Tubarões-baleia são atração turística nas Filipinas. Biólogos receiam alterações comportamentais da espécie

por RTP
Reuters

Nos últimos anos os tubarões-baleia são uma das principais atrações turísticas das Filipinas. Mergulhadores profissionais e turistas viajam até à praia de Tan-awan, na ilha de Cebu, para poderem nadar com estes animais marinhos e, para os atrairem até à costa, os residentes e trabalhadores no setor do turismo alimentam-nos frequentemente. Embora sejam animais marinhos inofensivos, os biólogos receiam que esta interação com os seres humanos possa alterar os comportamentos desta espécie.

Considerado um animal em extinção, os tubarões-baleia já são difíceis de encontrar na natureza, principalmente devido aos padrões migratórios. No entanto, em alguns locais turísticos como Cebu, uma ilha filipina, as pessoas viajam de qualquer parte do mundo só para ver e, se possível, interagir com este animais marinhos.

Com cerca de 12 metros de comprimento e, geralmente, 12,5 toneladas, este tubarão é o maior peixe e vertebrado não-mamífero do mundo. Mas de assustador tem pouco: para além de não ter dentes que lhe permitam morder e aleijar, alimenta-se apenas de plâncton e pequenos peixes e outros organismos, como camarões ou lulas. E, dada a sua natureza dócil, tornou-se um alvo fácil para o setor do turismo nas águas quentes do Pacífico.

Contudo, os biólogos têm alertado, nos últimos anos, sobre o risco que esta interação pode representar para a vida selvagem e os ecossistemas marinhos, além de poder contribuir para alterações comportamentais da espécie - como os padrões alimentares, as fases migratórias, as relações entre as populações de tubarões-baleia, entre outros.

"Oslob, na província filipina de Cebu, está entre os lugares mais populares das Filipinas para ver e interagir com os tubarões-baleia. No entanto, os tubarões-baleia de Oslob são iscados com camarão", alertou em 2017 a World Wide Fund for Nature (WWF) num relatório.

A organização não-governamental considerava já na altura que "as pessoas devem respeitar a natureza dos tubarões-baleia, visto serem animais altamente migratórios que não devem ser treinados para ficar num só lugar".

"Ao alimentá-los, as pessoas estão a modificar o seu comportamento natural, o que pode afetar gravemente a maneira como vivem e se reproduzem".

Segundo os cientistas, quando alimentados pelos seres humanos diariamente, estes animais tendem a permanecer durante períodos mais longos no mesmo local, sendo que alguns destes tubarões são mesmo vistos "todos os dias". O problema, salientam, é que isto "altera completamente o seu comportamento natural, uma vez que são espécies migratórias".

"Mantê-los no mesmo sítio pode ter efeitos negativos a longo prazo no seu ciclo de vida, assim como na sua capacidade de reprodução"
.

Alem disso, são atraídos para as zonas costeiras quando alimentados por camarões pequenos, o que pode não satisfazer as necessidades nutricionais destes animais.
Pandemia afetou turismo mas tubarões-baleia continuam a ser alimentados

Oslob é, atualmente, o maior destino turístico para ver tubarões-baleia, tendo recebido mais de 500 mil turistas em 2018, segundo a Forbes. A população de tubarões-baleia está em declínio há mais de uma década mas, paralelamente, o turismo em Tan-awan está a aumentar devido a esta atração.

Apesar dos alertas dos biólogos, nos últimos anos, mesmo durante a pandemia e a suspensão da atividade do setor do turismo, os habitantes da praia de Tan-awan continuaram a alimentar quase diariamente os animais, o que contribuiu para que nem mesmo nesses meses muitos dos tubarões tenham feito a sua migração habitual para a costa australiana.

"A acessibilidade torna-os uma espécie-alvo muito fácil", explicou ao New York Times a bióloga marinha Ariana Agustines. "Com a caça, infelizmente, no passado; e agora com o turismo".

Esta espécie costuma ter uma "dieta muito variada" mas a alimentação pelos humanos mudou os seus padrões comportamentais. Na praia de Tan-Awan, são alimentados com camarão sergestídeo, conhecido localmente como "uyap".

"É apenas um tipo de alimento", afirmou Agustines. "É uma grande alteração à dieta natural".

A questão é que ao serem alimentados regularmente também começaram a alterar os seus comportamentos, passando cada vez mais tempo perto da superfície da água, acabando por se ferir e sujeitar a outros perigos, como barcos que estão atracados na zona costeira.

Apesar de todos os apelos dos especialistas, como os habitantes de Tan-awan conseguem garantir que os turistas pelo menos vejam um tubarão à superficíe, não pretendem deixar de os alimentar. Só em 2019, o lucro da industria do turismo, principalmente com os encontros com tubarões-baleia, foi superior a 3,5 milhões de dólares.

"Os tubarões-baleia ajudaram-nos", contou ao NYT Lorene de Guzman. "Trouxeram emprego para as pessoas".

Além disso, segundo o filipino que trabalha no setor do turismo, as pessoas que alimentam os tubarões têm aprendido a viver perto dos animais, assim como os tubarões já se habituaram às pessoas.

"Eles aceitaram-nos. E vão embora se não os alimentarmos, o que vai ferir os seus sentimentos. Vão ficar de mau humor", disse ainda Guzman. "Nós alimentamos este animais mesmo se o nosso orçamento acabar. Pedimos dinheiro emprestado para os poder alimentar".
Tubarões-baleia em risco de extinção

Esta prática de alimentação dos tubarões-baleia tem sido alvo constante de críticas e apelos por parte de muitos especialistas e organizações ambientais.

Foram identificados cerca de 1.900 tubarões-baleia nas águas das Filipinas, sendo já a segunda maior população conhecida do mundo. Globalmente, a população de tubarões-baleia foi reduzida em mais de metade nos últimos 75 anos, e o declínio na região do Indo-Pacífico foi ainda mais acentuado, dados que levaram a introduzir estes animais na lista de 2016 de espécies em vias de extinção.

Mas estes alertas não afetam as populações que vivem do turismo.

"Conhecemos os tubarões-baleia melhor do que os cientistas"
, disse Mark Rendon, pescador em Tan-awan.

Para Rendon há uma preocupação muito maior: a pandemia da Covid-19. Sem turistas, os trabalhadores do setor do turismo têm procurado outras fontes de rendimento alternativas.

À medida que a pandemia se prolongava, muitos dos guardas dos tubarões-baleia começaram a voltar aos seus antigos ofícios, como a pesca, por exemplo.


"Na maioria dos locais de onde os animais não estão a ser alimentados, é sazonal", explicou Ariana Agustines sobre o aparecimento dos tubarões-baleia. "Com essa sazonalidade, há uma oportunidade de ter um conjunto diferente de empregos para que a comunidade não dependa totalmente de apenas um tipo de fonte de rendimento".

Mas, mesmo em tempo de pandemia, os tubarões-baleia continuaram a aparecer à superfície, na hora habitual, para serem alimentados.

Segundo Rendon, os guardas recorreram a diferentes órgãos do Estado para conseguir financiamento para o camarão. Por isso, se deixarem de os alimentar, deixam também de ter ajudas governamentais.

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