Trump sob nuvem de suspeitas com saída de Mueller

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
“Rússia, Rússia, Rússia. Era tudo o que se ouvia no início desta caça às bruxas” Kevin Lamarque - Reuters

O relatório de Robert Mueller foi entregue no último mês de março após uma investigação de quase dois anos. Na quarta-feira o procurador especial falou publicamente sobre as conclusões: não é clara a inocência, quer em respeito ao conluio da equipa de Donald Trump com o Kremlin, quer na acusação de tentativa de obstrução da justiça. O Presidente dos Estados Unidos começou por reagir vagamente com um “acabou-se”, mas voltou entretanto à carga com outra determinação.

Na manhã desta quinta-feira, Trump lançou uma série de acusações contra Robert Mueller, face à incapacidade de provar a sua inocência em toda a linha. O instrumento foi, como não podia deixar de ser, o Twitter.



“Rússia, Rússia, Rússia. Era tudo o que se ouvia no início desta caça às bruxas”, disparava no primeiro tweet, para seguir com uma declaração aos repórteres: “Não, a Rússia não me ajudou. Sabem quem me fez eleger? Sabe quem me elegeu? Eu fui eleito. A Rússia não me ajudou. A Rússia, se fez alguma coisa, foi ajudar o outro lado”.

Uma chuva de tweets para acabar com o habitual e elementar ataque ao carácter do visado, neste caso o procurador especial.


“Robert Mueller veio à Sala Oval (junto com outros potenciais candidatos) à procura de ser nomeado diretor do FBI. Uma posição em que já esteve por 12 anos, e eu disse-lhe que não. No dia seguinte, foi nomeado procurador especial - um conflito de interesses total. BOA!”, pode ler-se.
Mueller e o rasto da dúvida
Vinte e dois meses e 32 milhões de dólares depois, são duas as guidelines fornecidas pelo próprio Mueller para compreender o relatório sobre as alegadas interferências russas nas presidenciais de 2016. Primeira: não é possível ilibar com toda a certeza o Presidente. Segunda: fosse qual fosse a conclusão, não haveria condições para indiciar o Presidente em exercício face à Constituição.“Se tivéssemos confiança de que o Presidente claramente não cometeu um crime, teríamos dito”.

Um apêndice à investigação foram as suspeitas de que o Presidente norte-americano terá procurado travar o trabalho da equipa do procurador especial. Sobre este aspeto, na conferência de imprensa de quarta-feira, Robert Mueller sublinhou que Trump não é inocente na tentativa de obstrução. Neste caso, por exemplo, fica em aberto a questão sobre se Trump obstruiu a justiça ao demitir o diretor do FBI James Comey.

“Se tivéssemos a certeza de que o Presidente não cometeu nenhum crime, assim o teríamos dito”, declarou Mueller.

Apesar de toda a teia que foi descoberta relativamente a contactos entre alto responsáveis da sua campanha com figuras posteriormente ligadas ao Kremlin, inclusive do seu filho mais velho, Donald Trump Jr., com uma advogada em plena sede de campanha, na Trump Tower, Trump acaba por sair relativamente inocentado da alegada colaboração na operação russa para influenciar as presidenciais.

Nas suas palavras, concluído o trabalho o que ficou foram “provas insuficientes” para acusar a equipa de campanha de Donald Trump de conspirar com a Rússia para ganhar vantagem na corrida eleitoral de 2016 à Casa Branca. O mesmo não é tão claro no que toca ao cenário de obstrução. O relatório de Mueller fala em dez os casos em que o presidente terá tentado impedir a investigação.

Entretanto, independentemente do veredicto sobre as suspeitas de conluio que acompanham Trump como uma sombra desde que esta Administração entrou em funções, Mueller confirma as suspeitas dos analistas políticos e de alguns membros do Partido Democrático: este é o tipo de processo que nunca serviria de catalisador a um impeachment e que não sustenta por si só um processo contra um Presidente em exercício.

“Um Presidente não pode ser acusado da prática de um crime federal enquanto exerce o cargo. Isso seria inconstitucional. Seria injusto acusar potencialmente alguém quando depois nenhum tribunal poderia julgar essas acusações”, explicou Robert Mueller.

“É necessário um outro tipo de processo que não o judicial para acusar formalmente o presidente em funções de ter cometido alguma irregularidade”, propugnou o procurador especial, apontando a uma intervenção da esfera política. A sugestão aponta a um processo de impeachment. Contudo, nem todos os democratas se inclinam nessa direção, havendo a tese de que será mais vantajoso concentrar as forças na eleição de 2020.



A própria speaker da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, integra essa corrente e não o escondeu ao reagir às palavras do procurador: “O Congresso vai continuar a investigar e a legislar para proteger as nossas eleições e a nossa democracia [porque] os norte-americanos devem saber a verdade”.

Merece contudo atenção a ideia com que Mueller terminou esta declaração à imprensa e especialmente dirigida aos americanos: “Reitero que a alegação central das nossas acusações, de que houve múltiplos, sistemáticos esforços de interferir nas nossas eleições [por parte de Moscovo]. E essa alegação merece a atenção de todos os americanos”, concluiu o procurador especial, que agora deixa o Departamento de Justiça com a promessa de que não voltará a falar deste dossier. E que nem uma convocatória para depor perante o Congresso alterará esta determinação.
Uma sombra sobre a Casa Branca

Há dois anos sob suspeita do mais grave dos crimes que poderiam ser atribuídos a um Presidente, o de traição, Donald Trump sempre se disse alvo de uma perseguição sem fundamento, uma espécie de “caça às bruxas”. Desde que entrou na Casa Branca, o caminho de Trump tem sido marcado pelo atrito, não só nas relações com os democratas como também com os elementos da sua própria equipa, com um entra e sai da Administração como nunca foi registado em mandatos presidenciais anteriores.

O resumo do relatório de Mueller alinhavado pelo procurador-geral Bill Barr – nomeado em fevereiro para substituir Jeff Sessions, que começava a criar pruridos no Presidente – chegou no final de março em auxílio de Trump, para deixar na altura a ideia de que ficavam dissipadas todas as suspeitas de contacto com elementos que estariam ligados a Vladimir Putin aquando da corrida às Presidenciais de 2016.

Bill Barr foi o procurador-geral talhado para libertar – na medida exacta – o Relatório Mueller. Quatro páginas foi a decisão. Duas conclusões fatídicas para os democratas: não houve conluio e Donald Trump não obstruiu a Justiça, uma manobra apontada à estratégia democrata que ainda apostava num eventual impeachment do Presidente, numa altura em que acabava de garantir o domínio da câmara dos representantes.

Foi a seguinte declaração de Barr que provocou na altura o júbilo do Trump: “A investigação não estabeleceu que os membros da campanha Trump tenham conspirado ou se tenham coordenado com o governo russo durante a campanha eleitoral”.

“Um ataque ilegal que falhou (An ilegal take-down that failed – numa referência a uma placagem no futebol americano) e espero que agora comecem a olhar para o outro lado [os democratas]”, foi desta forma que Trump resumiu o processo desencadeado em 2017, assim que tomou posse em Washington. Um processo que paralelamente levou a múltiplas demissões, substituições de procuradores e condenações mais ou menos graves dos colaboradores mais próximos, como foi o caso de Paul Manafort e Michael Cohen.

Um dos visados nas investigações foi o primogénito de Trump no referido episódio com a advogada russa na Trump Tower, um caso que seria comentado pelo ideólogo da campanha de Trump. Steve Bannon falou de traição e trapalhada de Donald Trump Jr., o que levaria ao afastamento definitivo entre Trump e Bannon, com ataques e acusações mútuas de loucura e insanidade que chegaram a animar a imprensa no início de 2018.
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