Suu Kyi acusada de corrupção. Rússia e China condenam violência em Myanmar

por RTP
A Amnistia Internacional acusou os militares birmaneses de recorrerem a táticas de guerra contra os manifestantes. Na foto, protestos em Mandalay, a 10 de março de 2021 Reuters

Pelo menos mais 12 manifestantes foram mortos esta quinta-feira nos protestos contra o golpe militar de 1 de fevereiro em Myanmar, antiga Birmânia. A Amnistia Internacional denunciou o uso de táticas militares contra civis praticamente indefesos, enquanto os tradicionais aliados dos generais birmaneses, Pequim e Moscovo, se uniram aos restantes membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas para condenar a violência no país.

O Conselho aprovou por unanimidade na quarta-feira, 10 de março, um texto proposto pela Grã-Bretanha a apelar à contenção dos militares. Esse foi o limite das críticas subscritas pela Rússia e pela China, que, com o apoio da Índia e do Vietname, expurgaram do texto as menções iniciais de 'golpe militar' e de eventuais reações internacionais.

"Criticar os militares é uma estreia para a China", reagiu um diplomata europeu sob anonimato, admitindo a surpresa pela viragem de Pequim, que classificou até agora a crise birmanesa como assunto interno.

O secretário-geral das Nações Unidas disse esperar que o texto aprovado pelo Conselho de Segurança leve os militares a perceber que é "absolutamente essencial" que todos os prisioneiros sejam libertados e os resultados das eleições de novembro respeitados.
Acusações contra Suu Kyi
As legislativas de novembro foram ganhas de forma esmagadora pelo partido da líder pró-democracia Aung San Suu Kyi, entretanto colocada sob prisão domiciliar.

O general de brigada Zaw Min Tun, porta-voz da junta, revelou em conferência de imprensa esta quinta-feira que Suu Kyi está ser investigada por ter aceite subornos avaliados em 600 mil dólares, assim como ouro.

Os factos que originaram a queixa, oriunda de um antigo ministro de Rangum, Phyo Mien Thein, já foram "confirmados várias vezes", afirmou o general. "Agora é o comité anti-corrupção que está a prosseguir com as investigações", acrescentou Zaw.

As acusações foram sumariamente rejeitadas por Aye Ma Ma Myo, um deputado do Parlamento dissolvido eleito pela Liga para a Democracia de Suu Kyi.

"Já não é raro assistir a calúnias contra políticos e tentativas de esmagar o partido, enquanto jovens inocentes são assassinados em público", afirmou Aye numa mensagem enviada à Agência Reuters.

Esta quinta-feira foram confirmadas mais uma dezena de mortes em vários pontos do país, na repressão de protestos. Execuções em plena rua
No centro da cidade de Myang as forças armadas terão disparado fogo real contra os manifestantes, matando seis pessoas. Cinco delas receberam tiros na cabeça. Oito pessoas foram feridas, uma das quais ficou em estado grave. "Estávamos a protestar pacificamente", afirmou um homem de 31 anos, enquanto ajudava a carregar os corpos em Myang. "Não queria acreditar quando o fizeram".

No distrito de Dagon, o maior a norte da maior cidade de Myanmar, Rangum, testemunhas garantem que uma pessoa foi morta a tiro e publicaram na rede Facebook imagens de um homem estendido no chão com a cabeça ensanguentada. Foi identificado como Chit Min Thu, de 25 anos.
O corpo de Chit Min Thu, alvejado a 11 de março de 2021 com um tiro na cabeça, em plena rua de Dagon, Rangum, Myanmar Foto: Reuters
Em Mandalay foi relatada outra morte e mais duas pessoas feridas, sem que as equipas de socorro se atravessem a recuperar as vítimas. "Também somos alvejados", explicou um dos socorristas. Em Bago, uma cidade a nordeste de Rangum, Zaw Zaw Aung, o pai de um homem surdo de 33 anos, disse que o filho foi abatido com um tiro na cabeça.

A Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos contabilizava até quarta-feira as mortes de 60 manifestantes desde dia 1 de fevereiro e referia ainda a detenção de mais de duas mil pessoas anti-junta em pouco mais de um mês.

Os números variam e outras organização admitem mais de 80 mortos pelo menos até terça-feira, assim como milhares de feridos.

O relator das nações Unidas para Myanmar, Thomas Andrew, revelou em Genebra esta tarde que a junta militar "assassinou" pelo menos 70 pessoas desde que ascendeu ao poder, através de assassinatos, torturas e perseguição, referindo que estes atos podem constituir crimes contra a humanidade.

Mais de metade dos assassinados tinham menos de 25 anos acrescentou Thomas num relatório perante o Conselho da ONU para os Direitos Humanos.
Amnistia acusa
A Amnistia Internacional acusou por sua vez o exército de usar armas e táticas de guerra contra os manifestantes e referiu que muitas das mortes equivalem a execuções extra-judiciais.

Em comunicado, a ONG afirmou ter analisado 55 vídeos, gravados entre os dias 28 de fevereiro e 8 de março por membros do público e media locais, os quais comprovam que a "força letal é usada de forma planificada, premeditada e coordenada" pelo exército birmanês.

"Estas não são as ações de oficiais individuais sobrecarregados e a tomar más decisões", referiu Joanne Mariner, diretora do gabinete da Amnistia de resposta a crises, esta quinta-feira.

"Estes são comandantes impenitentes já implicados em crimes contra a humanidade, implementando as suas tropas e métodos assassinos para quem queira ver", acusou.

Segunda-feira foram confirmados os raptos nocturnos e as mortes por espancamento de dois membros da Liga para a Democracia.

Num dos bairros de Rangum centenas de jovens estudantes foram cercados segunda e terça-feira, enquanto a polícia fazia buscas casa a casa com promessas de castigar quem lhes desse refúgio. Várias dezenas conseguiram escapar graças à ajuda do público.

Pelo menos 50 pessoas foram detidas e a polícia prosseguiu as buscas nos dias seguintes, afirmando ter encontrado e apreendido muitas armas.
Junta volta a grantir eleições
A esperança dos birmaneses é que a pressão internacional faça os generais recuarem na violência.

O apoio da China às críticas internacionais e aos apelos à contenção poderá obrigar os generais birmaneses a refletir e alterar as táticas face aos manifestantes que acusam de desestabilizar o país. Os generais que derrubaram o Governo birmanês afirmaram pretender restaurar a democracia no país, após as eleições de novembro que consideraram fraudulentas.

O general de brigada Zaw Min Tun repetiu hoje que o governo militar será de curta duração, antes de novas eleições.

"Estamos a caminho da verdadeira democracia", afirmou, enquanto referia que as forças militares são disciplinadas e só usam a força contra os manifestantes quando julgam necessário.

Nas ruas, e apesar de uma repressão cada vez mais musculada, a maioria dos birmaneses rejeita estas garantias exigindo aos milhares diariamente o regresso aos quartéis e à submissão ao Governo eleito.
Apelos do Conselho de Segurança

Ao reagir à surpresa causada pelo seu voto no Conselho de Segurança, o embaixador da China na ONU foi claro ao explicar a nova estratégia do seu Governo no tocante a Myanmar.

"Já é altura de preceder à desescalada" e "é altura para dialogar", insistiu Zhang Jun em comunicado, depois do seu país ter aprovado o texto a condenar a violência dos militares birmaneses.

O diplomata afirmou que "a China também participou na negociação" organizada pela Grã-Bretanha no seio do Conselho de Segurança, para ser emitida uma declaração "de uma forma construtiva". "É importante que os membros do Conselho falem a uma só voz. Esperamos que a natureza da mensagem permite melhorar a situação em Myanmar", concluiu Zhang.

O texto unanimemente aprovado condena as ações violentas das forças de segurança birmanesas "contra os manifestantes pacíficos, incluindo mulheres, jovens e crianças".

O Conselho de Segurança apela também as partes a "procurar uma solução pacífica" para a crise e exige "a libertação imediata de todas as pessoas detidas arbitrariamente", sem contudo mencionar a possibilidade de sanções internacionais.

O Tesouro dos Estados Unidos anunciou entretanto sanções contra mais dois indivíduos em Myanmar e revelou que mais seis entidades poderão igualmente ser castigadas.
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