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Relatório Greenpeace. Mais 100 mil "voos fantasma" na UE podem causar danos ambientais

por Inês Moreira dos Santos - RTP
Kai Pfaffenbach - Reuters

Durante este inverno, podem ser realizados, pelo menos, 100 mil "voos fantasmas" pela Europa, devido às regras de uso dos slots nos aeroportos da União Europeia, de acordo com um relatório da Greenpeace. Em circunstâncias normais, as companhias aéreas são obrigadas a realizar pelo menos 80 por cento dos voos, mas com a pandemia a Comissão Europeia reduziu temporariamente esse limite para pelo menos 50 por cento e, com o número de passageiros ainda abaixo do habitual, são forçadas a fazer voos com os aviões quase, ou mesmo totalmente, vazios. Este tráfego aéreo preocupa os ambientalistas, que alertam para os riscos para o ambiente e para a emissão de até 2,1 milhões de toneladas de gases de efeito estufa.

“Mais de 100.000 'voos fantasmas' na Europa estão a causar danos ao clima equivalentes às emissões anuais de mais de 1,4 milhões de carros”, revela a nova análise da Greenpeace.

Segundo a organização, as companhias aéreas “de toda a Europa estão a operar voos vazios ou quase vazios para manter valiosos slots de descolagem e aterragem nos aeroportos, conforme exigido por um regulamento da UE que remonta a 1993”.

O termo slot é usado na aviação como referência ao direito de pousar ou descolar em aeroportos. E as companhias aéreas costumam realizar estes voos, considerados desnecessários, para conseguirem garantir que têm lugar nos principais aeroportos.

Como explica a Greenpeace, normalmente, as companhias aéreas “são obrigadas a operar pelo menos 80 por cento dos voos reservados para garantir os seus slots nos aeroportos, de acordo com a legislação da UE”. Mas devido à pandemia da covid-19, a Comissão Europeia “reduziu temporariamente esse limite para pelo menos 50 por cento dos voos”. E prevê-se que seja aumentado novamente para 64 por cento dos voos em março de 2022.

Ao divulgar este relatório, a organização não-governamental ambiental quer apelar à Comissão Europeia e aos governos europeus para que ponham fim a esta regra que incentiva os “voos fantasmas” e proíbam “voos de curta distância onde há uma ligação ferroviária alternativa com menos de seis horas”.
“Voos fantasmas” e emissões desnecessárias
Os voos desnecessários, vazios e não rentáveis podem gerar até 2,1 milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa – ou até 1,4 milhões de emissões equivalentes ao uso de carros médios a gasolina ou diesel nm ano – expõe a Greenpeace.

“Estamos numa crise climática e o setor dos transportes tem as emissões que mais aumentam na UE – 'voos fantasmas' inúteis e poluentes são apenas a ponta do iceberg. Seria irresponsável da parte da UE não acabar com os ‘voos fantasmas’ e não proibir voos de curta distância onde há uma conexão ferroviária razoável”, afirmou no documento Herwig Schuster, porta-voz da campanha Mobilidade Europeia para Todos da Greenpeace.

O Grupo Lufthansa estima que, durante este inverno, sejam realizados cerca de 18 mil voos fantasmas. Embora não tenha especificado quais destinos e que aviões vão ser usados, a Greenpeace acredita que vão ser produzidas cerca de 20 toneladas de emissões de dióxido de carbono por cada um destes voos, causando danos ao clima equivalentes a 360 mil toneladas de CO2.

Não há informação sobre a quantidade de voos desnecessários e quase vazios de outras companhias, mas se a estimativa for semelhante à da Lufthansa, “o número total de voos fantasmas na Europa pode ser ligeiramente superior a 100 mil”. “Este número de voos provoca danos climáticos equivalentes a 2,1 milhões de toneladas de CO2, que equivalem às emissões anuais de cerca de 1,4 milhões de automóveis médios a gasóleo ou a gasolina”, critica a organização.

“A Comissão da UE exigir que as companhias aéreas voem em aviões vazios para cumprir uma cota arbitrária não é apenas poluente, mas extremamente hipócrita, dada sua retórica climática”, disse ao Guardian o porta-voz da Greenpeace.

Por sua vez, o CEO da Lufthansa, Carsten Spohr, confirmou ao jornal britânico que a companhia aérea pode ter de fazer 18 mil “voos extra e desnecessários” para cumprir as regras ajustadas e pediu o tipo de “isenções ecológicas” usadas noutras partes do mundo.

“Embora tenham sido encontradas isenções favoráveis ao clima em quase todas as outras partes do mundo durante a pandemia, a UE não permite isso da mesma maneira”, explicou, acrescentando que “isso prejudica o clima e é exatamente o oposto do que a Comissão da UE quer alcançar com seu programa ‘Fit for 55’”.

Um porta-voz da Lufthansa informou ainda que, entre janeiro e março de 2021, apenas 45 por cento dos seus voos estavam completos em número de passageiros. Os outros cinco por cento, ou 18 mil voos, “definimos como desnecessários”, acrescentou o porta-voz.

Se não corressemos o risco de perder os slots em certos aeroportos da Europa, provavelmente teríamos cancelado [estes voos] e juntávamo-los a outros voos existentes”, continuou.
Voos prejudiciais para a economia e o ambiente
À medida que o verão se aproxima, a percentagem de voos necessários para manter esses direitos deve ir aumentando. O governo britânico anunciou que, a partir do final de março, as companhias aéreas terão de usar os seus slots 70 por cento do tempo.

“O nosso pacote de medidas para o verão de 2022 faz exatamente isso, apoiando o setor financeiramente, incentivando a recuperação e reduzindo o risco de voos desnecessários e prejudiciais ao meio ambiente”, disse o Departamento de Transportes.

Descrito pelo secretário de Transportes, Grant Shapps, como um “passo atrás em direção ao normal”, o Reino Unido está atualmente a propor o mais alto requisito para uso de slots do mundo.

Mas, de acordo com Willie Walsh, diretor-geral da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), é “inconcebível que a procura internacional seja em média 70 por cento, neste verão”.

Embora a procura por voos esteja a aumentar, as restrições de viagens internacionais e internas ainda estão em vigor em muitas partes do mundo, obrigando as companhias aéreas a operar com baixa capacidade. É uma medida que Walsh considera ser “ambientalmente estúpida”.

A decisão do Governo do Reino Unido sobre os slots, propondo o limite de uso de slots mais alto do mundo, opõe-se às suas alegações de apoiar a recuperação do setor aéreo e de serem pioneiros a nível do meio ambiente”, acrescenta.

A Greenpeace aplicou a proporção de voos fantasmas da Lufthansa para outras companhias aéreas europeias com base na participação de mercado de 17 por cento da transportadora alemã, usando uma estimativa conservadora de 20 toneladas de emissões de gases de efeito estufa por voo. Assim, a análise assumiu um tempo médio de voo de 90 minutos por cada avião de 200 lugares, numa distância de 800 a mil quilómetros.

Tim Johnson, diretor da Aviation Environment Federation, disse que as suposições da Greenpeace foram “localizadas”.

“Parece um exemplo de desperdício na indústria e acho que as pessoas vão ficar surpreendidas com a escala disso”, disse ao Guardian. “Isso sugere um problema real, com as companhias aéreas a serem forçadas a operar voos vazios ou com muito baixa ocupação para manter os slots.

Para Johnson, é importante ter em atenção os impactos climáticos quando há grandes quantidades de CO2 a serem emitidas desnecessariamente. Contudo, considera que há uma “batalha mais ampla da indústria”, no que se refere à necessidade de uma reforma na questão dos slots dos aeroportos.

“Precisamos de algo que genuinamente recompense a eficiência”, disse. “Algum tipo de métrica de eficiência, como base para alocar slots, que permitisse que uma operadora com um avião completo e moderno fosse preferida às operadoras da concorrência, que operam com carga muito mais baixa ou tecnologias mais antigas".

Os eurodeputados socialistas no Parlamento Europeu, após a divulgação deste relatório da organização ambiental, exigiram respostas sobre o problema.

Também Greta Thunberg, a jovem líder da greve climática, reagiu sarcasticamente, através do Twitter: “A UE está certamente em modo de emergência climática”.



A Comissão Europeia, por seu lado, nega que as transportadoras aéreas estejam a operar voos fantasmas ou que as regras da UE “use ou perde” para os slots tenham criado problemas.

“Voos vazios são prejudiciais para a economia e para o meio ambiente, e é exatamente por isso que tomamos várias medidas para que as empresas não tenham esses voos vazios. Se as companhias aéreas decidirem manter os voos vazios, isso é uma decisão da empresa, e não é resultado das regras da UE”, afirmou um porta-voz da Comissão Europeia.

Bruxelas argumenta que já reduziu os requisitos de slots e que as companhias aéreas podem solicitar que estes sejam suspensos se os voos forem interrompidos por “medidas sanitárias severas”, como novas restrições de viagens por exemplo.

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