Trump-Biden. O debate em que os perdedores foram os eleitores americanos

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Olivier Douliery - Reuters

“É impossível falar com este palhaço”. Esta frase destemperada de Joe Biden face a um Donald Trump fora de controlo, com apartes e interrupções constantes, ilustra o debate desta noite para as Presidenciais norte-americanas, o primeiro de três confrontos entre o Presidente e o candidato democrata. Porventura uma estratégia da equipa de Trump, entalado entre 200 mil mortos por covid-19 e a fuga aos impostos, o resultado foi a incapacidade total de perceber uma linha narrativa contínua do pensamento político dos dois intervenientes.

Já está rotulado como o pior debate da história. Ao fim de meia hora, jornalistas e analistas viraram-se para o Twitter onde a queixa era comum: ainda vamos ter mais uma hora disto.

A incapacidade do moderador, o jornalista da Fox News Chris Wallace, de controlar o Presidente ficou clara quando Joe Biden, constantemente interrompido, se virou para Donald Trump e pediu: “Donald, importa-se de ficar calado por um minuto?”. O tom truculento escolhido pelo Presidente e um oponente aparentemente incapaz de elevar a voz para se fazer ouvir não ajudaram a clarificar as posições de nenhuma das campanhas na corrida de 3 de Novembro.

O jornalista Dan Rather resumiu o debate num tweet: “Vi muito nos meus mais de 60 anos como repórter. Mas nunca vi nada parecido com o que aconteceu esta noite. Em vez de neste momento ter algumas respostas, fico com uma pergunta: A sério?”.

Foram vários os assuntos que ficaram por esclarecer: a situação fiscal de Donald Trump, desde a investigação de domingo do New York Times sob a mancha de que pagou apenas 750 dólares em impostos,

Remetendo a assunto da revelação das declarações de impostos para depois, Trump teve no entanto tempo e audácia de dizer que foi uma lei que Biden ajudou a passar que lhe permitiu a ele e a qualquer homem de negócios na América fugir aos impostos. E, num auto-elogio dessa manobra contra a caixa fiscal dos americanos, deixando por momentos a capa presidencial para voltar à condição de homem do imobiliário, sublinhou perante as câmaras que isso é o que deve fazer qualquer homem de negócios que se preze: “É o que nós [empresários] fazemos”.

Por discutir ficaram os bastidores dessa situação fiscal ruinosa: a possibilidade de Donal Trump ter uma dívida gigantesca de centenas de milhões de dólares. Uma dívida que o Departamento de Estado considere preocupante pode ser factor de eliminação para que um americano ingresse na administração pública.

Consideram as autoridades que um funcionário com este tipo de “debilidade” estaria, por exemplo, mais exposto a subornos. A preocupação levantada com a declaração de impostos de Trump e a possibilidade de uma dívida do conglomerado empresarial do Presidente na ordem dos 500 milhões de dólares é a própria segurança dos Estados Unidos como país.

Os analistas apontam a possibilidade de Donald Trump tomar decisões a nível das relações diplomáticas com parceiros e países terceiros que criem um ambiente favorável para os seus negócios. Em causa, afirmam, está a própria segurança dos Estados Unidos.
Colar Biden a uma estratégia socialista e às manifestações antifas da esquerda radical foram das poucas linhas semelhantes a uma estratégia que tivesse Trump, que ao longo do debate foi desafiando Biden a descolar-se de Bernie Sanders para depois o avisar que estava “a perder a esquerda”. “Law & Order” (lei e ordem) é uma expressão querida ao Presidente, que a usou insistentemente a noite passada, acusando o oponente de a evitar por não estar do lado das autoridades neste momento em que as ruas das cidades americanas são pontuadas por motins constantes.

Biden rejeitou a acusação para sublinhar que não apoia as acções policiais assentes na violência. Afirmando que acredita que os próprios polícias censuram este tipo de acçõs aos colegas mais desbragados, Biden lembrou o caso de Breonna Taylor, uma americana de 26 anos, técnica de saúde, negra, morta a tiro pela polícia de Louisville em março deste ano dentro da sua própria casa, num claro equívoco de identidade.

O Presidente recusaria pelo seu lado condenar os supremacistas brancos e membros de milícias espalhados pelo país. Biden confessaria que a razão de se ter candidatado foram os comentários de Trump sobre os acontecimentos de 2017 em Charlotsville, ao dizer que havia boa gente dos dois lados quando supremacistas brancos marcharam sobre a cidade.

De resto, acabado o debate, sem um vencedor para anunciar, o grande perdedor foram os americanos e o eleitorado. Donald Trump reforçou a imagem de contendor truculento, sem limites éticos, sem capacidade argumentativa para lá da negação (“Fake news” – São notícias falsas) e dos ataques na onda do bullying. Joe Biden, por outro lado, apresentou-se demasiado polido, com capacidade argumentativa mas sem a estamina requerida neste primeiro confronto para remeter Trump a um canto do ringue.
“O Partido Democrático sou eu”

Logo no início do embate, com a nomeação para o Supremo Tribunal a ser o primeiro assunto puxado por Chris Wallace, a questão foi para lá do nome que substituirá a juíza Ruth Baden Ginsburg. A escolha de Trump recaiu sobre a juíza católica e ultra-conservadora Amy Coney Barrett.

Neste ponto Biden assinalou que em questão não está apenas numa corrente conservadora que dominará o Supremo em 6-3 (três dos juízes conservadores foram nomeados por Trump), mas na própria luta pelos direitos dos americanos mais fragilizados. Estão aqui em questão os cuidados de saúde para pessoas que apenas poderão aceder aos seguros em condições muito especiais, como é o caso daqueles que têm já problemas crónicos e das mulheres, com o democrata a anunciar a intenção de expandir o Obamacare.

Donald Trump lançou a Biden a farpa de que “o seu partido não pensa assim”, que não é o que têm dito. Joe Biden foi peremptório ao afirmar “neste momento o Partido Democrático sou eu”.

Uma rara posição de força que teria uma réplica mais para o meio do debate, quando chamou a Trump “o caniche de Putin”. No mesmo tom em que Trump desfiou Biden por este evitar falar de lei e ordem, aqui foi Biden a acusar Trump de evitar mencionar o nome de Putin por estar na mão do Presidente russo.
Um departamento do debate que deveria, em circunstâncias normais, fazer acender todas as luzes vermelhas foi a rejeição de Donald Trump de reconhecer os resultados eleitorais em caso de derrota. Biden afirmou que acataria a escolha dos americanos, mas o Presidente, na linha argumentativa que vem alimentando com ataques constantes ao voto por correspondência, não se compromete com os resultados que saírem da noite eleitoral de 3 de Novembro.

Uma incongruência de Trump, uma vez que ele próprio recorreu já a esta forma de votar. O Presidente não teve qualquer problema em desmentir-se e dizer que não havia dito o que havia dito. Um exemplo desta dança na corda bamba foi a máscara como forma de combater a pandemia provocada pelo novo coronavírus.

A máscara, mas também a decisão de fechar ou manter os negócios abertos, assim como a chegada de uma vacina. Trump acena aos americanos com uma vacina antes da eleição de Novembro, estando na verdade a anunciar um unicórnio que apague o registo dessas mais de 200 mil mortes por covid-19 que muitos especialistas – cientistas, médicos e até especialistas da Administração – afirmam que teriam sido reduzidos a metade se fossem implementadas nos EUA medidas sérias de distanciamento social e uso de máscara.
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