Relatório da ONU. Vários países fazem pressão para mudar recomendações sobre alterações do clima

por RTP
Siphiwe Sibeko - Reuters

Em causa estão os argumentos dos grandes produtores e exportadores de petróleo e carvão como Arábia Saudita ou Austrália. Exigem que sejam retiradas frases do documento que apontam o fecho das centrais produtoras de eletricidade à base de combustíveis fósseis, como principal recomendação para a redução de emissões de CO2.

Uma equipa de jornalistas de investigação do Greenpeace teve acesso à versão preliminar do documento produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas da ONU (PIAC).

Estes "relatórios de avaliação" são elaborados a cada seis a sete anos e fazem o ponto da situação do clima, reúnem evidências científicas e estabelecem novos caminhos e objetivos para minimizar os impactos ambientais.

Associado a este relatório estão também os comentários dos governos de vários países referentes às medidas para enfrentar a mudança climática, agora divulgados na comunicação social.

As observações dos executivos à versão preliminar do relatório são concebidas para serem construtivas e contribuir para qualidade do relatório final.
Combustíveis fósseisArábia Saudita, o Japão e a Austrália estão entre os países que pedem à ONU para alterar o texto sobre a necessidade da redução imediata dos combustíveis fósseis.

Esta pressão pode fragilizar a Conferência sobre o Clima, Cop26, que começa dentro de dias em Glasgow, na Escócia.

Do Ministério do Petróleo saudita lê-se a exigência para que "frases como 'a necessidade de ações urgentes e aceleradas de mitigação em todas as escalas ...' sejam eliminadas do relatório".

O governo australiano rejeita a conclusão do PIAC de que fechar centrais termelétricas a carvão é necessário. Este comentário colide com um dos objetivos da conferência COP26 para conter o aumento da temperatura do planeta em 1,5 grau.

Um cientista do Instituto Central de Investigação de Mineração e Combustível da Índia, com fortes ligações ao governo indiano, adverte que o carvão provavelmente continuará a ser a base da produção de energia durante muito tempo. O cientista indiano acrescenta que será a única maneira de fornecer eletricidade acessível.

A organização de nações produtoras de petróleo, Opep, apoiam a continuidade de produção e armazenamento do recurso petrolífero utilizando a tecnologia de "recuperação aprimorada de petróleo".

A Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, pede aos cientistas da ONU que excluam das conclusões o excerto: "o foco dos esforços de descarbonização no setor de sistemas de energia deve ser a rápida mudança para fontes de carbono zero e a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis".

Abordada sobre os comentários ao relatório preliminar, a Opep disse à BBC: "O desafio para lidar com as emissões tem muitos caminhos, como evidenciado pelo relatório do PIAC, e precisamos explorar todos eles. Precisamos utilizar todas as energias disponíveis, também como soluções tecnológicas limpas e mais eficientes para ajudar a reduzir as emissões, garantindo que ninguém seja deixado para trás. "
Dinheiro para países mais pobresOs comentários vindo da Suíça pretendem alterar partes do relatório que dizem respeito aos países em desenvolvimento. O documento afirma que os países mais pobres irão precisar de apoio, principalmente financeiro, dos países ricos para cumprir as metas de redução de emissões.

Na conferência do clima em Copenhague em 2009, foi acordado que as nações desenvolvidas forneceriam 86 mil milhões de euros por ano em financiamento climático para os países em desenvolvimento até 2020, uma meta que ainda não foi atingida.

A Austrália alia-se à Suiça sublinhando que tem que se encontrar outras ferramentas para ajudar os países mais pobres.
Energia NuclearVários países da Europa Oriental argumentam que o relatório da IPCC deve ter uma visão mais positiva sobre o papel que a energia nuclear pode desempenhar no cumprimento das metas climáticas da ONU.

A Índia acrescenta que "quase todos os capítulos contêm um viés contra a energia nuclear", e relembra que é uma "tecnologia estabelecida" com "bom respaldo político, exceto em alguns países".
Menos consumo de carneBrasil e Argentina estão contra as evidências apresentadas no documento de que a redução do consumo de carne é necessária para diminuir as emissões de gases de efeito estufa.

Os dois maiores produtores de carne bovina e ração animal pedem que se exclua do texto, os excertos que referem que "dietas à base de vegetais" desempenham um papel no combate às mudanças climáticas, ou que descrevem a carne bovina como um alimento de "alto teor de carbono".

O Brasil afirma que "as dietas vegetais não garantem por si mesmas a redução ou o controlo das emissões relacionadas" e defende que o foco do debate deve ser sobre os níveis de emissões dos diferentes sistemas de produção, e não sobre os tipos de alimentos.

O Brasil, que regista aumentos significativos de áreas desflorestadas na Amazônia, também contesta essas referências alegando que estão incorretas.


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