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Subida do nível do mar provocará "migração catastrófica para o interior"

por Carla Quirino - RTP
Greg Locke - Reuters

Mesmo que o aumento da temperatura global permaneça abaixo de 1,5 graus Celsius, muitas áreas costeiras já não estão a salvo. Mais tarde ou mais cedo será necessário que as populações abandonem as linhas de costa o que provocará uma "migração catastrófica para o interior", alertam cientistas.

“Desde a década de 1990 a perda de gelo das gigantescas camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida quadruplicou apresentando-se agora como o principal motor do aumento do nível do mar” diz o mais recente estudo britânico publicado na revista Communications Earth and Environment.

Assim, mesmo que se conseguisse travar o aquecimento global nos 1,5º a crise climática já foi desencadeada.

O nível médio global do mar aumentou cerca de 20 cm de 1901 a 2018, com a taxa de mudança acelerando de um ano de 1,4 mm (1901-1990) para o ano de 3,7 mm (2006-2018) e, mais recentemente, para 4,5 mm ano (2023
) diz o estudo.

Se o aumento do nível do mar subir apenas 20 centímetros até 2050, os danos globais por inundação deverão atingir um trilião de dólares por ano.

Neste processo de transgressão do mar por terra adentro serão atingidas 136 das maiores cidades costeiras do mundo e imprimirá grande impacto na vida e nos meios de subsistência das pessoas.

Atualmente, cerca de 230 milhões de pessoas vivem em áreas costeiras localizadas a um metro acima do nível do mar. A estas somam-se, pelo menos, mais mil milhões a residirem num patamar situado a dez metros acima do nível atual do mar.

O investigador Chris Stokes, especialista em glaciares e principal autor do estudo da Universidade de Durham, no Reino Unido, afirmou que “estamos a começar a ver alguns dos piores cenários a acontecerem quase à nossa frente. Durante o aquecimento atual de 1,2º, o aumento do nível do mar está a acelerar a taxas que, se continuarem, se tornarão quase incontroláveis antes do final deste século”.

“A perda de massa contínua de camadas de gelo representa uma ameaça existencial para todas as populações costeiras do mundo” sublinhou Stokes.

Andrea Dutton, investigadora em Geologia da Universidade de Wisconsin-Madison, coautora da análise aponta que “os indicadores recuperados de períodos quentes anteriores sugerem que o aumento do nível do mar atingirá vários metros e podem ser esperados quando a temperatura média global atinge 1,5ºC ou mais”.

A mais recente investigação produzida no Reino Unido com o título “O aquecimento de mais 1,5ºC é muito alto para as camadas de gelo polar” combinou dados de estudos de períodos de aquecimento recuando até três milhões de anos na história da Terra. Foram também observados os períodos de degelo e relacionados com do aumento do nível do mar nas últimas décadas e ainda associados diversos modelos climáticos.
Migração "maciça" e "catastrófica"

A subida do nível do mar em pelo menos um a dois metros é agora inevitável, disseram os cientistas, citados na publicação britânica The Guardian, mas acreditam que se se conseguir estimar uma temperatura para um limite seguro para as camadas de gelo antes de atingir o ponto de "inflexão”, será possivel antecipar medidas para melhor adaptar as populações que têm que abandonar a linha costeira.

Se os decisores não prestarem atenção à questão do limite seguro, podem não ter tempo para estabelecer planos para a deslocação de pessoas.

“O que queremos dizer com a temperatura do limite seguro é um limite que permite algum nível de adaptação, em vez de uma migração catastrófica no interior e migração forçada, e o limite seguro é de cerca de um centímetro por ano de aumento do nível do mar”, disse o professor Jonathan Bamber, da Universidade de Bristol.

“Se chegarmos a isso, então torna-se extremamente desafiador para qualquer tipo de adaptação, e vai-se ver uma migração maciça de terras numa escala que nunca testemunhámos na civilização moderna”, acentuou Bamber.

E acrescentou que os “países em desenvolvimento como Bangladesh se sairiam muito pior do que os ricos com experiência em reter as ondas, como os Países Baixos”.

Dutton explica que no final da última era glacial, cerca de 15 mil anos atrás, “o nível do mar estava a subir 10 vezes a taxa hoje”, impulsionado por apenas um pequeno aumento de temperatura. A última vez que os níveis de dióxido de carbono na atmosfera foram tão altos como os atuais, cerca de três milhões de anos atrás, o aumento do nível do mar foi de 10 a 20 metros mais alto.

Os cientistas argumentam que mesmo que a crise climática seja revertida e o planeta regresse à temperatura pré-industrial, “ainda levará centenas a milhares de anos para que as camadas de gelo se recuperem”. Implica que a terra perdida para o aumento do nível do mar assim permanecerá durante um longo período de tempo, “talvez até que a Terra entre na próxima era glacial”.

“Se quisermos desacelerar o aumento do nível do mar proveniente do degelo das camadas das calotes polares, é claro que será necessário retornar a níveis de temperatura mais baixos do que os que temos atualmente”, de acordo com Stokes. Para mantê-lo "num nível gerenciável, é necessário definir uma meta de temperatura de longo prazo perto de 1ºC, ou até mais baixa", sustenta.

Porém, valerá sempre a pena continuar a apostar em medidas que controlem o aquecimento global. 

Ao atrasar a subida do nível do mar dará mais tempo para os decisores prepararem opções para acomodar as populações reduzindo assim o sofrimento humano, acentuam os autores.
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