Regiões tropicais podem tornar-se inabitáveis com o aquecimento global

por Inês Moreira Santos - RTP
Pascal Rossignol - Reuters

Os trópicos podem tornar-se inabitáveis para o ser humano se não conseguirmos limitar o aquecimento global a 1,5 graus centígrados, alertam os cientistas. Cumprir as metas climáticas mundiais pode evitar que as populações das regiões tropicais enfrentem episódios de "calor insuportável".

"O calor extremo, em consequêcia do aquecimento global, é uma questão preocupante para a crescente população tropical", alerta um novo estudo.

As regiões tropicais do planeta podem atingir ou mesmo exceder os limites suportados pela vida humana, devido às alterações climáticas. O aumento do calor e da humidade ameaçam, assim, submeter grande parte da população mundial a condições potencialmente letais.

Se não conseguirmos limitar o aquecimento global a 1,5 graus centígrados , as faixas tropicais que se estendem em ambos os lados do equador correm o risco de se transformar num novo ambiente que atingirá "os limite da habitabilidade humana", adverte o estudo publicado, esta segunda-feira, na Nature Geoscience.

Desenvolvido pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, este estudo sublinha que a capacidade de o ser humano "arrefecer" o seu corpo depende de certas condições de temperatura e humidade do ar.

Como explicam os cientistas, há um limite de sobrevivência além do qual uma pessoa já não consegue regular a sua temperatura corporal com eficácia. Esse limite é excedido quando o denominado termómetro de bulbo húmido (WBGT) indica que a temperatura e a humidade do ar ultrapassam os 35 graus centígrados.

Isto é, temos uma temperatura corporal que permanece relativamente estável a 37 graus, enquanto a nossa pele é mais fria para permitir que o calor flua.

Mas se a temperatura do bulbo húmido exceder os 35 graus, o corpo torna-se incapaz de se arrefecer a si próprio, o que acarreta consequências potencialmente mortais.

"Se estiver demasiado húmido, o nosso corpo não consegue arrefecer evaporando o suor – é por isso que a humidade é importante quando consideramos a habitabilidade num local quente", disse ao Guardian Yi Zhang, um investigador da Universidade de Princeton que conduziu o novo estudo.
"As altas temperaturas são perigosas ou mesmo letais", acrescentou.
Nesse sentido, os especialistas concluiram que o aumento da temperatura tem de ser limitado a 1,5 graus para evitar que as regiões dos trópicos ultrapassem os 35 graus na temperatura do bulbo húmido.

Considerando o atual contexto de aquecimento global, os autores alertam que estas regiões podem experimentar "eventos de calor extremo" nos próximos anos que podem exceder esse "limite de segurança".
Cumprir metas climáticas é solução

As condições perigosas e "intoleráveis" nos trópicos podem acontecer ainda antes do limiar dos 1,5 graus.

De facto, o mundo já aqueceu, em média, cerca de 1,1 graus centígrados nos últimos anos, e embora os governos tenham prometido no acordo climático de Paris manter as temperaturas a 1,5 graus, os cientistas têm alertado que este limite pode ser ultrapassado dentro de uma década.

Isto tem implicações potencialmente negativas para milhões de pessoas - cerca de 40 por cento da população mundial vive, atualmente, em países tropicais, sendo que esta proporção deverá aumentar para metade da população mundial até 2050.

Através de simulações e observações de modelos numéricos, a equipa de investigação liderada pelo especialista Yi Zhang analisou como futuros aumentos de temperatura podem afetar os limites do WBGT.

"Pode-se pensar neste termómetro do bulbo húmido como uma imitação do processo de arrefecimento da pele humana através da evaporação do suor - é por isso que é relevante para o stress térmico dos nossos corpos", explicou Zhang.

"Quanto mais seco for o ambiente, mais eficaz é a evaporação e menor a temperatura do bulbo húmido", disse Zhang. "A maioria de nós pode dizer por experiência própria que um dia quente e húmido parece mais quente do que um dia igualmente quente, mas seco".

A investigação de Princeton centrou-se em nas regiões tropicais em latitudes entre 20 graus a norte do Equador, uma linha que corta o México, Líbia e Índia, até 20 graus a sul, que passa pelo Brasil, Madagascar e o norte da Austrália.

"Os trópicos são os lugares mais quentes e húmidos da Terra e, portanto, potencialmente vulneráveis ao calor húmido", explicou ainda o investigador ao Independent. "Descobrimos que 1.ºC do aquecimento médio tropical corresponde a cerca de 1.ºC do aumento máximo anual da temperatura de bulbo húmido".

Este estudo revela, assim, que certas dinâmicas atmosféricas "relativamente simples" controlam a temperatura máxima de bulbo húmido nos trópicos e sugerem que aumenta aproximadamente na mesma taxa que a temperatura média nessas regiões.

Por isso, os especialistas acreditam que os trópicos podem não ter de enfrentar episódios de "calor extremo", que "ultrapassem o limite da sobrevivência humana", se for possível manter a elevação da temperatura abaixo de 1,5 graus.

No entanto, também especificam que mesmo um pequeno aumento nessa temperatura pode ter "consequências graves" para a saúde.

Mojtaba Sadegh, especialista em riscos climáticos da Boise State University, disse que o estudo representa "um ótimo trabalho" ao analisar como é que o aumento das temperaturas "pode ​​tornar regiões dos trópicos inabitáveis, ​​na ausência de investimentos consideráveis ​​em infraestruturas".

"Se esses limites forem ultrapassados, infraestruturas como abrigos de ar fresco serão absolutamente necessárias para a sobrevivência humana", explicou Sadegh ao Guardian. "Considerando que grande parte da área impactada são países sub-desenvolvidos e pobres, fornecer a infraestruturas necessárias será um desafio".

"Teoricamente, nenhum ser humano pode tolerar uma temperatura de bulbo húmido acima dos 35 graus, por muita água que beba".
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