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"Racismo institucional". Amnistia Internacional denuncia maus tratos contra migrantes na Lituânia

por Andreia Martins - RTP
EPA

A Amnistia Internacional denuncia esta segunda-feira a detenção e abusos contra migrantes e refugiados na Lituânia ao longo de vários meses. De acordo com a organização, a situação adensou-se há quase um ano, em julho de 2021, quando cada vez mais migrantes tentavam atravessar as fronteiras da Bielorrússia para os países vizinhos.

Vários migrantes foram detidos “ao longo de meses” e nunca chegaram a ter avaliação dos seus pedidos de asilo. Em alguns casos foram mesmo submetidos a “condições desumanas, tortura e maus-tratos”, um comportamento que “tem contrastado verdadeiramente com o acolhimento a pessoas que chegaram da Ucrânia”, denuncia a organização de defesa de Direitos Humanos.

Para esta investigação, a Amnistia Internacional visitou dois centros de detenção na Lituânia, os Centros de Registo de Estrangeiros (CRE) de Kybartai e Medininkai, tendo feito entrevistas a 31 pessoas.

Entre os migrantes entrevistados, incluem-se pessoas dos Camarões, República Democrática do Congo, Iraque, Nigéria, Síria e Sri Lanka, que foram “detidas ilegalmente”.

Alguns detidos, em particular homens e mulheres negros, foram sujeitos a “insultos racistas” e as autoridades “humilharam sexualmente um grupo de mulheres negras”, que foram forçadas a permanecer numa zona exterior ao frio, seminuas e de mãos atadas, sendo depois trancadas num contentor.

“No Iraque ouvimos falar dos Direitos Humanos e direitos da mulher na Europa. Mas não há direitos nenhuns”, disse uma mulher de origem Yazidi que esteve detida no centro de Medininkai, perto da fronteira com a Bielorrússia.
Contraste entre acolhimentos
Dezenas de pessoas relataram ter sido alvo de agressões, insultos e dizem ter sido submetidas a intimidação e assédio por motivos raciais por guardas nos centros de detenção. Nestes centros escasseava também o acesso a instalações sanitárias e a serviços de saúde.

“Todos os que procuram proteção devem ser tratados com igualdade e respeito. No entanto, as pessoas com quem falámos na Lituânia foram mantidas de forma ilegal durante vários meses a fio, em condições abismais, submetidas a abusos físicos e psicológicos e outros tratamentos degradantes”, refere Nils Muiznieks, diretor regional da Amnistia Internacional para a Europa.

O responsável vai mais longe, ao comparar o tratamento destes migrantes com a resposta das autoridades lituanas aos refugiados vindos da Ucrânia, na sequência da invasão russa.

“Embora a Lituânia tenha recebido de forma calorosa milhares de pessoas que fogem da Ucrânia, a experiência dos detidos com quem conversámos não poderia ser mais diferente. Isto levanta sérias preocupações sobre o racismo institucional incrustado no sistema de migração da Lituânia”, diz Nils Muiznieks no relatório da Amnistia Internacional.
Pressão na fronteira bielorrussa

Os factos em causa remontam a julho de 2021, quando o Parlamento lituano adotou uma nova legislação que prescrevia a detenção automática de todas as pessoas que chegassem ao território lituano de forma irregular.

Nessa altura, centenas de migrantes vindos da Bielorrússia pressionavam as fronteiras da União Europeia, em particular a Polónia e a Lituânia. Bruxelas acusou então Minsk de fabricar uma crise migratória e facilitar a passagem de migrantes em retaliação contra as sanções aplicadas pelos 27 ao regime de Alexander Lukashenko.

Com a legislação lituana, os migrantes e refugiados chegados a território lituano viam-se privados de garantias legais e sujeitos a “acomodações temporárias”.

“Como resultado, milhares de pessoas, incluindo muitas que necessitam de proteção internacional, foram detidas por períodos prolongados. Durante meses, muitos ficaram também privados de qualquer supervisão das autoridades judiciais para monitorizar a legalidade da sua detenção. Muitos nunca tiveram os seus pedidos de asilo avaliados. Outros milhares foram violentamente empurrados de volta para a fronteira da Bielorrússia”, lê-se no relatório hoje divulgado pela organização de defesa dos Direitos Humanos.“Não sou um criminoso, sou um refugiado”
Os centros visados por esta investigação, Kybartai e Medininkai, são na verdade autênticas prisões, segundo descreve a Amnistia Internacional. Kybartai, por exemplo, tem “janelas gradeadas, portas de segurança e um muro com um alto perímetro”.

“Os homens que ali estiveram detidos tiveram restrição de movimentos mesmo dentro das instalações”, onde tinham acessos sanitários precários, descreve a organização.

“Quero agradecer à Lituânia por nos receber… Mas aqui não nos tratam bem. Isto é uma prisão, não é um campo. Para onde quer que olhe só vejo arame farpado. Porquê Não sou um criminoso, sou um refugiado”, afirmou um dos detidos em Kybartai, de origem síria, em declarações à AI.

Já no centro de detenção de Medininkai, vários refugiados e migrantes dormiram em contentores ou em estádios de futebol, num país habitualmente marcado por invernos rigorosos.

Os depoimentos recolhidos pela Amnistia Internacional demonstram o medo sentido por vários migrantes e refugiados que passaram por este centro.

Em várias ocasiões, houve migrantes a contestarem as condições em que se encontravam. Os guardas reagiam com violência: há relatos de espancamentos, inclusive com bastões, gás pimenta e armas taser.

Outros detidos foram colocados em isolamento e eram ameaçados com cães caso tentassem escapar. Um psicólogo que trabalhava no centro está atualmente a ser investigado pelas autoridades lituanas por suspeitas de violência sexual contra detidos do centro.
Inação europeia
A Amnistia Internacional critica a atuação não só das autoridades lituanas, mas também das autoridades europeias.

Um ano depois de a Lituânia ter tentado legalizar o que é ilegal, a Comissão Europeia ainda não adotou nenhuma medida para alinhar a legislação da Lituânia com a lei da União Europeia. Enquanto a UE se mantiver inativa, estará a enviar uma mensagem aos estados membros de que as leis da União Europeia podem ser violadas de forma impune”, adiantou Nils Muiznieks.

Os responsáveis destacam que o relatório hoje divulgado “fornece ampla evidência” e sublinha que a Comissão Europeia “ainda não iniciou qualquer processos de infração contra a Lituânia”, quando este país violou “flagrantemente as leis internacionais” e da União Europeia.

A União Europeia permitiu o desenvolvimento de um sistema de dois níveis nos últimos meses. Enquanto os cidadãos ucranianos recebem proteção na UE e são tratados com a compaixão que merecem, as pessoas que fogem de outros países são trancadas e enfrentam inúmeras barreiras dentro de um sistema vergonhosamente manchado pelo racismo e outras formas de discriminação”, acusa a Amnistia Internacional.

Por outro lado, os agentes da Frontex têm prestado assistência aos guardas fronteiriços lituanos, colaborando tacitamente com a violação dos Direitos Humanos, refere a organização.

Em relação à Lituânia, a organização de defesa de Direitos Humanos insta as autoridades a “libertar imediatamente” todas as pessoas que ainda se encontram detidas sob regime de “acomodação temporária”.

Devem também garantir “acesso a procedimentos de asilo justos, fornecer compensação por todos os danos físicos e mentais sofridos” e ainda “investigar o tratamento abusivo” que ocorreu no último ano. Por fim, os legisladores nacionais devem revogar “toda a legislação prejudicial” adotada que permitiu a detenção ilegal dos migrantes e refugiados.
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