Relatório da WWF. Portugal reduziu pegada ecológica mas tem de mudar hábitos de consumo

por Andreia Martins - RTP
O carbono constitui a principal fatia na pegada ecológica de Portugal. As energias renováveis reduziram ligeiramente essa percentagem nos últimos 14 anos José Manuel Ribeiro - Reuters

O relatório “Planeta Vivo” divulgado esta terça-feira pela WWF, coloca Portugal no 66º lugar a nível mundial quanto à pegada ecológica do país. Os resultados apontam para uma evolução positiva, mas os portugueses continuam a ter de mudar para um estilo de vida mais sustentável, alertam os especialistas. A nível mundial, a organização ambientalista alerta que a Terra perdeu 60% da vida animal selvagem em 44 anos.

A atividade humana e os hábitos de consumo estão a conduzir o planeta “à beira do abismo”. A conclusão é apresentada esta terça-feira no relatório bienal “Planeta Vivo”(Living Planet Report - 2018: Aiming Higher) da organização ambientalista WWF com a Sociedade Zoológica de Londres (ZSL).
O relatório bienal referente a 2012 foi divulgado em 2016 pela WWF. Já o documento hoje divulgado faz a análise dos dados até 2014. Nesses dois anos, Portugal subiu sete lugares na pegada ecológica

No caso de Portugal, regista-se uma subida de sete lugares em termos de pegada ecológica per capita entre 2012 e 2014. O carbono continua a ocupar a fatia mais significativa (57 por cento). No entanto, esta foi igualmente a componente que mais diminuiu nos últimos 14 anos, fruto da aposta nas energias renováveis. Em 2004, o carbono correspondia a 63% do valor total da pegada ecológica.  

Ainda assim, de acordo com este documento, os portugueses precisariam de 2,19 planetas para manter o atual estilo de vida, ainda que a pegada ecológica tenha diminuído nos últimos anos como possível consequência “da crise económica que atingiu Portugal nesses anos”.  

Destaca ainda que Portugal sempre teve uma pegada ecológica “muito elevada comparativamente com a biocapacidade do país, que se tem mantido mais ou menos constante desde 1961”. A biocapacidade diz respeito à capacidade biológica de um país para produzir os recursos naturais consumidos pela população e de absorver os resíduos gerados pela mesma.  

“A ligeira descida da pegada ecológica dos portugueses foi reflexo da crise económica, que criou uma oportunidade para os portugueses terem comportamentos mais amigos do ambiente. Agora é necessário continuar com um estilo de vida que tem menor impacto no Planeta fora de situações de crise”, sublinha Ângela Morgado, diretora executiva da Associação Natureza Portugal, grupo que trabalha em associação com a WWF.  

A responsável diz ainda que “está na altura de mudar” e que “os portugueses têm de ter um estilo de vida mais sustentável sob pena de se verem afetados não por uma crise económica, mas por uma crise ecológica sem precedentes que põe em risco a sua vida, a dos seus filhos e netos”. 
Um acordo global para a natureza

A nível mundial, os resultados mostram um quadro “perturbador”, com a atividade humana a deixar os ecossistemas que sustentam a Terra “à beira do abismo”, como refere Marco Lambertini, diretor-geral da WWF Internacional, no relatório divulgado esta terça-feira.

O relatório baseia-se na monitorização de 16.700 populações, num total de 4.000 espécies. O índice de extinção mostra uma forte aceleração para cinco grandes grupos: aves, mamíferos, anfíbios, corais e cicas (uma das plantas mais antigas do mundo).
Segundo o documento, as populações globais de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis diminuíram em média 60 por cento entre os anos de 1970 e 2014. As principais ameaças às espécies estão diretamente ligadas à atividade humana, incluindo perda e degradação de habitats e sobre-exploração da vida selvagem. O valor foi calculado com o Índice Planeta Vivo (IPL), que acompanha as tendências de abundância global de vida selvagem.  

O relatório destaca também a importância dos polinizadores, responsáveis por 245 a 577 mil milhões de dólares em produção agrícola por ano. Um clima em mudança, a existência de práticas agrícolas intensivas, as espécies invasoras e as doenças emergentes na natureza têm impacto na abundância desta produção, na sua diversidade e na própria saúde humana.  

“Dos rios e florestas, a zonas costeiras e montanhas, o Relatório mostra que a vida selvagem diminuiu drasticamente (…). As estatísticas são assustadoras, pois dependemos da natureza para nos alimentarmos, vestirmos e subsistirmos. Precisamos de criar um novo caminho que nos permita coexistir de forma sustentável com a natureza da qual dependemos. Vamos precisar da ação de todos”, refere a responsável portuguesa Ângela Morgado.

Por sua vez, o diretor-geral da WWF refere que “a natureza tem sustentado e alimentado silenciosamente as nossas sociedades e economias há séculos, e continua a fazê-lo hoje”. Em troca, refere, o mundo continuou a considerá-la “como algo natural”, descartando qualquer ação contra as perdas aceleradas das últimas décadas.

“É hora de percebermos que um futuro saudável e sustentável para todos só é possível num planeta onde a natureza prospera e as florestas, os oceanos e os rios estão cheios de biodiversidade e de vida”, acrescenta Marco Lambertini.

Um dos exemplos mais preocupantes é o da Amazónia. Quase 20 por cento da floresta desapareceu em 50 anos. O cenário repete-se em várias florestas tropicais do mundo, pressionadas pela exploração das indústrias de soja, óleo de palma e pecuária. Entre 2000 e 2014, o mundo perdeu 920 mil quilómetros quadrados, uma área equivalente ao território francês e alemão juntos.

O responsável refere ainda que “preservar a natureza não é só proteger os tigres, as baleias”. Ainda que essa ação seja importante, o diretor-geral da WWF diz que é necessária uma ação “muito mais ampla”.  

Em entrevista à agência France Presse, Marco Lambertini alertou para a necessidade de um “acordo mundial para salvar a natureza”.  

“Como em Paris, para o clima, devemos mostrar quais são os riscos para o ser humano com a perda da natureza. Nos próximos 12 meses vamos definir um objetivo claro com empresas, governos, organizações não-governamentais e investigadores, que será equivalente ao objetivo 1,5°C/2°C do clima. Sem este ponto, não teremos atenção suficiente”, destacou o responsável. 

Lambertini sublinhou ainda à agência France Presse que será necessária “uma revolução cultural que valorize realmente a natureza e lhe dê, literalmente, um valor”, alertando para os perigos de uma “desconexão com a natureza”. “A humanidade está a minar os ecossistemas que nos permitem viver desde que estamos na Terra, e esses ecossistemas estão a desmoronar-se”, apontou.  
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