Tunísia – A Estabilidade Relativa?

por Felipe Pathé Duarte - Comentador de Assuntos Internacionais da RTP
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Passaram sete anos desde o início das “Primaveras Árabes”. Regimes mudaram, guerras civis rebentaram, houve conflitos que alteraram dinâmicas regionais e vazios de poder que deram origem a Estados falhados. No meio desta turbulência, a Tunísia foi sempre dada como um sucesso na transição pós-revolucionária. Mas os protestos no início deste mês poderão pôr em causa este adágio. A longo prazo a estabilidade tunisina poderá ser cada vez mais relativa. Analisemos então o contexto, para estabelecer alguns possíveis cenários.


O Contexto:

No início do ano entrou em vigor uma nova Lei de Finanças para 2018, que inclui um orçamento de austeridade – com aumentos de impostos, do preço dos combustíveis e reduções nos benefícios sociais. O governo tunisino está sob pressão do Fundo Monetário Internacional para reduzir o deficit de 6% do PIB, em 2017, para 4,9%. Em 2016, o PIB da Tunísia foi cerca 100 mil milhões de euros, com uma taxa de crescimento de 1%. E o desemprego está entre os 14 e 15% (dados do World Factbook – CIA). Além disso, houve uma contracção do mercado de trabalho, em parte devido à queda no turismo, fruto dos ataques terroristas nos últimos dois anos – o tiroteio na estância turística de Sousse em Junho e o ataque ao museu do Bardo em Março.

Os protestos começaram do dia 7 de Janeiro, por sinal alguns dias antes do início das manifestações que, em 2011, deram origem à chamada “Primavera Árabe”, com a morte Mohamed Bouazizi. Tal como então, o leitmotiv de agora passa por reformas económicas e sociais. Ou seja, sete anos após a revolta que derrubou o governo de Ben Ali, os problemas económicos não foram resolvidos.

A resposta dos tunisinos aos cortes orçamentais pode ser volátil. Os elevados índices de desemprego entre os jovens e o crescimento lento serão motores para dar continuidade aos protestos. Além disso, é muito provável que a UGTT – o sindicato mais poderoso da Tunísia – também se oponha a estes cortes no sector público e se junte massivamente aos protestos. Os manifestantes têm como palavra de ordem a expressão sqaat an-nizaam, isto é, a queda do regime.



Cenários a ter em Conta:


a) Dimensão Política

Como se disse, a Tunísia é o único exemplo de um país árabe que transitou com sucesso de um governo autoritário para uma democracia em funcionamento – em contraste com o caos da Líbia e a governação autoritária do Egipto. No entanto, a estrutura económica pouco mudou, com a infanção a aumentar. Desde 2011 que os vários governos têm lutado para promulgar reformas fiscais e estabilizar o ambiente de segurança do país, mas sem grande sucesso. Agora, os problemas económicos, associados a um crescimento lento, espoletaram protestos contra o desemprego e, sublinho, contra a corrupção/confiança nas instituições estatais.

Mas a 6 de Maio os tunisinos vão ter as segundas eleições desde a “Primavera Árabe”. Este poderá ser um teste de resiliência às duas variáveis que sustentam a transição política da Tunísia: a implementação da nova constituição de 2014 e as políticas implementadas pelo governo de coligação de Youssef Chahed. Repare-se ainda que dois terços dos tunisinos boicotaram as eleições legislativas e presidenciais de 2014. Portanto, o dia 6 de Maio será também um barómetro para as eleições nacionais de 2019.

A aliança secular-islamista que está no poder perdeu popularidade nos últimos três anos. Há muitas diferenças entre partido secularista Nidaa Tounes e os islamistas do Ennahda. A curto prazo é provável que a aliança entre as duas partes se mantenha, mas as eleições legislativas de 2019 vão, com certeza, reformular o cenário político.

b) Dimensão securitária

Mesmo que a tensão actual diminua, manifestações esporádicas provavelmente ocorrerão nas próximas semanas. Contudo, poderá haver uma intensificação dos protestos no período de vigência das eleições, tornando a situação politica e socialmente volátil. Note-se que a cidade de Sidi Bouzid, onde os protestos ocorreram em 9 de Janeiro, foi também o epicentro da Revolução da Tunísia em 2011 – há um efeito mimético e simbólico a considerar. Portanto, a curto prazo, a reacção do governo determinará se os protestos se transformam num movimento mais amplo, ou não.

Devemos também lembrar que o risco de violência jihadista na região ainda permanece alto. E a ameaça pode espalhar-se através das porosas fronteiras com a Líbia e com a Argélia. Embora o ambiente de segurança da Tunísia esteja relativamente estabilizado desde 2015, a ameaça representada da militância islamista permanece substancial. O risco do jihadismo transfronteiriço aumenta à medida que o DAESH perde terreno na Líbia. E os grupos afiliados da al-Qaeda, que operam na Argélia, também tornaram a fronteira tunisina vulnerável a ataques. Aliás, um recente ataque frustrado no Parlamento da Tunísia ilustra o risco persistente deste tipo de ataques terroristas. É de lembrar também que deste país saiu o maior contingente, per capita, de combatentes do DAESH – cerca de 6000.

Sete anos depois do início das “Primaveras Árabes”, o futuro da Tunísia é incerto. Não sabemos ainda se estes protestos são o início da qualquer coisa, ou apenas uma reacção localizada. Porém, a insatisfação e o desespero da população jovem poderão pôr em causa um regime de fraca estrutura. Ou seja, para além de económico, os protestos poderão passar a ser também políticos. E se associarmos este contexto com a proximidade geográfica da Líbia, é possível termos mais um espaço de revolução, radicalização e/ou ditadura no flanco sul do “nosso” lago mediterrânico.
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