Taliban atacam em Cabul após visita de Obama ao Afeganistão

por RTP
"Podemos ver a luz de um novo dia", disse Barack Obama em Bagram, ao assinalar o primeiro aniversário da morte de Osama bin Laden Kevin Lamarque, EPA

Explosões em série e tiroteios ocorridos esta quarta-feira em Cabul resultaram num balanço de sete mortos e 17 feridos. Os ataques, que incidiram sobre um complexo habitado por trabalhadores estrangeiros, entre os quais funcionários das Nações Unidas e da União Europeia, tiveram a assinatura de militantes islamitas. A guerrilha taliban respondeu assim a uma visita-relâmpago do Presidente dos Estados Unidos ao Afeganistão. Pouco antes dos atentados, Barack Obama acertara com o homólogo afegão, Hamid Karzai, os moldes da influência militar que os norte-americanos querem manter no país depois da retirada das forças de combate em 2014.

Foi ao amanhecer, perto das 6h00 (3h00 em Lisboa), que a guerrilha islamita desencadeou uma sequência de detonações na região leste de Cabul. O alvo dos ataques foi um complexo habitacional utilizado por trabalhadores e empreiteiros estrangeiros.
A guerrilha taliban prometeu entretanto voltar a pôr em marcha, a partir de quinta-feira, a sua “ofensiva de primavera” por todo o território do Afeganistão.

Os alvos preferenciais serão, segundo os islamitas, as forças da NATO.

Na mira da operação “Al-Faruq”, avisaram os taliban na Internet, estarão em primeiro lugar os “invasores estrangeiros, os seus conselheiros, o seus subcontratados e todos aqueles que os ajudam militarmente e através de informações”.

A guerrilha havia já anunciado o início da “ofensiva de primavera” a 15 de abril, quando desencadeou seis ataques suicidas em Cabul contra alvos da Aliança Atlântica, representações diplomáticas ocidentais e edifícios governamentais.

Uma das primeiras explosões foi acionada por um militante suicida que conduzia um carro armadilhado, segundo o Ministério do Interior. O rebentamento atingiu uma carrinha que passava no local, matando os seus ocupantes. Causou também as mortes de um transeunte e de um segurança.

Mohammad Wali, um afegão de 21 anos, testemunhou o primeiro ataque. Num relato citado pela Associated Press, identificou uma das vítimas mortais: “Estava a caminho da escola quando vi uma explosão muito grande. Um carro explodiu e as chamas subiram muito alto. Então vi o corpo de um dos meus colegas caído na rua. Percebi que era um ataque suicida e fugi. Tive tanto medo”.

A agência noticiosa recolheu ainda o testemunho de um homem, residente naquela zona da cidade, que disse ter visto um grupo de atacantes que vestiam burqas.

“Um veículo parou aqui e seis pessoas com burqas entraram num beco com sacos pretos nas mãos. Quando entraram houve uma explosão”, descreveu.

Pouco depois das 9h00 ouvia-se outro rebentamento no interior do mesmo complexo. Seguiram-se vários disparos e uma terceira explosão. Todos os atacantes acabariam por ser abatidos. Um desfecho entretanto confirmado numa nota da Força de Assistência à Segurança no Afeganistão (ISAF).

“Tratava-se de um novo ataque desesperado dos taliban, mas houve outro desempenho notável das forças de segurança afegãs”, declarou o general alemão Carsten Jacobson, depois de indicar que as vítimas eram todas civis.
“Uma reação à visita de Obama”
A autoria do ataque ao complexo conhecido como Green Village foi entretanto reivindicada por um porta-voz da guerrilha extremista. Os taliban, clamou Zabiullah Mujahid, planearam as ações armadas como “uma reação à visita de Obama ao Afeganistão”. A mesma fonte dos combatentes islamitas aclarou também que se tratou de uma resposta a um pacto estratégico assinado horas antes pelos presidentes dos Estados Unidos e do Afeganistão. Um acordo que define o papel que a máquina militar norte-americana tenciona desempenhar naquele país após a retirada das tropas de combate.

Os cerca de 130 mil operacionais que compõem atualmente a ISAF deixarão progressivamente o território afegão até ao termo de 2014. A partir desse ano, a responsabilidade pela segurança do Afeganistão caberá por inteiro às estruturas militares e civis do país. Mais de dois terços dos soldados da missão internacional são norte-americanos.

O avião de Barack Obama aterrou a coberto da noite na base de Bagram. O Presidente dos Estados Unidos seguiu depois para Cabul a bordo de um helicóptero. Na capital afegã, assinou com o homólogo Hamid Karzai um acordo que prolonga em dez anos, para lá de 2014, a influência militar de Washington. Forças norte-americanas, explicou Obama, vão continuar envolvidas em operações de contraterrorismo e no treino de unidades afegãs. “Mas não vamos construir bases permanentes neste país, nem vamos patrulhar as suas cidades e montanhas”, ressalvou.

De regresso à segurança das instalações de Bagram, Barack Obama faria mais tarde um discurso para consumo dos norte-americanos. Com um par de blindados de transporte de tropas a servir de cenário, vestiu a pele de candidato à reeleição para cunhar o primeiro ano depois da operação que eliminou Osama bin Laden em solo paquistanês, sustentando que já é possível “ver a luz de um novo dia”.
“A batalha ainda não acabou”
A visita de Obama ao Afeganistão – a terceira enquanto inquilino da Casa Branca - acontece num contexto de tensões acrescidas contra a presença militar dos Estados Unidos. A contestação agudizou-se nos últimos meses com os casos da queima de exemplares do Corão na base aérea de Bagram e do morticínio de 17 civis, incluindo crianças, atribuído a um soldado norte-americano.

O pacto firmado por Obama e Karzai não compromete o Pentágono com quaisquer contingentes específicos. Tão-pouco com valores a gastar de futuro com o Afeganistão pós-ocupação, embora tenha ficado implícito que a Casa Branca vai procurar, todos os anos, obter verbas do Congresso para o apoio ao país. Ao dirigir-se aos norte-americanos, o Presidente dos Estados Unidos alegou que o acordo pode igualmente ser interpretado como um tributo aos operacionais que morreram desde o início da guerra, na esteira do 11 de Setembro de 2001 – em dez anos houve 1800 baixas.

Hamid Karzai quis afiançar, por seu turno, que o Afeganistão – pelo menos as estruturas governativas em funções – “nunca esquecerá” o apoio norte-americano. Ao mesmo tempo, disse-se consciente de que “a batalha ainda não acabou”: “Alguns dos vossos amigos vão ser feridos. E alguns dos vossos amigos podem morrer. E vai haver dor e dificuldades por diante”.

A escala de Barack Obama em Cabul fica ainda marcada por um embaraço diplomático nas redes sociais. Na manhã de terça-feira, uma rádio local afegã publicava no Twitter que o Air Force One do Presidente acabara de aterrar no país, comprometendo o secretismo inicial pretendido pela Administração norte-americana e, potencialmente, as medidas de segurança implementadas para a viagem. A embaixada dos Estados Unidos em Cabul utilizaria a mesma rede, pouco depois, para negar a presença de Obama: “Os relatos de que o Presidente Obama está em Cabul são falsos”.
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