Tony Blair volta a ser interrogado sobre o Iraque

por António Carneiro, RTP
Tony Blair (à esquerda) e um dos seus guarda-costas deixam o local onde o ex-primeiro ministro teve de voltar a prestar declarações sobre o envolvimento britânico na guerra do Iraque . Andy Rain, EPA

Pela segunda vez, Tony Blair viu-se forçado a testemunhar perante a comissão que investiga o envolvimento do Reino Unido na guerra do Iraque. O antigo primeiro-ministro britânico voltou a ser chamado depois de testemunhas terem levantado dúvidas sobre alguns aspetos das declarações feitas por Blair no seu primeiro depoimento.

Quando Tony Blair chegou ao local da comissão de inquérito, foi saudado por algumas dezenas de manifestantes antiguerra que ergueram bandeiras e gritaram palavras de ordem a classificá-lo de “terrorista”.

Uma vez no interior, o antigo governante argumentou que no primeiro testemunho à comissão, a sua recusa em manifestar arrependimento pelas decisões que conduziram à guerra, tinha sido mal interpretada.

Mais tarde, quando Blair disse “lamentar profundamente a perda de vidas” durante o conflito do Iraque, ouviram-se gritos de “tarde demais” vindos da galeria do público.

Durante a audição de Tony Blair, o painel de cinco elementos tornou públicas cartas e documentos que revelam as intensas discussões que decorreram nas altas esferas do Governo britânico sobre a forma de responder à alegada ameaça representada por Saddam Hussein.

Motivos “óbvios” para derrubar SaddamNuma carta dirigida ao seu chefe de estado-maior, Jonathan Powell, o então primeiro-ministro dizia na altura que os motivos para remover o líder iraquiano do poder “deveriam ser óbvios”.

Segundo Blair, as nações que se opõem às ditaduras, e que anteriormente tinham apoiado a ação militar no Kosovo, Afeganistão e Serra leoa, deveriam estar “com ganas” de se lançar a Saddam.

Nessa mesma carta dirigida a Powell, o então primeiro-ministro admitia que seria difícil convencer os céticos da necessidade de ação, e reconhecia que, na altura, o plano de armamento iraquiano “não parecia obviamente pior do que três anos antes”.

“A tarefa de persuasão neste aspeto parece-me muito difícil” escreveu Tony Blair “A opinião pública é frágil. A opinião internacional, tal como constatei na União Europeia, está muito cética”.

Fazendo o ponto da situação, Blair prosseguia dizendo “as pessoas pensam que nós [a Grã-Bretanha] só estamos a fazer isto para apoiar os Estados Unidos e que eles [os EUA] só estão a fazer isto para ajustar velhas contas” . Por esse motivo, opinou Blair, “ temos de reorganizar a nossa história e a mensagem a passar. Cada vez mais acho que [a mensagem] deve ser acerca da natureza do regime”.

Campanha de informação “Rolls Royce
Na resposta, o chefe de estado-maior disse a Blair que se deveriam focar “numa campanha de informação Rolls Royce” sobre os abusos de direitos humanos cometidos pelo regime de Saddam.

Outro documento agora divulgado é uma nota, preparada, em dezembro de 2001, por outro alto-conselheiro, a avisar Blair que a justificação legal para uma ação militar seria “mínima” . Noutros documentos é possível constatar que em janeiro de 2003, os responsáveis britânicos ainda se afadigavam em busca de pretextos legais para justificar o conflito.

O Governo a que Blair presidiu tem sido muito criticado por ter, alegadamente, exagerado os motivos para fazer a guerra e ter deturpado informações dos serviços de inteligência, de modo a aumentar o apoio da opinião pública ao conflito.

No testemunho prestado à comissão de inquérito, Tony Blair reafirmou repetidamente o seu ponto de vista, de que os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos, significam que as nações terão de lidar ativamente com os potenciais agressores, e não apenas contê-los como até aí.

“Não encarei o 11 de setembro como um ataque à América”, disse Blair, “vi-o como um ataque a nós… ao Ocidente” afirmou, numa sala repleta de familiares de alguns dos 179 militares britânicos mortos na missão de seis anos no Iraque.

“Terrorismo não pode ser controlado”Segundo Blair, alguns líderes, incluindo o então presidente francês Jacques Chirac, acreditavam que a ameaça do terrorismo poderia ser contida sem necessidade de um conflito armado aberto. “A outra corrente de opinião, da qual eu partilho, é a de que este é um assunto profundo, com um enorme e devastador potencial de destruição, e nós temos de o confrontar” defendeu o ex-primeiro-ministro.

“A coisa mais difícil que temos de enfrentar hoje (…) é o risco deste novo tipo de terrorismo e extremismo, baseado na perversão ideológica da fé islâmica, combinado com a tecnologia que permite matar pessoas em larga escala” declarou. “Embora atualmente haja muita gente a acreditar que o extremismo pode ser controlado, eu não penso que seja verdade. Creio que ele tem de ser confrontado e alterado”, reforçou.

Antes da audiência de hoje, as autoridades britânicas recusaram-se a tornar publicas notas, a que o painel de inquérito teve acesso, que Blair tinha enviado na altura ao então presidente dos EUA George W. Bush.

Blair apoiou esta decisão, dizendo que os líderes “têm de poder comunicar com confiança”, mas reconheceu que tinha oferecido apoio ao presidente americano. No entanto, negou que tenha dito a Bush “o que quer que seja que você decidir estarei consigo”.

“Eu disse a Bush, que podia contar connosco, vamos estar ao vosso lado para lidar com esta questão, mas há estas e estas dificuldades”, afirmou Tony Blair.

Críticas ao IrãoDurante o depoimento, o antigo primeiro-ministro britânico lançou ainda um forte ataque “à nocividade” do Irão que, segundo ele, encoraja o terrorismo” no Médio Oriente, ao mesmo tempo que sublinhou a ausência de resultados da “política de mão estendida” para com Teerão seguida, na atualidade, pelo Presidente Obama.

“Passo a maior parte do meu tempo na região [como enviado oficial do quarteto de paz para o Médio Oriente] e vejo o impacto e a influência do Irão por todo o lado”, declarou à comissão. A influência “é nociva, desestabilizadora, apoia os grupos terroristas e faz tudo o que pode para pôr entraves ao processo de paz no Médio Oriente” declarou o antigo líder do partido trabalhista britânico.

“A verdade é que [o Irão] age assim porque está fundamentalmente em desacordo com o nosso modo de vida e que vai continuar no mesmo caminho, a menos que encontre pela frente a determinação necessária e, se for preciso, a força”, argumentou.

“O Presidente Obama foi em março de 2009 ao Cairo, no próprio coração do Islão. Pronunciou então um discurso em que declarava, ponhamos de parte a era Bush, estendo-vos hoje a mão da amizade. Vós, o Irão, podeis entrar numa parceria. Sois uma civilização antiga e orgulha, e nós receber-vos-emos de braços abertos” , recordou Blair.

“E qual foi a resposta que obteve? Eles continuaram com o terrorismo e com a desestabilização. Continuaram com o seu programa de armas nucleares”, denunciou Blair, antes de concluir: “A dada altura, teremos de tirar as cabeças da areia,”

Blair, que foi primeiro-ministro do Reino Unido entre 1997 e 2007, sofreu, desta vez, um interrogatório mais incisivo do que na primeira audiência, na qual fez uma apaixonada defesa das suas decisões relacionadas com a guerra do Iraque e exortou os atuais líderes a fazerem tudo para travarem o programa nuclear do Irão.

O apoio a BushGrande parte das provas examinadas desde o início dos trabalhos da comissão, tem-se focado nas acusações de que Blair ofereceu a Bush apoio à invasão já mesmo em abril de 2002, um ano antes de os legisladores terem aprovado o envolvimento britânico na operação.

O painel de inquérito foi formado pelo Governo Britânico para avaliar retrospetivamente as justificações que conduziram à guerra e os erros no planeamento da reconstrução pós-conflito, mas não tem poderes para estabelecer culpa civil ou criminal.

As recomendações da comissão, aguardadas para o fim do ano, vão focar-se, em vez disso, nas formas de lidar futuramente com situações como a que conduziu à guerra e aos fracassos do processo de reconstrução.
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