Sputnik V. Cresce a desconfiança internacional face à vacina russa

por Carla Quirino - RTP
Ensaio da vacina Sputnik V Tatyana Makeyeva - Reuters

Dúvidas na eficácia, dúvidas na segurança, dúvidas na transparência científica. São as reservas da comunidade científica internacional em relação à Sputnik V, a vacina com a qual a Rússia pretende combater o SARS-CoV-2.

A aceleração da Covid-19 em território russo está a expor as fragilidades do processo de ensaio da vacina, mas não impediu que a Rússia avançasse com um pedido de autorização com caráter de urgência à Organização Mundial da Saúde para iniciar a inoculação da Sputnik V.

Citado pelo portal sputniknews, Kirill Dmitriev, diretor-geral do Fundo Estatal de Investimento,  expressou “gratidão à OMS pela sua ativa cooperação”.

“Esperamos que o processo de pré-qualificação seja bem-sucedido em todas as etapas”, acrescentou.
 

Preparação de uma dose da vacina Sputnik V | Foto: Tatyana Makeyeva - Reuters

Em agosto, o Presidente russo, Vladimir Putin, descrevia a Sputnik V como a primeira vacina contra o coronavírus a ser registada no mundo com o propósito de colocar um ponto final na pandemia que alastrava no país.

Atualmente, segundo as autoridades russas, a fasquia do milhão e meio de infeções foi ultrapassada e contam-se perto de 27 mil mortes.

Com a escalada do número de casos associados à segunda vaga, a corrida à produção de uma vacina eficaz por um variado número de laboratórios está a criar uma guerra de informação e contrainformação.

A Rússia é acusada pela comunidade internacional de precipitar a aprovação da vacina antes de os testes da terceira fase estarem terminados, para retirar dividendos políticos.

A produção da vacina Sputnik V revela-se atrasada e as doses administradas nas fases 1 e 2 não atestam eficácia e segurança no medicamento.
   
Os resultados da fase 3 são essenciais para cumprir o protocolo científico e, comparando o conjunto de participantes nos testes das farmacêuticas concorrentes, a reserva sobre a segurança e eficácia da Sputnik V aumenta.Alexander Gintsburg, responsável pelo Instituto Gamaleya, que desenvolve o medicamento, reconheceu que a administração das duas últimas doses do ensaio tinha abrangido apenas seis mil participantes, até à data. Gintsburg afirma que a vacina é indicada para adultos entre os 18 e 60 anos, pois não foram feitos testes em larga escala nos restantes grupos etários.  


As concorrentes norte-americanas apresentam um número de ensaios substancialmente mais elevado.

A BioNTech-Pfizer, revela o número de 35.771 pessoas envolvidas no ensaio clínico na fase 3 e o laboratório da Moderna fala em 25.650 participantes.


Perante a discrepância de protocolos seguidos, Konstantin Chumakov, virologista da Global Virus Network, questiona as conclusões russas sobre as provas dos ensaios clínicos.

O laboratório russo responde que esse tempo de espera foi reduzido na Sputnik porque assentou na pesquisa já existente para as vacinas da Ébola e Síndrome Respiratória do Médio Oriente. 

Chumakov relembra que nenhuma das vacinas referidas pelo Instituto Gamaleya foi totalmente validada por organismos internacionais e, no caso do Ébola, foi apenas testada na Guiné após o surto.
  

Doses da vacina Sputnic V | Foto: Tatyana Makeyeva - Reuters

Para este especialista, não se pode chamar de vacina ao que o laboratório russo produz. “Eles são muito bons em desenvolver protótipos (...) mas não acredito que eles tenham qualquer experiência em trazer produtos para o mercado. Há mais de 30 anos que não produzem qualquer vacina".

Depois de as doses da vacina em ensaio serem administradas nos participantes, explica Chumakov na CNN, é preciso “esperar até que sejam infetados e ver se terão uma incidência menor ou se terão uma doença mais grave. Não há simplesmente nada que possa substituir os ensaios clínicos".
Contabilidades desencontradas

Produzir 30 milhões de doses da vacina até fim de 2020 era pretensão do Fundo de Investimento Estatal Russo que coordena o plano estratégico do fabrico da Sputnik V. Esse número foi reduzido para 2,3 milhões pelo Ministério da Indústria e do Comércio.

Estão em curso acordos feitos com a Índia, Brasil e Egito para o fornecimento de milhões de doses.
Os ganhos económicos estão na mira de Putin, que promove a produção da vacina russa como um bom investimento junto do lobby empresarial da Rússia, segundo a agência de notícias RIA Novosti.


O Presidente russo, Vladimir Putin, em videoconferência com investidores |Foto: Sputnik Photo Agency

Este negócio representa um grande volume de receitas, mas pode estar em risco porque  depende do licenciamento. Na pressa de produzir a Sputnik V, o laboratório russo terá contornado os padrões da prática científica, o que pode atrasar o aval internacional.

A necessidade de haver métodos padronizados para comparar eficácia das vacinas é defendida por investigadoras da Universidade de Oxford. "É pouco provável que tenhamos uma única vacina vencedora na corrida contra a covid-19. Tecnologias diferentes vão trazer vantagens distintas que serão relevantes em situações diferentes", explica Susanne Hodgson, uma das cientistas, citada em comunicado.

As autoridades pretendem aplicar a vacina a toda a comunidade, mas a maioria da população russa afirma não querer a Sputnik V enquanto não houver a avaliação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento dada pela OMS.

O nome Sputnik foi resgatado ao primeiro satélite lançado com sucesso em 1957 pela então União Soviética.

Paralelamente à Sputnik V, a Rússia iniciou a produção de mais duas vacinas: uma nos laboratórios Vector e a terceira no Instituto Chumakov.
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