Relatório EUA. Príncipe herdeiro da Arábia Saudita aprovou assassínio de Jamal Khashoggi

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Khashoggi, de 59 anos, era residente nos EUA e cronista do jornal The Washington Post Sarah Silbiger - Reuters

O há muito aguardado relatório dos serviços secretos dos EUA sobre a morte Jamal Khashoggi, em 2018, foi publicado na sexta-feira e acusa o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed Bin Salman, de ter aprovado a morte do jornalista saudita. Riade rejeita "totalmente" as conclusões do relatório, considerando-as "falsas". Por sua vez, em Washington, vários responsáveis norte-americanos exigem sanções ao príncipe herdeiro e à Arábia Saudita, apelando à adoção de uma estratégia mais dura do que a perpetrada pela administração Trump.

Chegamos à conclusão de que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita validou uma operação em Istambul para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi”, escreve a direção da Agência Central de Informação (CIA) num pequeno documento de quatro páginas revelado esta sexta-feira.

“O príncipe herdeiro considerou Khashoggi como uma ameaça para o Reino e apoiou totalmente o uso de medidas violentas, se necessárias, para o silenciar”, acrescenta o documento.

A conclusão do relatório era amplamente esperada, uma vez que vários funcionários da CIA tinham chegado a esse entendimento logo após o brutal assassínio de Khashoggi, a 2 de outubro de 2018. Khashoggi, de 59 anos, era residente nos EUA e cronista do jornal The Washington Post. O jornalista saudita era crítico da consolidação autoritária do poder do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. Foi assassinado no consulado do seu país em Istambul (Turquia) por agentes sauditas.

“Desde 2017, o príncipe herdeiro tem o controlo absoluto das organizações de segurança e inteligência do Reino, tornando altamente improvável que as autoridades sauditas tenham realizado uma operação dessa natureza sem a sua autorização”, sublinha o relatório.

O relatório aponta 21 nomes de pessoas que participaram ou foram cúmplices da morte do jornalista. “Não sabemos se estas pessoas sabiam de antemão que a operação resultaria na morte de Khashoggi”, dizem as autoridades norte-americanas no documento.
Arábia Saudita rejeita "totalmente" o relatório
Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita rejeitou “totalmente a avaliação negativa, falsa e inaceitável do relatório”, considerando que contém “informações e conclusões falsas”.

É realmente lamentável que este relatório, com as suas conclusões injustificadas e falsas, seja divulgado quando o Reino denunciou claramente este crime hediondo e os seus líderes tomaram as medidas necessárias para garantir que tal tragédia nunca volte a acontecer”, acrescenta o Ministério saudita no comunicado.

Questionado sobre a rejeição saudita às conclusões do relatório, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em Washington que "o relatório fala por si" e a administração Biden está "a tentar trazer transparência a esta questão e compartilhar com o povo americano o que sabe".

No Congresso dos EUA, o deputado Adam Schiff, presidente democrata do Comité de Inteligência da Câmara dos Representantes, afirmou que o Mohamed Bin Salman “tem sangue nas mãos” e exigiu “repercussões” para os responsáveis pela morte de Khashoggi.

“A administração Biden deve explorar formas de garantir que as repercussões para o brutal assassinato do Sr. Khashoggi vão além daqueles que o executaram, para aquele que o ordenou – o próprio príncipe herdeiro. Ele tem sangue nas mãos e esse sangue pertencia a um residente e jornalista americano”, disse Schiff.
Apelos a sanções
O deputado Adam Schiff é um dos responsáveis norte-americanos que exige consequências para o príncipe herdeiro da Arábia Saudita. “O Presidente [Biden] não se deve encontrar com o príncipe herdeiro ou falar com ele e o Governo deve considerar sanções”, disse Schiff em comunicado.

A publicação do relatório reforçou os apelos dos políticos norte-americanos a sanções mais duras às autoridades sauditas e uma mudança de estratégia relativamente à adotada durante a administração Trump.

Após o assassinato de Khashoggi, o Governo de Donald Trump continuou a apoiar firmemente o príncipe herdeiro e a Arábia Saudita, um dos principais aliados dos EUA no Médio Oriente, apesar das exigências generalizadas por responsabilização.

Trump também não tomou nenhuma decisão depois de uma versão classificada do documento ter sido partilhada com membros do Congresso dos EUA no final de 2018, mas que Trump terá recusado divulgá-lo, apesar das exigências de legisladores e de ativistas dos Direitos Humanos.

O senador Ron Wyden, democrata do Estado de Oregon, exigiu consequências para o príncipe (como sanções), bem como para o reino saudita como um todo.

Ativistas de direitos humanos também defenderam que a falta de medidas penalizadoras seria um sinal de impunidade para o príncipe herdeiro e outros autocratas. Sem sanções, "é uma anedota", disse Tawwakol Karman, ativista dos direitos humanos no Iémen e amiga de Khashoggi.
“Recalibrar” as relações
A divulgação do documento e as suas conclusões vão provavelmente alterar a natureza das relações entre Washington e Riade, marcando uma diferença clara entre a administração de Trump e de Biden.

No entanto, segundo sublinha a agência Associated Press, embora a administração Biden mantenha uma relação diferente com Riade do que durante a administração Trump, o Presidente eleito parece determinado em preservar a relação com a Arábia Saudita, um “aliado estratégico”, evitando a punição direta do príncipe herdeiro saudita.

Segundo um resumo de uma conversa via chamada telefónica entre a Casa Branca e o rei saudita Salman, pai de Mohammed, na quinta-feira, Biden não mencionou o assassínio de Khashoggi e, em vez disso, os dois países discutiram as suas relações de longa data.

No entanto, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki confirmou um dia antes a intenção de Biden em “recalibrar” a relação com Riade, de uma forma “diferente” da anterior administração norte-americana.

“Isto significa que não ficará em silêncio, dirá alto e bom som quando estiver preocupado com as violações dos direitos humanos e com a falta de liberdade de imprensa e de expressão”, adiantou Psaki.

O que temos feito com as ações que tomamos não é romper o relacionamento, mas sim calibrá-lo de forma a ficar mais alinhado com nossos interesses e valores”, explicou o secretário de Estado dos EUA. “Acho que temos que entender também que isto é maior do que qualquer pessoa”, acrescentou Antony Blinken.

O executivo de Biden tomou recentemente medidas para se desmarcar da anterior administração relativamente às relações entre Washington e Riade, incluindo um esforço para terminar com a guerra civil no Iémen.

Pouco depois de o relatório ter sido divulgado, o Departamento de Estado norte-americano anunciou uma nova política, chamada “Khashoggi Ban”, que permitirá aos EUA negar vistos a pessoas que colocam em perigo, ameaçam ou espiam jornalistas a favor de um Governo estrangeiro.

O Departamento de Estado recusou-se a comentar quem seria afetado, mas uma fonte próxima revelou à Associated Press que o príncipe herdeiro saudita não era o alvo desta medida.

O Departamento do Tesouro também anunciou sanções contra um ex-oficial da inteligência saudita, Ahmad Hassan Mohammed al Asiri, que as autoridades norte-americanas dizem ser o chefe da operação.

c/agências
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