Ratificação de tratado de fronteiras com Austrália é "dever cumprido" - Xanana Gusmão
Díli, 23 jul 2019 (Lusa) -- O líder histórico da resistência timorense Xanana Gusmão disse hoje que a ratificação do tratado de fronteiras marítimas com a Austrália é o seu "último dever cumprido", em nome "dos heróis que morreram" na luta pela independência de Timor-Leste.
"Não é o meu legado. É o meu último dever cumprido. Também fazia parte da luta em que estive. Em que vi gente a morrer sob os meus olhos. Isto é apenas a continuação da luta", disse Xanana Gusmão. em declarações à Lusa em Díli.
"Acabou, acabou. Estou mais liberto politicamente, moralmente, para dizer aos heróis que ganhei. Os heróis são os que morreram e é a esses heróis que ainda devo", afirmou.
O líder histórico da resistência timorense falava à Lusa à margem da ratificação hoje no Parlamento Nacional timorense do tratado que delimita as fronteiras marítimas permanentes entre Timor-Leste e a Austrália, documento que ele próprio negociou.
Questionado sobre o significado do dia de hoje, Xanana Gusmão insistiu em recordar a memória dos muitos que lutaram para defender a independência de Timor-Leste, conquistada no referendo de 30 de agosto de 1999.
"Este sentimento anda comigo e nunca pode separar-se de mim. Vi crianças, mulheres, homens, jovens a morrerem à minha frente. Isso é que me move. Isso é que me dá coragem e me sustenta a determinação de fazer", afirmou.
Uma determinação, explicou, que nasceu da raiva que cresceu em si quando via a Austrália a negociar com a Indonésia sobre os recursos do Mar de Timor, enquanto em Timor-Leste continuavam a morrer pessoas.
"Este tratado é muito importante. Segui a política do Governo australiano desde o mato. Eu tinha um aparelho de rádio que seguia o mundo. E acompanhei as negociações da Austrália e Indonésia sobre o Tratado de Timor Gap. E sempre denunciei isto", recordou.
"Pior ainda quando ouvia isso e depois aqui, as pessoas passavam e diziam-me: morreu mais um, morreu mais alguém ali. Isso enfurecia-me e a raiva transformou-se em determinação de virar isto. E por isso, nunca saiu da minha mente conseguir isso", afirmou.
A primeira oportunidade de agir, seriamente, ocorreu quando assumiu as funções de primeiro-ministro em 2007, permitindo começar a preparar um "longo processo" que culminaria na assinatura, em 2018, de um tratado permanente de fronteiras com a Austrália.
O objetivo é que o tratado, que deve ser ratificado pelo parlamento australiano nas próximas semanas, entre formalmente em vigor a 30 de agosto.
Para isso é ainda necessário que o Presidente da República promulgue um conjunto de alterações legislativas e a resolução de ratificação, aprovadas hoje no parlamento, onde a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), votou contra.
Falando ainda da votação final, Xanana Gusmão ainda se mostrou esperançado que os deputados da oposição poderiam dar o seu voto a favor da resolução do tratado, mesmo depois de terem votado contra as emendas legislativas.
"Fazer uso da democracia é o direito de todos e não o podemos negar. Mas noutros parlamentos, quando se chega ao momento exato, normalmente as pessoas reagem com bom senso", disse.
A Fretilin acabou por votar contra.