Rodrigo Duterte pode ser acusado de crimes contra a humanidade

A guerra contra a droga nas Filipinas, ordenada pelo Presidente Rodrigo Duterte, está a ser contestada por grupos defensores dos Direitos Humanos que admitem levar o Presidente filipino perante o Tribunal Internacional de Haia. O Presidente mantém-se desafiador e diz que só responde perante o seu próprio povo, sustentado em níveis de apoio popular de 90 por cento num país de 100 milhões de pessoas e um dos mais afetados pelo tráfico e consumo de drogas em toda a Ásia.

Graça Andrade Ramos - RTP /
Rodrigo Duterte, Presidente das Filipinas em setembro de 2016 Jorge Silva - Reuters

Em apenas dois meses, desde que Duterte assumiu o poder a 30 de junho de 2016, foram mortos mais de 2000 traficantes de droga. Cerca de metade foram mortos pela polícia em alegada auto-defesa. Outras mil mortes são atribuídas a ajustes de contas e a grupos vigilantes e serão investigadas, prometem as autoridades. Uma promessa vista com desdém pelos grupos de defesa dos Direitos Humanos.

Duterte, ex-presidente da Câmara de Davao, ganhou no cargo anterior a reputação de combate ao crime. Quando concorreu à presidência filipina, baseou toda a sua campanha no mesmo tema e na promessa de acabar com o tráfico de droga, matando todos os envolvidos, que calculou em 100.000.

"Os peixes vão engordar com tantos corpos", afirmou então. E dias depois de ser instituído, numa visita ao maior bairro de barracas de Manila, deixou recados perante meio milhar de pessoas.

"Estes filhos da p... estão a destruir as nossas crianças. Aviso-vos, não se metam nisso, mesmo se forem polícias, porque eu realmente irei matar-vos".

"Se conhecerem alguns toxicodependentes, vão em frente e matem-nos vocês mesmos pois desafiar os pais a faze-lo seria demasiado doloroso", convidou ainda o Presidente.

O estribilho é regularmente repetido. "Se têm amigos ou família digam-lhes 'não se metam nas drogas'", aconselhou Duterte na quarta-feira passada. "Serão mortos".

E de novo, segunda-feira, antes de partir para a Cimeira dos Lideres dos Países da Ásia Pacífico, Duterte admitiu que "muitos serão mortos até que o ultimo pusher (traficante) desapareça das ruas. Até o (último) produtor de drogas for morto, iremos continuar".

O Presidente ofereceu recompensas de 42.000 pesos por informações que levem à captura de narco traficantes.

Jennelyn Olaires de 26 anos, abraça o corpo do companheiro, morto na rua por um grupo de vigilantes, de acordo com a polícia em Metro, Manila, a 23 de julho de 2016. Um cartão com as palavras "pusher Ako" (ou traficante de pusher) deixado em cima do corpo justifica o crime Foto: Reuters

As mortes e a 'licença para matar' dada pelo Presidente estão entre os maiores motivos de preocupação dos grupos de defesa dos Direitos Humanos.

"Temos o mais alto oficial do país a apelar abertamente, ativamente, agressivamente, a assassínios extra-judiciais de suspeitos de crimes", afirmou Phelim Kine, diretor para a Ásia da Human Rights Watch's, ao Sidney Morning Herald, descrevendo as primeiras semanas da presidência de Duterte como "nada menos do que um absoluto desastre".
Comparado a Marcos
Os advogados de várias ONG's estão já a reunir várias declarações explosivas de Duterte, preparando um processo.

Isso mesmo foi confirmado por Sam Zarifi diretor para a Asia Pacifico da Comissão Internacional de Juristas (ICJ) ao Clube de Correspondentes Estrangeiros da Tailandia. De acordo com Zafiri, desde que Duterte assumiu o cargo, os assassínios nas Filipinas têm sido generalizados e espalhados pelo país, dois critérios abrangidos pela lei internacional de crimes contra a humanidade que podem ser objeto de processo pelo Tribunal Penal Internacional de Haia.Zafiri comparou Duterte ao ditador filipino Ferdinand Marcos, considerado culpado de uma extensa lista de abusos dos direitos humanos. De acordo com ojurista, Duterte tem feito muitos comentários que poderão ser usados contra ele em tribunais de todo o mundo. Como , por exemplo, a frase de Duterte de há algumas semanas: "A minha ordem é atirar a matar. Não me importam os direitos humanos. Esta é uma guerra contra as drogas e temos de a travar".

Qualquer pessoa pode interpor uma queixa ao TPI ou iniciar um processo criminal contra Duterte em qualquer país, afirma Sam Zafiri. Mas reconhece que o Tribunal de Haia só irá provavelmente iniciar um processo se existir um movimento global político nesse sentido.

Duterte nega ter dado às polícias carta branca na guerra contra os narcotraficantes.

A guerra às drogas declarada por Duterte tem sido condenada não só por ONG's defensoras dos Direitos Humanos como pelas Nações Unidas - Duterte recusou reunir com o atual secretario-geral, Ban Ki Moon -, os Estados Unidos, a Igreja Católica - uma das maiores forças das Filipinas - e uma hoste de políticos.

Ainda no início da semana, Rodrigo Duterte insultou o Presidente Barack Obama, com quem se ia reunir no Laos à margem da Cimeira da ASEAN. A reunião iria abordar a guerra às drogas nas Filipinas e as execuções extra-judiciais mas o Presidente filipino afirmou que não tinha de receber lições de Obama, "esse filho da p...", apontando ainda o dedo às falhas norte-americanas no combate ao tráfico.  

Apreensões recorde
Acreditando que correm perigo de morte, cerca de 687,000 pessoas já se entregaram às autoridades prometendo abandonar as drogas e o tráfico.

Os polícias são eles próprios submetidos a testes anti-droga surpresa e qualquer agente que acuse positivo pode sentir a mão pesada da lei.Muitas esquadras iniciaram ações de campanha nas comunidades para convencer todas as pessoas a abandonarem as drogas - um dos maiores flagelos das Filipinas, a par da corrupção.Fazem-se contactos porta a porta, entregando panfletos e convidando as pessoas a entregar-se. Outros percorrem ruas gritando a mensagem através de megafones. Os mais criativos chegam a organizar serenatas à porta dos suspeitos.

Em consequência da rendição em massa, entre 30 de junho de 23 de agosto a polícia apreendeu droga estimada em 5.44 mil milhões de pesos - incluindo shabu (a variante local de metanfetaminas), marijuana e ecstasy - um montante superior ao apreendido nos primeiros seis meses de 2016.

Os números foram apresentados aos deputados filipinos há uma semana pelo diretor geral do departamento de Polícia de Combate ao Narcotráfico, Isidro Lapeña.

Lapeña afirma que o volume de shabu apreendido nos primeiros oito meses de 2016 excede já os quase 600 quilos confiscados em todo o ano de 2015.

As rendições permitiram tirar das ruas 1,040 quilos de shabu, no valor de 5.2 mil milhões de pesos afirmou ainda. Já as operações da polícia visaram caciques locais com ligações ao narcotráfico, como um ataque à residência co presidente da câmara de Albuera, Ronaldo Espinosa Jr, onde foram confiscados 11 quilos de shabu e a detenção da ex-Presidente da Câmara de Maguing, Johaita Macabuat Abinal, considerada uma das "rainhas do shabu" de Mindanao.

Em julho foi ainda desmantelado o laboratório de shabu de um alegado senhor da droga chinês, Mico Tan, em Valenzuela.

As Filipinas têm um dos mais graves problemas de drogas da Ásia. Na imagem , a apreensão de metanfetaminas, conhecidas como shabu, em novembro de 2014 em Manila Foto: Reuters
Aulas de Zumba
A guerra às drogas tem tido outros efeitos colaterais. O país não tem capacidade para lidar com a avalanche de pessoas que se entregam às autoridades, esperando ser ajudadas a abandonar o vício e a pena de morte decretada pelo Presidente. As prisões estão sobrelotadas. E a nível nacional existem somente 50 locais onde os toxicodependentes podem ser tratados. Estão todos a rebentar pelas costuras.

O resultado é que milhares de pessoas são simplesmente convidadas a assinar um compromisso para deixar as drogas e a estar presentes em aulas de dança coletiva - habitualmente Zumba - uma vez por semana, sendo testados e recebendo um prato de comida.

A rendição não garante que a pessoa esteja a salvo. Muitos pequenos traficantes aparecem mortos poucos dias depois de se entregarem, sem que os autores do assassínio sejam identificados. A mesma sorte calha até aos senhores de droga locais.
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