Seul e Tóquio frios com Nancy Pelosi após frenesim em Taiwan

por Graça Andrade Ramos - RTP
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes do Congresso dos EUA, de visita ao Japão Reuters

O périplo da presidente da Câmara dos Representantes norte-americana pela Ásia terminou esta sexta-feira em Tóquio com consideravelmente menor aparato do que o início em Taiwan.

Nancy Pelosi viu-se forçada a justificar a ida a Taiwan implicando que os Estados Unidos vão onde bem entendem quando se trata de visitar amigos. "Não permitiremos que isolem Taiwan. Não programam a nossa agenda de viagens, o Governo chinês não fará isso”, afirmou aos jornalistas presentes em Tóquio.

Os maiores aliados dos Estados Unidos na Ásia, Coreia do Sul e Japão, pareceram preferir que Pelosi tivesse ficado em casa, até porque poderão ser os primeiros a sofrer as consequências do descontentamento chinês. Pelosi garantiu ainda que a visita da sua delegação não pretendeu alterar o status quo na região. Letra morta para Tóquio, Seul e Pequim. A China reagiu à provocação com uma série de exercícios militares que envolveram mesmo áreas territoriais japonesas, forçando o Japão a protestar oficialmente.

Ao contrário do que afirmou pretender, a iniciativa da presidente da Câmara dos Representantes poderá ainda ter prejudicado a estratégia regional da Administração Biden de contraponto à China, através do reforço das principais alianças na área - incluindo o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália - e da prova a outras nações amigas, de que os Estados Unidos são parceiros de confiança e de longo prazo. 

A visita a Taiwan provocou a China levando Pequim a deixar vários avisos sérios a Washington e a outras capitais num autêntico tsunami de ameaças. Japão e Coreia do Sul ressentiram-se da aparente indiferença norte-americana com os seus interesses.
Antes o teatro do que Pelosi
Os sinais de reprovação foram sentidos logo em Seul.

O presidente Yoon Suk-yeol há escassos três meses no cargo, anulou uma viagem de férias, mas acabou por preferir ficar uns dias a descansar em casa em vez de se reunir com a representante norte-americana. Uma pausa que “já estava planeada” antes da visita de Pelosi, justificou o seu gabinete, negando qualquer enxovalho ou tentativa de aplacar Pequim.

Yoon poderia talvez ter ido receber a presidente da Câmara dos Representantes ao aeroporto de Seul, mas a essa hora estava a assistir a uma peça de teatro e a conviver com os atores num cocktail seguido de jantar. A mensagem pela desnuclearização que Pelosi trazia teve de ser transmitida somente ao seu homólogo, Kim Jin-pyo, e a diversos deputados sul-coreanos, com quem se reuniu quinta-feira.

Em vez de um encontro houve apenas lugar a um  telefonema entre Pelosi e Yoon, referiu o gabinete do presidente sul-coreano, no qual ambos sublinharam a necessidade de fortalecer a aliança bilateral e a cooperação em áreas de segurança regionais.

Yoon está agora a ser criticado por se mostrar indiferente ao principal palco internacional quando prometeu fazer tudo para tornar a Coreia do Sul um “Estado pivot global” e uma força geopolítica. Os seus índices de popularidade estão em queda e a possibilidade de uma crise política não é de descartar sobretudo porque uma “atitude submissa” da Coreia do Sul face à China pode alterar o equilíbrio geoestratégico da região, como fez notar um jornal sul-coreano de direita.

Esta não foi a primeira vez que a agenda norte-americana se revelou um embaraço para o pouco experimentado Yoon. A 22 de maio, teve de receber o presidente dos Estados Unidos pouco após a tomada de posse e quando ainda estava a formar o seu executivo.
Ambiente nublado no Japão
Em Tóquio, a receção a Nancy Pelosi foi menos controversa mas igualmente discreta, limitada a um pequeno-almoço com o primeiro-ministro Fumio Kishida e a uma reunião com o presidente da Câmara Baixa do Parlamento nipónico, Hiroyuki Hosoda e parlamentares.

Em ambas as ocasiões o tema dominante foi Taiwan, mas oficialmente, o Japão “não está em posição de comentar” a visita de Pelosi, como afirmou laconicamente o porta-voz do Governo, Hirokazu Matsuo.

Um silêncio que vale por mil palavras. Fontes diplomáticas citadas pelo Le Monde, afirmaram  que “se nos tivessem pedido a opinião, teríamos dito que não era boa ideia”, deixando a ideia de que o principal parceiro de Washington na Ásia não foi sequer consultado.

Além disso, “os americanos mobilizaram meios navais e aéreos das suas bases no Japão, nomeadamente Okinawa, para garantir a segurança da visita de Nancy Pelosi a Taiwan. Ou seja, em caso de conflito, o Japão não seria poupado aos mísseis chineses”, notou Tetsuo Kotani, especialista da Universidade Meikai para questões de segurança.

A atitude norte-americana displicente com o aliado colocou o Japão em sérios embaraços. Isso mesmo foi deixado claro pela própria China. Durante os exercícios militares em larga escala que realizou no Estreito de Taiwan logo após a visita de Pelosi, Pequim não hesitou em disparar uma salva de cinco mísseis que atingiu a zona económica exclusiva nipónica. Kishida considerou o gesto chinês como um “problema sério que afeta a nossa segurança nacional e a dos nossos cidadãos” e apelou ao fim imediato dos exercícios. Não se sabe se repetiu estas palavras em privado a Pelosi sobre a sua viagem a Taiwan.

Além da preocupação com a segurança, o primeiro-ministro japonês está também inquieto com as possíveis consequências económicas, numa altura de crise global.

As manobras em curso não provaram apenas que a China pode impor um bloqueio a Taiwan. Tóquio viu-se forçado a pedir aos pescadores das ilhas Sakishima, incluindo Yonaguni, a uma centena de quilómetros das costas de Taiwan, que evitassem sair para a faina.

Durante os exercícios não houve tráfego aéreo nem marítimo em torno de Taiwan e o restante teve de ser desviado. O professor Katani advertiu para a possibilidade de “este tipo de exercícios em grande escala poder tornar-se rotina nos próximos anos”.

Sinal oficial do descontentamento chinês foi o cancelamento por parte de Pequim de uma reunião já acordada entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da China e do Japão.

Pequim anunciou ainda diversas sanções contra a própria Nancy Pelosi e família próxima e suspendeu ou cancelou diversas iniciativas conjuntas com os Estados Unidos, incluindo conversações sobre as alterações climáticas e reuniões e contactos na área da Defesa.
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