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Sébastien salvou a grávida que estava suspensa no Bataclan: o relato na primeira pessoa

por RTP
Um homem presta tributo às vítimas dos atentados de Paris junto ao Bataclan. Christian Hartmann - Reuters

Sébastien é já um dos heróis da noite de 13 de novembro de 2015. O jovem, natural da cidade francesa de Arles, assistia ao concerto no Bataclan quando os terroristas iniciaram o ataque. Foi ele que ajudou a mulher grávida que aparece suspensa na janela no vídeo divulgado pelo diário Le Monde. Na primeira pessoa, Sébastien conta ao jornal La Provence o que aconteceu a 13 de novembro no Bataclan.

"Eu e o Jeff chegámos por volta das 20h00 ao Bataclan. Assistimos ao fim da primeira parte do concerto dos Eagles of Death Metal e fomos depois ao bar, pedir uma ou duas cervejas. Aproximámo-nos depois do palco, estávamos em frente ao cantor.

Este foi talvez o primeiro acaso da noite. Quando se ouviu o primeiro tiro, todos pensámos que seria um efeito pirotécnico. Quando se ouviu o segundo, percebemos o que era. Ouvimos pessoas a gritar, o cantor saiu do palco. As luzes da sala acenderam-se, olhei para a entrada e vi dois ou três homens munidos de kalashnikov.

Os atacantes atiravam contra todos aqueles com que se cruzavam. Os primeiros a cair foram os que estavam junto ao bar. Toda a gente se deitou. Vi uma pessoa a meu lado levar com uma bala na cabeça.

Começou a ser difundido o rumor de que haveria uma saída de emergência por detrás do palco. Subi para me aproximar, tive de passar por cima de cadáveres, de feridos. As minhas roupas estavam cheias de sangue.



Aproveitei quando um dos atacantes recarregava a arma para fugir para trás do palco. À esquerda não vi qualquer saída de emergência. Atravessei o palco, escondido por detrás de uma cortina preta.

Quando cheguei ao outro lado, percebi que também não havia qualquer saída de emergência. Subi as escadas que me levaram ao balcão da sala de espetáculos"."Estava suspensa uma mulher grávida"
"À minha frente havia duas janelas. Numa delas, estava suspensa uma mulher grávida. Suplicava a quem estava em baixo que a recebessem caso saltasse. Mas em baixo, também era o caos. Passei pela outra janela, agarrei-me a um orifício de ventilação, a 15 metros do chão.

Aguentei-me cinco minutos até que a mulher grávida, que não resistia mais, pediu-me que a ajudasse a regressar ao interior do edifício. Foi o que fiz.

Não sei para onde foi a seguir. Voltei ao meu esconderijo, o que não foi a opção certa: cinco minutos depois, senti o cano de uma kalashnikov roçar-me na perna. Um dos terroristas disse-me: ‘Sai daí. Vem e deita-te no chão!’.

Foi quando começou a tomada de reféns. Éramos uns 15. Posicionados no balcão, os terroristas disparavam sobre as pessoas que estavam em baixo. Ouvíamos gritos, como se as pessoas estivessem a ser torturadas.

Os terroristas disseram-nos: ‘Estamos aqui para vos submeter a tudo aquilo que os inocentes são submetidos na Síria. Ouvem os gritos, o sofrimento? É para que sintam o medo que as pessoas sentem todos os dias na Síria. Estamos em guerra! E é só o princípio. Iremos massacrar os inocentes, quero que o repitam aos vossos próximos.’ Pensámos que talvez saíssemos dali vivos.
"Abater um a cada cinco minutos"

Pediram-nos para telefonar às televisões BFM e Itélé. Queriam falar com jornalistas, mas ninguém atendeu. A certa altura, pediram fogo e quiseram saber se o dinheiro tinha alguma importância para mim. Arranjaram um maço de notas de 50 euros e queimaram-nas. Falavam francês entre eles. Um aparentava ser argelino, de olhos azuis, talvez cabila. Diziam-se do ‘Estado Islâmico’.

Posteriormente quiseram falar com a polícia. Colocaram-nos contra as janelas, pediram-me para vigiar. Tinha de gritar para que não se aproximassem.

Ordenaram-nos que disséssemos que tinham cintos de explosivos e que os utilizariam caso a polícia se aproximasse. Mas era falso. Vi apenas as kalashnikov – uma das quais estava remendada com fita-cola preta – e um saco com recargas. Não tinham o ar de estar muito organizados.

Usaram o telemóvel de um dos reféns para falar com o negociador. Não tinham qualquer reivindicação, para além da retirada das forças da ordem. Ameaçavam abater um de nós a cada cinco minutos e atirar o corpo pela janela".
"Fui espezinhado. A dor mais feliz"
"O negociador conseguiu que os bombeiros interviessem durante uns vinte minutos para retirar os feridos. E esperámos. Os minutos mais longos da minha vida. Senti de tudo: esperança e depois a aceitação da morte, apesar de fechar os olhos para não a ver, para não ver a kalashnikov virada para mim.

Os terroristas tinham colocado dois escudos humanos à entrada, mas as forças especiais conseguiram disparar sem os atingir. Arrombaram a porta com um aríete e atiraram uma primeira granada de atordoamento. Quando vi uma segunda granada, junto aos meus pés, pensei que era o momento de fugir. Corri, a granada explodiu e projetou-me para debaixo do aríete.

Todos os membros das forças especiais me passaram por cima. Fui espezinhado mas foi a dor mais feliz da minha vida. Senti-me protegido. Tal com o Jeff, que reencontrei mais tarde, eu estava vivo".

Este texto foi publicado pelo jornal La Provence, onde pode ser lido na versão original em francês. A jovem grávida lançou uma busca no twitter para encontrar o homem que a salvou. A procura deu frutos e os dois já trocaram contactos.
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