Reintrodução de bisontes tenta salvar Espanha dos incêndios

por RTP
Bisontes reintroduzidos para tarefas sapadoras em áreas florestais de Espanha Fernando Móran

Extinguiram-se há 10 mil anos na Península Ibérica mas estão agora a ser reintroduzidos em Espanha como arma contra os fogos que se agravam a cada ano. A experiência dura há uma década e tem sido um sucesso mas também esbarra em detratores e na falta de apoios oficiais.

Os bisontes europeus pesam até uma tonelada e comem até 30 quilos de vegetação num só dia, 30 por cento da qual troncos e os restantes 70 por cento rebentos e folhas.

São “aparadores vivos”, descreveu Fernando Morán, veterinário e diretor do Centro de Conservação do Bisonte Europeu em Espanha.A espécie “proporciona biodiversidade imediata”, refere Móran, ao explicar as vantagens de reintroduzir os bisontes no país. “Abre os locais mais densos da floresta o que deixa entrar luz e faz crescer erva em vez de mato, o qual diminui o risco de incêndio e, por seu lado, beneficia inúmeras espécies através de alimento e liberdade de movimentos”, revelou.

O aumento da temperatura nos meses de verão significa cada vez mais uma época de incêndios florestais intensos.

Só em Espanha, na última década arderam 714.000 hectares de floresta. Estimativas oficiais apontam a destruição pelo fogo de 45 mil hectares em 2020 e de 60 mil em 2019.

E multiplicam-se os sinais de que, tal como na Austrália e na Califórnia, os incêndios estão a aumentar de frequência e de intensidade em Espanha.

Fatores como as alterações climáticas e o desaparecimento das populações rurais ajudam a explicar o fenómeno, afirmou Mónica Parrilla, diretora da campanha da Greenpeace para os fogos florestais, ao The Guardian.

O declínio da pastorícia, sobretudo de rebanhos de ovelhas, também tem um impacto significativo, ao deixar o país sem animais que limpam a vegetação que alimenta os fogos.
Uma década de bons resultados e de desânimo
A reintrodução dos bisontes visa colmatar a falha dos rebanhos e, afirma Móran, 10 anos de experiência confirmam a boa aposta.

O veterinário afirmou ao jornal britânico que os engenheiros silvicultores ficaram agradavelmente impressionados pelo primeiro projeto iniciado em 2010, quando sete bisontes foram largados em 20 hectares de mata de carvalhos. Os bisontes fizeram o trabalho dos sapadores, ao limpar a vegetação rasteira, ignorando mesmo os rebentos mais eretos enquanto comiam os outros, talvez por estes serem mais fáceis de alcançar.

Limpezas deste tipo custam cerca de 3.000 euros por hectare e os bisontes fazem-no de graça, sublinhou. Atualmente há 18 centros de criação de bisontes em Espanha e nos últimos 10 anos o seu número cresceu de 22 para 150, apesar da falta de apoios governamentais. Uma vez que a espécie desapareceu há milhares de anos, o programa não pode receber financiamentos de defesa de espécie protegida.

Além da falta de apoios, há também quem conteste a reintrodução dos bisontes, em detrimento de outros herbívoros.

“A pastorícia é vital para a gestão florestal”, explicou Parrilla. “O papel do bisonte pode ser interessante mas devíamos fazer mais, para ajudar as espécies nativas que são vitais para o ecossistema e para educar as pessoas sobre a importância das áreas florestadas para a nossa própria sobrevivência”.

Também Sonia Roig Gómez, professora de silvicultura e ambiente na Universidade Politécnica de Madrid, refere que era a intervenção humana, particularmente através da pastorícia, que até recentemente minimizava os riscos de incêndio.

No Mediterrâneo, os rebanhos têm sido a chave para o desenvolvimento paisagístico”, referiu. “As espécies emergiram como uma adaptação aos pastos e o seu declínio tem levado a mais incêndios”, defendeu.
A reintroduçáo dos bisontes europeus em Espanha não agrada a todos Foto: Yvonne KempRecuperar o nicho
Também o despovoamento tem desempenhado um papel. Desde os anos 50 do século passado, a emigração das zonas rurais para as áreas urbanas deixou ao abandono os terrenos, transformados em zonas de mato altamente inflamáveis.

A pandemia de Covid-19 tem provocado uma ligeira inversão migratória, mas Roig lembrou que, se for para as pessoas ficarem sentadas frente a um computador rodeadas de vegetação, isso não serve de nada. “O que é necessário são pessoas que queiram trabalhar na agricultura, particularmente na criação de ovelhas”, afirmou ao jornal britânico. A ambientalista também está preocupada com a reintrodução de animais de tão grande porte na natureza, sem predadores, mesmo se os bisontes, agora considerados espécie não indígena, têm de ficar confinado a quintas privadas ou parques naturais. Os animais não podem ser deixados em liberdade e têm de ter donos registados que se responsabilizem por eles.

Móran mostrou-se confiante no futuro, mesmo se os projetos dependem unicamente de doações e da adesão de particulares.

“Estamos a encorajar e a ajudar os donos das terras a desenvolver projetos com os bisontes porque é bom para o país e também poupa dinheiro, além de encorajar o ecoturismo”, argumentou.

Quanto à falta de competidores apontada por Roig, o veterinário acredita que os bisontes irão simplesmente recuperar o nicho que ocuparam ao longo de milhões de anos.

Os bisontes europeus encontravam-se por todo o continente até que os últimos em estado selvagem foram abatidos na Polónia, em 1919, e na Rússia, em 1927. Meia centena sobreviveu em cativeiro e todos os 8.400 animais atualmente existentes na Europa descendem de apenas 12 desses.

Fósseis e pinturas rupestres indicam que os bisontes vaguearam na Península Ibérica ao longo de cerca de 1,2 milhões de anos, antes de se extinguirem.
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