Relatório: Biodiversidade do Ártico diminui drasticamente devido às alterações climáticas

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

O Conselho do Ártico divulgou, esta quinta-feira, um estudo que conclui que a temperatura no Ártico está a aumentar três vezes mais depressa do que no resto do planeta. Mas a situação é pior, segundo um outro relatório científico, divulgado no mesmo dia, que revela uma queda drástica nas populações de renas e de aves marinhas desta região polar, em consequência das alterações climáticas e do aquecimento nesta zona.

A zona gelada do Ártico é das zonas do planeta mais afetadas pelo aumento da temperatura. É a conclusão do Programa de Vigilância e Avaliação do Ártico, revelada esta quinta-feira na capital da Islândia, Reiqueiavique, numa reunião ministerial do Conselho do Ártico.

Mas as razões para alarme não ficam por aqui.

O Ártico é composto por grandes áreas terrestres com "diversos ecossistemas que sustentam uma biodiversidade importante e única". Com aproximadamente sete milhões de quilómetros quadrados, dos quais menos da metade tem vegetação e quase um terço é coberto por gelo, os ecossistemas terrestres do Ártico diferem da maioria dos outros ecossistemas terrestres devido ao frio extremo, aos ventos fortes e à escuridão sazonal prolongada.

As espécies que vivem neste ambiente adaptaram-se para sobreviver e prosperar nestas condições adversas. Mas as alterações climática estão a alterar estas estratégias de sobrevivência, de acordo com o relatório do Estado da Biodiversidade Terrestre do Ártico, publicado pelo grupo de trabalho Conservação da Flora e Fauna Ártica (Caff) do conselho.

"As alterações climáticas são o principal fator de mudança nos ecossistemas terrestres do Ártico, provocando impactos diversos, imprevisíveis e significativos que vão intensificar-se", lê-se no relatório.

A investigação, através da monitorização remota, concluiu que aumentou o crescimento da vegetação e, paralelamente, registou-se um crescimento de espécies de plantas exóticas na região - o que prova os efeitos do aquecimento global.

"Plantas, insetos, pássaros e mamíferos terrestres do Ártico estão a ser afetados pelos efeitos abrangentes e diversos das alterações climáticas", afirmam os investigadores. "O aparecimento de eventos climáticos diferentes, a alteração nos habitats e a introdução de novos predadores e potencialmente novas doenças são apenas alguns dos impactos".



O facto de esta região estar a aquecer mais depressa que o resto do planeta, está a provocar eventos climáticos extremos, a migração de espécies de regiões mais a sul e ainda o apareciento e a disseminação de agentes patogénicos entre as espécies nativas.
Ártico "mais verde"

Este relatório baseia-se em décadas de monitorização da biodiversidade da região polar ártica e concluiu que o Ártico está a tornar-se "mais verde" e que os arbustos estão a conquistar terreno, antigamente gelado e húmido, substituindo musgos e líquenes na tundra (tundra ártica é um bioma no qual, com as baixas temperaturas, é dificil desenvolver árvores e vegetação maior).

As mudanças na frequência, na intensidade e na duração de algumas condições climatéricas extremas e incomuns, devido às alterações climáticas, estão a afetar algumas espécies, com efeitos ainda desconhecidos nas populações.

"Apesar da distância do Ártico, os ecossistemas e as espécies nativas estão cada vez mais ameaçadas dentro e fora das latitudes do norte", lê-se no relatório, que acrescenta que a "situação única no Ártico (por exemplo, sendo relativamente primitivo e com poucas espécies nativas) torna-o especialmente vulnerável a espécies exóticas invasoras".

O estudo, divulgado esta quinta-feira, revela que as espécies dos ecossistemas do sul estão a dirigir-se para o Ártico e começam a "empurrar as espécies do Ártico para o norte", criando uma espécie de "aperto no Ártico" e alterando ainda as interações entre espécies.

Os cientistas do nordeste da Gronelândia descobriram, por exemplo, que uma espécie de moscas polinizadoras importantes na região diminuíu 80 por cento entre 1996 e 2014 - consequência de uma incompatibilidade induzida pelo clima no período de florescimento das plantas e o período de atividade dos polinizadores.

Das 88 espécies de aves limícolas e marinhas analisadas para este estudo, 20 por cento registaram um declínio das suas populações.

"Na tundra ártica, as aves limícolas são o grupo de aves mais diverso", explicou ao Guardian o biólogo da Environment and Climate Change Canada e especialista em pássaros, Paul Allen Smith.

Estima-se que, em diferentes cenários climáticos, 80 por cento das aves limícolas da região alta do Ártico podem perder grande parte dos seus habitats nos próximos 50 anos.
Populações de renas em declínio
Mas, quando os cientistas analisaram as populações de renas, que costumavam ter rebanhos desde a Rússia ao Alasca, foram mais evidentes os sinais de que estes mamíferos estão a ser afetados pela crise climática.

"As populações de renas flutuam naturalmente e têm ciclos de abundância", explicou Christine Cuyler, consultora do Instituto de Recursos Naturais da Groenlândia e especialista em renas e bois-almiscarados. "Mas para alguns a amplitude aumentou. Hoje, vemos flutuações para lá dos níveis históricos conhecidos".

A maioria das populações migratórias da floresta ártica diminuiu nos últimos anos, com poucas exceções. O rebanho de renas de Bathurst, que vai dos Territórios do Noroeste do Canadá a Nunavut, caiu 98 por cento entre 1986 e 2018.

Segundo Cuyler, há vários fatores associados, incluindo diminuição da disponibilidade de alimentos, chuva fora de época e mais insetos, e fatores que impeçam estes mamíferos de ganhar peso suficiente para sobreviver ao inverno.

"Os ecossistemas sempre mudaram, mas o ritmo, a magnitude e o impacto das alterações climáticas na biodiversidade podem levar os ecossistemas para além dos limites históricos", explica o relatório.

Mas foi ainda observado outro problema derivado das alterações climáticas: o aparecimento de patógenos que afetam negativamente a saúde de alguns animais.

Em 2012, um surto de erisipela, uma infecção bacteriana que afeta a pele, matou cerca de 150 bois-almiscarados na Ilha Banks, nos Territórios do Noroeste.

"[A bactéria] é comum em todo o mundo, mas não é normal que apareça no Ártico",
expliou Cuyler. "Normalmente está inativa por causa das baixas temperaturas. O aquecimento do Ártico está realmente a mudar as coisas".

Além disso, os mamíferos que começam a migrar para as regiões nórdicas, para fugir às temperaturas mais altas, também podem trazer novas doenças e parasitas que venham a afetar as espécies nativas.

Estes migrantes, aponta o relatório, estão a alterar as interações predador-presa no Ártico. As raposas vermelhas são conhecidas por competir pelas mesmas tocas que as raposas árticas e até mesmo por matá-las. No Alasca, os ursos-pardos estão a matar as crias dos bois-almiscarados.

"Isto é algo totalmente novo" que só foi visto nos últimos 20 anos, disse Cuyler. "E é devastador".

"O tamanho e as características dos ecossistemas árticos torna-os decisivamente importante para o equilíbrio biológico, químico e físico dos ecossistemas à escala global. Ao mesmo tempo, os impactos exteriores ao Ártico podem afetar a biodiversidade da região nórdica", justifica o documento.

À medida que a região ártica vai aquecendo e as espécies migrando, a zona terrestre do Ártico vai diminuindo.

"Eventos extremos - clima, incêndios florestais e surtos de insetos - vão deixar marca durante vários anos num sistema como o Ártico", escreveu no relatório Niels Martin Schmidt, investigador da Universidade de Aarhus, "porque tudo demora a regenerar".

"Precisamos de perceber como é que as espécies estão a interagir para entender completamente as consequências das alterações climáticas na perda de biodiversidade".
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