Sudão. Milhares desesperam por socorro nas margens do Mar Vermelho

Port Sudan começou por ser um refúgio mas está rapidamente a tornar-se uma armadilha para milhares de pessoas que fogem dos combates em torno da capital, Cartum, e no Darfur.

Graça Andrade Ramos - RTP /
Milhares desesperam por socorro em Port Sudan, Sudão Reuters

A cidade é um dos principais portos do Sudão e porta de entrada da maioria do auxílio internacional através do Mar Vermelho. Nas últimas três semanas tornou-se igualmente uma das principais portas de saída para quem quer abandonar o país.

Só a Arábia Saudita já transportou de barco oito mil pessoas, providenciando um visto de curta duração para o seu território. Barcos fretados por outros países chegam e partem, mas o controlo de quem embarca neles é precário e caótico.

"Só tenho promessas e não sei quando serei retirado", afirma Ahmed Hassan, um engenheiro sudanês residente na Arábia Saudita, à Agência Reuters.

Hassan é dos privilegiados que tem um passaporte estrangeiro. Esses conseguem ser incluídos nas listas que uns poucos funcionários sudaneses verificam nos cais antes dos embarques, numa espécie de controlo fronteiriço à la carte.

A maioria dos fugitivos são mulheres e crianças, não possui documentação e sente-se encurralada. Muitos são sudaneses, milhares de outros iemenitas ou sírios, refugiados das guerras nos seus próprios países.

Desesperam a ver o vai-vém dos pequenos barcos que ligam cais e navios ancorados ao largo. Chegam vazios e partem cheios mas só alguns lhes têm acesso.

"Tornaram-nos impotentes, não temos privacidade nem liberdade. Desejava nunca ter saído de Cartum", lamenta Salem, sob o pano de uma tenda que a protege do sol intenso. "Viemos para encontrar uma saída mas isso não existe até agora".
Quartos a 100 dólares
Hanadi Al-Sir seguiu também o rumo de Port Sudan, esperando conseguir lugar num avião ou num barco para escapar ao intenso conflito que opõe dois generais sudaneses pelo controlo do poder.

Dez dias depois de chegar, ainda espera acampada na cidade do Mar Vermelho, ao lado de milhares que tentam como ela conseguir um bilhete.

"Durmo no chão e não tenho dinheiro para ficar num hotel ou num quarto. Não há quaisquer serviços aqui", afirma a sudanesa de 37 anos.

A cidade portuária é controlada por soldados sudaneses que pouco mais fazem do que manter a ordem. A infraestrutura local não aguenta o súbito influxo populacional e ameaça desintegrar-se.

Espaços com paredes e teto escasseiam, em parte ocupados por missões diplomáticas de diversos países e das Nações Unidas, ali instaladas para tentar escoar os seus cidadãos. Outros dependem da boa-vontade destes para conseguir lugares nos barcos e nos aviões.

Um quarto chega a custar 100 dólares por noite, um preço inacessível para a maioria. As ruas e os parques estão cheios com os que dormem junto aos edifícios oficiais, sob uma árvore ou, com sorte, numa tenda. Durante o dia o sol é abrasador.

Cuidados médicos são providenciados pelo Crescente Vermelho do Sudão, que não tem mãos a medir. A médica Rawan Abdel Irahman revela à Reuters que as clínicas espalhadas por Port Sudan atendem cerca de 400 casos diariamente, sobretudo sírios e iemenitas. Os suprimentos e os medicamentos começam a escassear, acrescenta.

O auxílio humanitário chega de barco a poucos metros mas tanto alimentos como outros bens de primeira necessidade podem ter de ficar à espera para serem descarregados.
Mergulho no caos
Os procedimentos bancários e alfandegários praticamente colapsaram, os cortes de eletricidade devido à guerra impactam o fornecimento de internet e a falta de comunicações complica ainda mais o acesso dos refugiados a fundos próprios.

A atividade principal da cidade está também a sofrer, dificultando igualmente a vida aos residentes. O caos já motivou alguns protestos.

Muitos dos que engrossam a multidão fugiram da guerra nos próprios países. É o caso de Abu Munir, dono de um restaurante e um dos cinco mil sírios à espera de poder sair.

"Vim para cá há nove anos a fugir da guerra e agora a guerra está a expulsar-nos do Sudão", afirma, exausto após permanecer na rua mais de uma semana. "A nossa única esperança é regressar à Síria, apesar da guerra lá".

A Alta-Comissária da ONU para os Refugiados, alertou para a situação, apelando os Estados a acolher os sudaneses que fugiram dos combates e a não os forçar a regressar ao país.

"O ACNUR apela todos os países a garantir aos sudaneses que fogem do seu país um acesso sem reservas aos seus territórios", pediu Elizabeth Tan em conferência de imprensa.
Escrutinar as violações de cessar-fogo
A ONU espera que mais de 860 mil pessoas abandonem o Sudão para os países vizinhos, com destaque para o Egito, o Chade e o Sudão do Sul, além dos 113 mil que já passaram as fronteiras.

A Alta-Comissária exorta todos os países a "suspenderem toda a decisão negativa quanto aos pedidos de asilo interpostos pelos sudaneses ou pelos apatridas que habitam no país".

Elizabeth Tan pretende ainda a suspensão "de todos os repatriamentos forçados para o Sudão, incluindo das pessoas cujos pedidos de asilo já foram rejeitados".

Um grupo de países vai por seu lado requerer um encontro urgente sobre o Sudão na próxima semana em sede do Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos.


A Grâ-Bretanha, a Alemanha, os Estados Unidos e a Noruega querem ver analisadas as constantes violações dos diversos cessar-fogos declarados nas últimas três semanas.

O conflito entrou no seu 21º dia sem sinais de que alguma das partes tenha esgotado munições. Os combates entre o exército e os paramilitares já fizeram cerca de 700 mortos desde 15 de abril e milhares de feridos, de acordo com a ONF ACLED, que contabiliza as vítimas de conflitos.
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