Sutton Hoo e o balde Bromeswell. Enterramento saxão em "urna" bizantina do século VI

Os mais recentes achados na localidade inglesa de Sutton Hoo dizem respeito ao conteúdo de um recipiente bizantino de liga de cobre, decorado com uma cena de caça e cujo uso era desconhecido. Durante a investigação arqueológica foram encontrados restos humanos e de animais, confirmando-se assim que o balde foi usado como urna de cremação.

Carla Quirino - RTP /
Paredes do balde de Bromeswell está atualmente em exibição na exposição High Hall de Sutton Hoo em Suffolk, Inglaterra David Brunetti - National Trust

A localidade inglesa de Sutton Hoo ficou amplamente conhecida no final da década de 1930, quando foi encontrado um enterramento de navio de madeira de 27 metros de comprimento repleto de tesouros perto do rio Deben.

Os investigadores apontam para que essa cerimónia fúnebre seria a de Raedwald de East Anglia, um rei guerreiro anglo-saxão que morreu por volta de 624. O lider foi colocado dentro do navio, cercado por tesouros e enterrado dentro de um monte.

Com a descoberta de há quase 100 anos, o sítio arqueológico tem atraído muitas pessoas, inclusive a produção de um filme para a Netflix, em 2021, “The Dig” (A Escavação).


O capacete encontrado no enterramento associado ao rei Raedwald tornou-se o símbolo de Sutton Hoo e da arqueologia da Idade Média, em Inglaterra. Está exposição no Museu Britânico, Londres | Carla Quirino - RTP

Com o objetivo de explorar a história anterior do local, a investigação arqueológica regressou em força no verão passado com a equipa britânica de arqueólogos da Time Team, que está, entretanto, a produzir vários documentários televisivos sobre Sutton Hoo, em colaboração com FAS Heritage (Field Archaeology Specialists - Especialistas em Arqueologia de Campo) e o National Trust.
O balde de Bromeswell
Nos trabalhos arqueológicos nas redondezas do navio real, foram encontrados diversos outros enterramentos, embora mais modestos. Nestas escavações destacou-se um artefacto que tem sido alvo de profunda investigação – é o balde de Bromeswell.

Inicialmente foi encontrada a parede do recipiente produzido numa liga de cobre, na qual estão inscritas decorações como guerreiros, uma variedade de armas, leões e um cão de caça.

Os investigadores da Time Team apontam para a origem da peça ter proveniência do Império Bizantino, nomeadamente de Antioquia, localizado na atual Turquia. Terá sido produzida no século VI, centúria anterior do grande enterramento real.

Ao longo dos anos tem surgido diversos fragmentos do balde. Os primeiros pedaços foram encontrados em 1986, depois em 2012 e e finalmente no ano passado conseguiu-se descobrir a base e conteúdo do recipiente.

Em laboratório, os investigadores procedem à limpeza da base e conteúdo da peça arqueológica | Património da FAS
"Quebra-cabeças" de um vaso de cremação
Arqueólogos revelaram agora, em maio, os primeiros resultados das escavações começadas no ano passado, sobretudo dados retirados de um bloco de terra cheio de materiais arqueológicos.  

Este depósito passou por tomografias computadorizadas e raios-X na Universidade de Bradford antes de ser enviada para o York Archaeological Trust que procedeu a uma análise mais profunda, em novembro.

Uma análise cuidadosa revelou toda a base do recipiente de Bromeswell, que inclui decorações que completam os pés, patas, escudos de figuras, bem como ossos humanos e animais cremados no interior.

Angus Wainwright, arqueólogo do National Trust, espera que uma análise mais aprofundada "venha revelar mais informações sobre este enterro muito especial" e acredita que se possa tratar de uma "pessoa importante" na comunidade antiga de Sutton Hoo.

Os ossos humanos encontrados na escavação incluíam parte de um osso do tornozelo e fragmentos de crânio.

Junto estava também um pente  "inesperadamente intacto" e não queimado o que pode permitir ajudar a decifrar o ADN antigo do proprietário.

Os ossos humanos e de animais cremados encontrados dentro da base do balde Bromeswell, juntamente com um pente de dupla face | Património da FAS

Quanto aos ossos de animais, foi determinado que pertenciam a uma espécie maior que um porco. Os especialistas colocam a hipótese de pertencerem "a cavalo pois eram animais frequentemente incluídos nas primeiras piras de cremação anglo-saxônica como um sinal de alto estatuto".

A base do recipiente metálico e o pente estão agora a ser alvo de intervenção de restauro para permitir um maior estudo e reconstrução do enterramento.

Helen Geake, especialista anglo-saxónica da Time Team, acentuou que o "quebra-cabeça" do balde foi "finalmente" resolvido.

"É uma mistura notável - um recipiente do mundo do sul, clássico, contendo os restos de uma cremação muito norte, muito germânica", realçou.

"Sabíamos que este balde teria sido uma posse rara e valorizada nos tempos anglo-saxões, mas sempre foi um mistério por que foi enterrado", disse Wainwright.

Agora sabemos que foi usado para conter os restos mortais de uma pessoa importante na comunidade Sutton Hoo" acrescentou.

Além do famoso enterro do navio, um cemitério real foi então também identificado um cemitério anglo-saxão do século VI em Sutton Hoo no passado. 

Os arqueólogos determinaram que o cemitério anglo-saxão, que antecede o espaço fúnebre do navio real, contém pelo menos, 13 cremações e nove enterros.

Geake remata sublinhando a diversidade de Sutton Hoo: "Tem enterros de navios, enterros de cavalos, enterros em montes e agora enterros em balde metálico de banho. Quem sabe o que mais ainda este sítio arqueológico nos reserva?”.

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