Regresso a Sambassilate, na Guiné-Bissau, 40 anos depois do massacre
Quarenta anos depois de ter partido de Sambassilate, às costas da avó, fugindo aos bombardeamentos das tropas portuguesas, Salvador Gomes voltou à sua aldeia levado pela campanha da segunda volta das presidenciais de domingo na Guiné-Bissau.
Localidade perdida nas matas do Leste da Guiné-Bissau, próxima da cidade comercial de Gabu (a 200 quilómetros da capital, Bissau), Sambassilate foi palco de uma autêntica carnificina durante a guerra colonial (1963/74) que opôs o exército português aos guerrilheiros do Partido Africano para a Independência da Guiné-Cabo Verde (PAIGC).
Salvador Gomes, actualmente director da Agência Noticiosa da Guiné (ANG) e correspondente da BBC não se recorda da "matança", porque na altura só tinha dois anos.
Todavia, pelo que lhe contaram familiares, afirma que "foi uma autêntica chacina". Explica que a tropa colonial portuguesa suspeitava que a aldeia servia de refúgio aos "turras", elementos da guerrilha.
Por isso, o exército colonial português apareceu por ali e disparou contra tudo o que mexia, já que "todos eram terroristas".
Por acaso do destino, o jornalista voltou quarta-feira, à sua terra natal. No encalço do candidato independente "Nino" Vieira, que se deslocou àquelas bandas em campanha eleitoral, Salvador Gomes foi lá parar.
Sem conhecer os trilhos que vão dar à sua aldeia, o jornalista perguntou a um transeunte para onde ia a picada em que seguia a caravana de "Nino" Vieira. A resposta foi "para Sambassilate".
Os olhos de Salvador Gomes ficaram mais brilhantes.
"É a terra onde nasci e de onde saí aos dois anos, fugindo dos bombardeamentos da tropa colonial portuguesa", conta aos outros jornalistas.
Já em Sambassilate, maioritariamente habitada por indivíduos das etnias balanta e papel, a que pertence Salvador Gomes, "Nino" Vieira acompanhado de Kumba Ialá são recebido em festa.
Cai uma chuva miudinha, mas, mesmo assim, os poucos habitantes saem a terreiro para ouvir os dois políticos, antes desavindos e agora unidos numa acção de campanha a favor do velho general, na reserva desde 1994.
Kumba Ialá faz um discurso acutilante, contra tudo e contra todos, desde o colonialismo, os fascistas e os corruptos. "Nino" Vieira, cauteloso, limita-se a apelar ao voto em si, prometendo "mudar" Sambassilate.
Depois, lembra-se da "matança" de 1965, "só" porque os habitantes de Sambassilate também defendiam os ideais da independência, proclamou.
"A tropa colonial matou as gentes de Sambassilate só porque estas almejavam a independência da sua terra. Portugal foi colónia de Espanha, durante mais de 60 anos, mas nunca houve matança igual dos colonos espanhóis no território português", zurziu "Nino" Vieira, pouco preocupado com rigores históricos.
Enquanto se ouviam os discursos, Salvador Gomes bem se esforçou por descortinar algum vestígio do seu passado nestas paragens.
"É estranho e nostálgico o que sinto. Saí daqui muito pequenino, mas sinto que já cá vivi", comenta.
Salvador Gomes pede depois a um repórter que lhe tire uma fotografia com um grupo de jovens, que se dispõem a posar desconhecendo que tinham consigo um conterrâneo que, embora viva hoje na grande urbe de Bissau, nasceu nesta localidade em 1964.
Já no regresso a Gabu, Salvador Gomes não deixa de pensar no reencontro com Sambassilate e faz uma promessa: um destes dias voltará com os filhos à terra que o viu nascer.