"Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana" revela história escondida da identidade urbana

O "Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana", da historiadora Isabel Castro Henriques, que é apresentado hoje, em Lisboa, revela "uma história escondida de uma comunidade que sempre fez parte da capital", disse a autora à agência Lusa.

Lusa /

Isabel Castro Henriques, que há 50 anos investiga a história de África, disse que a presença dos africanos em Lisboa, desde o século XIV, como que "foi passando despercebida", apesar de ter feito parte da força de trabalho da cidade e do seu quotidiano. Os africanos trabalhavam no comércio, distribuíam a água e encarregavam-se da limpeza urbana, entre outras ações essenciais, como destacou.

"Os africanos construíram a cidade e participam da sua identidade", afirmou.

O roteiro identifica zonas da capital particularmente marcadas pela presença negra, desde a zona ribeirinha ao antigo bairro Mocambo -- que, em língua umbundo, significa refúgio, ponto de reunião de homens e mulheres -, e que foi "o único do género na história da Europa", localizado no atual bairro da Madragoa, entre os séculos XVI e XIX.

O livro, em português e inglês, visa "dar a conhecer a história dos africanos em Lisboa a um público em geral", disse à Lusa Isabel Castro Henriques, que começou a investigar esta questão em 2000, e salientou "a pouca documentação existente".

A historiadora é autora de outras obras do género, nomeadamente dos livros "A Herança Africana em Portugal" (2009), "Lisboa, Cidade Africana" (2016) e "A Descolonização da História" (2020), assim como da exposição itinerante "Os Africanos em Portugal: História e Memória (Séculos XV-XXI)", "que continua a circular" e que já esteve patente em Espanha, França, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Angola.

Outras zonas de referência da presença negra na cidade são as colinas, compreendendo os bairros em torno do castelo de S. Jorge, designadamente Mouraria e Alfama, e um quarto eixo, que se confunde com a "Lisboa colonial", numa época mais recente, de expansão urbana, o Bairro das Colónias, rebatizado, das Novas Nações, nas áreas de Anjos-Arroios.

Isabel Castro Henriques adiantou à Lusa, que, neste sentido de dar a conhecer esta "Lisboa esquecida", está também prevista a colocação, na cidade, de placas em pedra com textos inscritos de sua autoria, que marcam locais de referência da comunidade africana.

Deverá ainda ser erguida uma estátua ao Pai Paulino (1798-1869), antigo escravo, defensor dos negros, em Lisboa, que foi músico e caiador, e que, como gaiteiro, era muito requisitado para participar nas procissões da cidade.

Na igreja de S. Domingos, próximo do Rossio, existiu a Confraria de N. S. do Rosário dos Homens Pretos, que "desempenhou um importante papel na socialização dos africanos".

Esta congregação católica, como recorda, "era aberta a todos, não exclusivamente aos negros, e libertou muitos escravos [ao comprar as respetivas alforrias] e organizava a participação negra nas procissões".

"Curiosamente, hoje, [esta área urbana], é ainda um espaço de encontro e convívio da comunidade negra", referiu a historiadora.

Isabel Castro Henriques recordou ainda o "Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas", projeto do artista angolano Kiluanji Kia Henda, intitulado "Plantação - Prosperidade e Pesadelo", que deverá ser inaugurado este ano, no Campo das Cebolas.

O monumento, que aborda a memória da escravidão "enquanto presença de uma ausência", representa uma plantação de cana-de-açúcar, com 540 pés em alumínio negro, imagem do chamado "ouro branco" que esteve na origem do tráfico de pessoas, e que constitui um convite à caminhada e à reflexão.

O "Roteiro Histórico de uma Lisboa Africana", de Castro Henriques é uma edição da Colibri, com a associação Batoto Yetu Portugal e o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e da Câmara Municipal de Lisboa.

O livro é apresentado hoje, pela socióloga Cristina Roldão, pelas 18:30, no jardim do Palácio Pimenta/Museu de Lisboa, no Campo Grande.

Sobre a obra, Isabel Castro Henriques referiu ainda o apelo a vasta iconografia, de diferentes fontes, algumas estrangeiras, "de modo a melhor identificar os locais".

Organizado como um roteiro, o livro permite ser seguido pelo leitor num passeio pela capital, identificando os locais mais marcantes da presença dos africanos que foram "a mais significativa, permanente e numerosa comunidade" de origem não portuguesa, que se fixou há séculos em Lisboa, que na cidade reside e que da cidade faz parte.

"Os africanos construíram a cidade e participam da sua identidade", rematou a historiadora.

NL // MAG

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