TPI inicia audiência à revelia contra ugandês acusado de crimes contra a humanidade
Uma audiência de acusação perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o ugandês Joseph Kony, acusado de crimes contra a humanidade e de guerra, tem início terça-feira, em Haia, no primeiro processo à revelia realizado pelo tribunal.
O famoso "senhor da guerra" Joseph Kony, fundador e líder do movimento rebelde Exército de Resistência do Senhor (LRA), que aterrorizou o norte do Uganda, enfrenta 33 acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, incluindo homicídio, tratamento cruel, escravidão, violação e ataques contra a população civil.
A audiência não é um julgamento, mas permite que os procuradores apresentem o caso em tribunal para depois serem avaliadas provas e os juízes decidirem se confirmam ou não as acusações contra Kony, sendo que não pode ser julgado sem estar presente.
Lançado em 2005, o mandado de prisão contra Kony é o primeiro emitido pelo TPI, criado para julgar os piores crimes do mundo, mas, 20 anos depois, o líder do LRA continua incontactável, desconhecendo-se o seu paradeiro, e o regulamento do tribunal proíbe qualquer julgamento à revelia, sendo que, em 03 de junho, o Tribunal de Recurso do TPI decidiu sobre a possibilidade de ser julgado à revelia.
A defesa, que representa o líder do LRA na sua ausência, solicitou o cancelamento da audiência, classificando-a como "um enorme desperdício de tempo, dinheiro e esforço, sem qualquer benefício".
Os procuradores consideram que a realização desta audiência, denominada de confirmação das acusações, acelerará um potencial julgamento no caso de Kony ser detido.
Salientam também a importância para as vítimas de que as acusações contra Kony sejam levadas ao TPI.
O LRA, criado em 1987, tinha como objetivo derrubar o Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, que está no seu sexto mandato, e criar um Estado baseado na interpretação dos dez mandamentos bíblicos.
Em 2005, enfrentando a pressão das forças armadas ugandesas, o movimento rebelde enfraqueceu, tornando-se mais violento e cometendo atrocidades como a mutilação de civis e o sequestro de pessoas, incluindo crianças.
O grupo foi expulso do Uganda, o que levou os seus membros a dividirem-se e fugirem para países vizinhos, como o Sudão, o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo (RDCongo) e a República Centro-Africana (RCA), continuando a cometer atrocidades.
Segundo a Organização Não-Governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW), no Uganda, entre 1987 e 2006, o LRA raptou pelo menos 20.000 crianças e fez com que mais de 1,9 milhões de pessoas fossem deslocadas.
Este grupo, que aterrorizou durante trinta anos vastas zonas da África Central, também é acusado de ser responsável pela morte de mais de 100.000 pessoas e pelo rapto de 60.000 crianças, rapazes convertidos em soldados e raparigas em escravas sexuais, segundo uma estimativa da Organização das Nações Unidas.
Nos últimos anos os crimes cometidos pelo movimento diminuíram significativamente.
De acordo com testemunhas, as crianças eram obrigadas a matar familiares e outras pessoas. Também foi descrito por ex-detidos que havia rituais, como beber o sangue das vítimas e amputações punitivas.
Numa rara entrevista, em 2006, Joseph Kony afirmou não ser "um terrorista" e classificou como falsas e propaganda as alegações de atrocidades cometidas pelo LRA, negando também o rapto de crianças.
Em 2011, os Estados Unidos (EUA) enviaram cerca de 100 militares das Forças Especiais para ajudar as forças da União Africana (UA) a encontrar Kony, número que mais tarde aumentou para cerca de 250, sendo que a missão terminou em 2017 sem qualquer sinal do fugitivo.
Um ano depois, Kony ganhou notoriedade internacional após o grupo de defesa Invisible Children ter divulgado um vídeo online destacando os seus crimes, especialmente aqueles contra crianças.
Os EUA ofereceram até 5 milhões de dólares (4,27 milhões de euros) em recompensas por informações que levassem à captura de Joseph Kony.
As autoridades ugandesas acreditam que Kony está vivo e possivelmente escondido na região fronteiriça sem lei entre a RCA e a região de Darfur do Sul, no Sudão.
A maioria dos principais líderes do LRA foi morta ou capturada, enquanto Kony, de alguma forma, sobrevive, aumentando o mito em torno do "senhor da guerra".