Reprogramação de células adultas humanas em células estaminais é o acontecimento científico do ano
Lisboa, 19 Dez (Lusa) - A possibilidade da produção de células estaminais por reprogramação de células humanas adultas, no desenvolvimento de um processo descoberto em 2006, foi considerada o acontecimento científico do ano pela redacção da revista norte-americana Science.
Para justificar a escolha da conversão de células adultas humanas em células estaminais pluripotentes induzidas (IPS no acrónimo em inglês) como acontecimento do ano, a Science explica que ela "augura novos avanços da Medicina que poderão salvar vidas".
Num comentário à Lusa, Domingos Henrique, chefe da Unidade de Biologia do Desenvolvimento do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de medicina da Universidade de Lisboa, considerou a descoberta do mecanismo de produção das IPS tão importante "que não faltará muito tempo para que o seu autor, o japonês Shinya Yamanaka, ganhe um Prémio Nobel".
No desenvolvimento desta investigação, cientistas do Instituto Whitehead, nos Estados Unidos, anunciaram já este mês ter conseguido simplificar a criação destas células pluripotentes ao reduzirem de quatro para um o número de vírus usados no processo de reprogramação.
Anteriormente eram precisos quatro vírus separados para transferir genes para o ADN das células, sendo que, uma vez activados, são esses genes que fazem passar as células do seu estado adulto, diferenciado, para o de células do tipo embrionário.
Por terem a mesma capacidade de diferenciação das embrionárias, estas células poderão no futuro ser usadas para tratar doenças como a de Parkinson e a diabetes de tipo 1.
O estudo das células IPS teve início em 2006 quando cientistas da Universidade de Quioto, no Japão, liderados por Shinya Yamanaka, anunciaram a reprogramação de células da pele do ratinho em células muito semelhantes a células estaminiais embrionárias.
Posteriormente, em 2007, cientistas norte-americanos e japoneses obtiveram o mesmo resultado com células da pele humana e já este ano foi conhecido outro avanço, quando cientistas norte-americanos transformaram em IPC células da pele de doentes com esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa sem cura, tendo depois induzido a sua diferenciação em neurónios motores como os destruídos pela doença.
"A descoberta das IPS representa uma revolução, porque significa a possibilidade de reprogramar as células somáticas diferenciadas, que já não se dividem, de modo a voltar a obter células estaminais embrionárias", explicou Domingos Henrique.
"Qualquer pessoa passa a poder gerar células estaminais pluripotentes a partir de qualquer célula do organismo", frisou, embora só preveja a sua aplicação em terapia humana para "dentro de cinco a dez anos".
Na sua perspectiva, no futuro deixará de haver necessidade de dadores, de fazer clonagem terapêutica ou de se usarem embriões humanos das clínicas de fertilidade, reduzindo os problemas de natureza ética que a investigação com células estaminais enfrenta em muitos países.
"Tudo vai ser refeito", sublinhou, sendo que esta nova tecnologia, actualmente em fase de grande desenvolvimento a nível mundial, "vai abrir uma nova era de medicamentos individualizados, sem possibilidade de rejeição".
"Vai ser possível pegar numa célula da pele, por exemplo, e gerar a partir dela células estaminais embrionárias, sem necessidade de recorrer à fase do embrião humano fertilizado, vindo da fertilização in vitro", sublinhou.
"Como aconteceu com a ovelha Dolly, em que o debate surgiu apenas dois a três anos depois, o mesmo se vai passar com as IPS", salientou Domingos Henrique, para quem a rapidez dos avanços científicos poderá tornar obsoleta a legislação em preparação para regular a investigação com células estaminais.
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