quinta-feira à tarde, pouco depois do anúncio do Kremlin, um conselheiro do presidente ucraniano, Mykhailo Podoliak, qualificou de “hipocrisia” um cessar-fogo russo na Ucrânia por ocasião do Natal ortodoxo, e apelou às tropas russas para abandonarem o país.

A Rússia deve deixar os territórios ocupados, e apenas assim será possível uma ‘trégua temporária’. Fiquem com a vossa hipocrisia”, escreveu no Twitter.

Numa mensagem à comunicação social, Podoliak denunciou o cessar-fogo ordenado por Vladimir Putin de “puro gesto de propaganda”.

“A Rússia tenta por todos os meios reduzir pelo menos temporariamente a intensidade dos combates e dos ataques aos centros logísticos, para ganhar tempo”.

Podoliak acusou ainda Putin de “não ter o mínimo desejo de acabar com a guerra” e de tentar “convencer os europeus a pressionarem” Kiev para o início de negociações de paz, que a Ucrânia recusa há meses, exigindo uma retirada das forças russas dos territórios ocupados.

“Não é necessário responder às iniciativas deliberadamente manipulatórias dos dirigentes russos”, indicou ainda.
Aliados de Kiev desvalorizam cessar-fogo

Após uma reunião por videoconferência com patriarca ortodoxo russo Kirill e uma proposta do chefe de Estado turco Recep Tayyip Erdogan, Vladimir Putin pediu ao exército russo para realizar um "cessar-fogo na linha de contacto entre as partes a partir das 12h00 horas do dia 6 de janeiro deste ano até às 12 horas do dia 7 de janeiro".
O presidente russo apelou também, na quinta-feira, às forças ucranianas que respeitem esta trégua para dar a possibilidade aos ortodoxos, a confissão maioritária na Ucrânia como na Rússia, de "assistir aos serviços religiosos na véspera de Natal, bem como no dia da Natividade de Cristo".

"Atendendo ao apelo de Sua Santidade o patriarca Cirilo, instruí o ministro da Defesa para introduzir um regime de cessar-fogo ao longo de toda a linha de contacto na Ucrânia", lê-se num comunicado emitido pelo Kremlin.

Todavia, não só Kiev condenou a tentativa de trégua. A chefe da diplomacia alemã desvalorizou o cessar-fogo, afirmando que não trará "nem liberdade nem segurança às pessoas que vivem diariamente com medo sob ocupação russa".

"Se Putin quisesse a paz, retiraria os seus soldados para casa e a guerra acabaria”, disse a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock, numa mensagem no Twitter.

“Aparentemente, [Putin] quer continuar a guerra, depois de uma breve interrupção", considerou a chefe da diplomacia alemã.



Também Joe Biden considerou que o seu homólogo russo está a tentar “ganhar fôlego”, com o anúncio de cessar-fogo na Ucrânia.

“Ele [Putin] esteve pronto para bombardear hospitais, creches e igrejas (...) em 25 de dezembro e no Ano Novo (...) Acho que está a tentar ganhar fôlego”, disse Biden, referindo-se ao anúncio do Presidente russo.

Já para o Reino Unido, o anúncio da Rússia “não fará nada para promover as perspetivas de paz”.

"A Rússia deve retirar permanentemente as suas forças, renunciar ao controlo ilegal do território ucraniano e acabar com seus bárbaros ataques a civis inocentes", destacou o chefe da diplomacia britânica, James Cleverly.

Para António Guterres, contudo, é uma ação positiva, mas admite faltarem por agora condições para uma desejável solução duradoura para o conflito.

“Se puder haver condições para que no Natal não morra gente, isso em si é positivo, mas o que importa fundamentalmente é uma solução do conflito e a solução só é possível com base na carta das Nações Unidas e no direito internacional”, afirmou o secretário-geral das Nações Unidas.
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