The Lancet. Hidroxicloroquina não ajuda a tratar Covid-19, muito pelo contrário

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Lindsey Wasson, Reuters

Isolados ou em combinação com azitromicina, as moléculas antimalária cloroquina e o seu derivado hidroxicloroquina têm vindo a ganhar protagonismo na batalha contra a Covid-19, em particular na última semana, depois de o presidente norte-americano, Donald Trump, admitir tomar diariamente hidroxicloroquina para se manter protegido do novo coronavírus. Não existe, contudo, qualquer investigação que apoie a sua eficácia no contexto da actual pandemia deste coronavírus. O que existe é um estudo que aponta para maior probabilidade de morrer e que acaba e ser divulgado pela revista científica The Lancet.

Donald Trump não foi o primeiro apologista das propriedades benéficas da hidroxicloroquina no combate a este coronavírus, mas é seguramente a figura mais célebre a promover este medicamento num momento em que os laboratórios estão num contrarrelógio para encontrar uma solução farmacológica que se revele eficaz. Questionado sobre as razões desta prescrição, o presidente assegurou que está a ser acompanhado pelo médico da Casa Branca, não sendo porém claro nas suas explicações sobre a origem desta ideia.

O médico, tanto quanto foi dito por Trump, não se opôs a que o presidente tomasse a hidroxicloroquina. Nada faz, contudo, supor que a ideia tenha partido do clínico. E por uma razão simples: não existia investigação que provasse que a hidroxicloroquina é uma droga eficaz contra o novo coronavírus. Pelo contrário, como se sabe agora.

Um artigo publicado esta sexta-feira por The Lancet faz saber do primeiro ensaio em larga escala sobre os efeitos da cloroquina e da hidroxicloroquina em doentes de covid-19. E os resultados não deixam dúvidas: estas moléculas aumentam substancialmente a probabilidade de morte dos pacientes, pelo que são totalmente desaconselhadas como tratamento contra o novo coronavírus.

A revista assinala que estamos perante a presença de substâncias com risco de toxicidade cardíaca que podem levar, entre outras coisas, a arritmia ventricular, taquicardia ou fibrilação e, consequentemente, morte.

Nesse estudo para verificar os efeitos da cloroquina e da hidroxicloroquina (quatro tratamentos: combinadas com macrolide ou isoladas), refere a revista que os doentes de covid-19 que receberam estes tratamentos apresentaram riscos de mortalidade consideravelmente superiores ao do grupo de controlo que não recebeu estes fármacos. O risco de morte do grupo que recebeu as moléculas foi 34 a 45% superior ao grupo de controlo que não recebeu as moléculas; o risco de arritmia cinco vezes superior.

Em conclusão, apontando as limitações metodológicas do estudo, The Lancet sublinha a inexistência de vantagens deste tipo de medicação na luta contra a covid-19. Pelo contrário, o uso de hidroxicloroquina e cloroquina são claras ameaças à vida dos doentes, fruto das potenciais arritmias ventriculares provocadas pelo tratamento. O fenómeno em causa é o torsades de pointes. Do francês "torções das pontas", torsades de pointes são um fenômeno identificado no eletrocardiograma como um tipo de arritmia ventricular polimórfica rara associada a uma perturbação na repolarização ventricular.

Apesar de a relação de toda esta linha de causa-efeito não ser ainda clara para os investigadores, alguma coisa, algures, coloca em risco a vida dos pacientes de covid-19 medicados com hidroxicloroquina e cloroquina.
Tópicos
pub