Religião: "É um tabu na Europa"

Olivier Roy é um intelectual fracês especialista em religião. Em entrevista ao Europa Minha analisa como diferentes religiões podem conviver na União Europeia.

Sr. Olivier Roy, é um dos maiores especialistas do Islão político na Europa, senão mesmo o maior. Na sua última obra coloca a questão sobre se a Europa é cristã ou não. Porquê dar tanta importância a este tema, agora, hoje?

Desde há vinte anos que o grande debate na Europa é a propósito do Islão. Colocamos sempre a pergunta: será que o Islão é compatível com os valores europeus? Será que os muçulmanos podem ser integrados na Europa? Mas a questão que se coloca, ou que apenas fingimos colocar, é saber quais são os valores da Europa. O que opomos ao Islão? Vemos então que opomos duas categorias de questões que são completamente diferentes. Por um lado, opomos os valores liberais modernos. Opomos o feminismo ao Islão, os direitos dos homossexuais, a liberdade sexual, o direito às blasfémias, etc. E por outro lado, opomos a identidade cristã. Mas o que é a identidade cristã? Se a identidade cristã é aquela como a Igreja Católica, em particular, vê a Europa, então é uma Europa que não é de todo baseada nos valores liberais. A Igreja combate, não diria o feminismo, mas não se pode dizer que a Igreja faça a promoção do feminismo; a Igreja combate os direitos dos homossexuais, a Igreja tenta defender certas formas de oposição às blasfémias, a Igreja não é nada liberal em matéria sexual. Podemos dizer que tudo o que diz respeito à sexualidade, o cristianismo dos crentes está muito mais próximo dos muçulmanos do que os secularistas europeus.

Pensa que existe um tabu sobre a discussão da religião na Europa e porquê?

Existe um tabu. Verá que na maioria dos debates de hoje, nunca se fala de religião. Quando um político menciona a religião, se for crente, o problema é seu, não fale disso em público. Há um tabu sobre as religiões, em geral, e não sobre o Islão. Não paramos de falar no Islão, mas, no fundo, recusamos abordar a questão da fé, da crença, e do cristianismo na Europa. É mesmo muito forte. Há um tabu sobre religião na Europa. E é um dos motivos por que não se suposta a chegada dos muçulmanos. Evidentemente, entre os muçulmanos não existe esse tabu. Pensa que… Muitas vezes na Europa, os populistas, nomeadamente a extrema-direita, afirmam que o Islão é uma ameaça para a Europa. 




Como podemos desmontar este argumento?

A primeira questão é saber porque é que os europeus não têm mais filhos. Se nós próprios criarmos um vazio demográfico, é normal que haja outras populações que venham para cá. A segunda questão é saber se as crianças muçulmanas são forçosamente muçulmanas. Por toda a experiência que temos, isso não é verdade. Há uma parte da segunda geração muçulmana que se vai radicalizar. Vemo-lo claramente. A maioria dos radicalizados, diria que quase todos os radicalizados, são de segunda geração. Mas não há uma terceira geração entre os radicalizados. Nos países onde há uma terceira geração, como em França, Inglaterra, nos países escandinavos, na Alemanha, na Bélgica, na Holanda... Vemos que a integração para os muçulmanos se faz na terceira geração, enquanto que para as outras imigrações anteriores, como os portugueses em França ou os italianos em França, tratava-se da segunda geração. Existe, efectivamente, um desfasamento. Mas a integração faz-se na terceira geração para os muçulmanos. E pensamos depois, que as crianças muçulmanas são muçulmanas, mas temos muitos ateus, laicos, secularistas entre os muçulmanos. Os que mais se opõem ao véu em França, hoje em dia, são mulheres de origem muçulmana. Muito claramente…

Disse que o debate sobre as raízes cristãs da Europa arrisca-se a arrastar o catolicismo para terrenos populistas.

Os populistas são, por definição, aqueles que reclamam raízes cristãs da Europa. Evidentemente, a Igreja católica em particular, defende as raízes cristãs da Europa, o que é normal, já que a história cristã da Europa é, regra geral, a história católica, uma vez que os protestantes eram dissidentes, a partir do século XVI. Mas a Igreja considera que não há identidade cristã sem uma defesa dos valores cristãos. Todos os papas foram muito claros. João Paulo II, Bento XVI, o Papa Francisco, são muito claros. Não é a identidade que faz o cristão, é a fé e a adesão aos valores cristãos. Mas o que é que constatamos? A maior parte dos populistas europeus não são cristãos. Há alguns, claro. Muito poucos vão à missa. Se vir a Itália, por exemplo, os dois partidos populistas, Cinco Estrelas e a Liga, são partidos no limite anticristãos. O Senhor Salvini pertencia à Liga do Norte, um movimento pagão, que se opunha à Igreja Católica e que queria regressar às raízes da Padânia. Ou seja, a Itália do norte céltica anterior à igreja. Agora diz que é católico, claro. Por razões eleitorais. Os Cinco Estrelas não vão à missa. O paradoxo é que em Itália, por exemplo, os católicos praticantes estão muito mais dentro do Partido Democrático. São os que vieram da democracia cristã. É preciso notar que a democracia cristã ruiu em toda a Europa. A direita de hoje já não é uma direita cristã. A minha tese, no fundo, é que a ascenção do populismo na Europa em nome da identidade cristã contribui para secularizar a Europa, contribui para expulsar o cristianismo do espaço público europeu, nos seus valores. E é o que o Papa Francisco está sempre a repetir. Claro que a Igreja é contra o aborto. Claro que a Igreja é contra o casamento homossexual. Mas é também a favor da caridade, da hospitalidade, do acolhimento, do amor e do estrangeiro. Ora, os populistas não respeitam nem a segunda parte dos valores, os valores de abertura, nem sequer a primeira parte dos valores. Porque, no fundo, vemos que em parte nenhuma os populistas estão dispostos a pôr em causa a liberdade do aborto, nem a anular o casamento homossexual onde ele foi aprovado.

O que significa hoje em dia na Europa reclamar uma identidade cristã, reclamar valores cristãos? Ou o que é que isso poderia ser?


Hoje é negativo. Os muçulmanos não têm lugar na Europa, ponto. Mas isso não resolve o problema fundamental: quais são os valores da Europa? Qual é a alma da Europa? E isso é um problema muito grave, porque construímos a Europa sobre procedimentos puramente burocráticos. Bruxelas é uma enorme burocracia que funciona relativamente bem. Não sou de maneira nenhuma crítico da União Europeia. Mas é um sistema de normas. Há um direito europeu, normas europeias… Mas isto não é um espírito, não são valores. Os nossos dirigentes europeus têm muita dificuldade, por exemplo, a fazer um discurso político. Têm muita dificuldade em dirigir-se ao povo. Falam de uma linguagem extremamente jurídica. E isso é um grande problema, e explica porque é que toda uma parte do eleitorado europeu, e aqui não me refiro só aos populistas, sente-se alienada de Bruxelas. Portanto, esta espécie de evocação encantatória de uma ideia europeia atrai muita gente que acha que falta um espírito em Bruxelas. O problema é que a identidade europeia dos populistas é vazia. Não corresponde de maneira nenhuma a uma moral, a uma filosofia, a um sistema de valores.