Teledifusão de Macau pode tornar-se "órgão de propaganda" chinesa alertam Repórteres Sem Fronteiras

por Lusa
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O responsável dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) na Ásia disse hoje à Lusa que o canal público de rádio e televisão Teledifusão de Macau (TDM) pode converter-se num "órgão de propaganda" da China, devido à "censura da direção".

O diretor dos RSF no Sudeste Asiático, Cédric Alviani, comentava as diretrizes dadas aos jornalistas da TDM, em 10 de março, proibindo-os de divulgar informações contrárias às políticas da China e instando-os a aderir ao "princípio do patriotismo" e do "amor a Macau", uma interferência condenada pela organização, que denunciou igualmente a pressão sofrida pela emissora pública da região vizinha, a Rádio Televisão de Hong Kong (RTHK).

"Sabemos como as coisas se passam na China e percebe-se o espírito deste tipo de ordem, que é o de obrigar os jornalistas a alinharem-se com as decisões do partido", afirmou.

Alviani alertou que "no início será apenas em relação às grandes decisões do partido comunista, e depois, pouco a pouco, [o controlo] vai tornar-se mais apertado, e os órgãos audiovisuais públicos de Hong Kong e Macau podem vir a tornar-se órgãos de comunicação do Estado, tal como acontece na China".

"Seria uma regressão enorme que Hong Kong e Macau perdessem os seus órgãos de comunicação públicos e que estes se tornassem órgãos do Estado, ao serviço da propaganda dos respetivos Governos, alinhados com o Governo central da China", acrescentou, sublinhando a importância da independência dos canais públicos.

Alviani referiu que "é preciso lembrar que um `media` público pertence ao público, existe para informar o público, livre dos constrangimentos comerciais de outros órgãos, e deve ser mais independente que um órgão privado", e não "um órgão controlado pelo Estado, para fazer passar a sua propaganda".

Em 10 de março, os cerca de 40 jornalistas de língua portuguesa e inglesa de emissora pública de Macau, que conta com canais de televisão em português, inglês e chinês, e rádio em língua portuguesa e chinesa, foram notificados para comparecer numa reunião com a direção de informação, uma informação confirmada à Lusa por vários jornalistas da estação.

A direção de informação transmitiu verbalmente diretrizes como "a TDM divulga e promove o patriotismo, o respeito e o amor à pátria e a Macau" e "o pessoal da TDM não divulga informação ou opiniões contrárias às políticas do Governo Central da China", orientações criticadas nos dias seguintes pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) e o Sindicato de Jornalistas de Portugal.

Em comunicado, os Repórteres Sem Fronteiras condenaram igualmente, em 19 de março, "a interferência editorial da direção das emissoras públicas de Hong Kong e Macau", considerando que a sua independência estava "ameaçada pela censura da administração", e instaram "os governos das duas regiões administrativas especiais [RAE] a cessar os seus ataques à liberdade da imprensa".

A polémica levou a administração da Teledifusão de Macau (TDM) a anunciar, na semana passada, que o manual editorial da empresa pública vai continuar a ser cumprido, após uma reunião com "jornalistas da Direção de Informação e Programas Portugueses", reiterando, no entanto, a adesão ao "princípio do patriotismo" e do "amor a Macau".

Para o responsável dos RSF, são princípios "absolutamente incompatíveis" com o exercício do jornalismo.

"É absolutamente inaceitável que, a pretexto do patriotismo, se obrigue os jornalistas a calarem-se, é abrir a porta a todos os abusos", denunciou.

"Em todos os regimes autoritários do mundo, o patriotismo e o amor à pátria são utilizados para impedir os jornalistas de criticar as autoridades. Amar o seu país é ser capaz de criticar o que é feito pelos seus dirigentes, que não são infalíveis, e é importante que os jornalistas tenham espírito crítico", sublinhou.

Para Alviani, Macau sofre agora as pressões que a vizinha Hong Kong conhece há alguns anos.

"Está em conformidade com o que se passa em Hong Kong, onde há pelo menos dois anos os jornalistas do canal público de televisão são vítimas de assédio e pressão", considerou, denunciando "uma tentativa das autoridades de substituir a direção por pessoas-chave que garantam uma certa censura" e alertando que o exercício do jornalismo nas duas regiões sob administração chinesa "é cada vez mais arriscado".

"A lei da segurança nacional [em Hong Kong] abre a porta a penas sem precedentes, e as leis estão escritas de maneira tão imprecisa que poderiam ser aplicadas a qualquer jornalista".

Em comunicado, a ONG considerou ainda que "estes atos de interferência editorial violam o direito dos residentes em Hong Kong e Macau ao acesso a informação independente, tal como estabelecido nas Leis Básicas respetivas".

A lei básica de Macau, espécie de mini-Constituição que deverá estar em vigor até 2049, garante aos residentes "liberdade de expressão [e] de imprensa".

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