Invasão da Ucrânia gerou a mais rápida crise de refugiados desde a II Guerra

por Inês Moreira Santos - RTP
Dumitro Doru - EPA

Só na primeira semana da invasão russa da Ucrânia, as Nações Unidas relataram que tinham fugido do país cerca de um milhão de pessoas. Esta quinta-feira marca três semanas de ofensiva e o número de deslocados já supera os três milhões. Este conflito na Europa desencadeou, segundo a ONU, a mais rápida deslocação de refugiados da história e a mais grave crise humanitária no Velho Continente desde a II Guerra Mundial.

Pelo menos 4,8 milhões de pessoas tiveram de abandonar as suas casas na Ucrânia, desde o início da invasão russa, e mais de três milhões atravessaram as fronteiras para procurar refúgio noutro país, segundo os mais recentes dados da ONU.

É a crise de refugiados mais rápida na Europa desde a Segunda Guerra Mundial”, escreveu no Twiiter Filippo Grandi, alto comissário da ONU para os Refugiados (ACNUR), ainda no 10.º dia de ofensiva russa na Ucrânia, quando os deslocados de guerra já superavam o milhão e meio.


Além dos que deixaram o país, a ONU estima que haja quase dois milhões de pessoas “deslocadas internamente na Ucrânia”, acrescentou Grandi, lamentando que “milhões [de pessoas] tenham sido forçadas a deixar as suas casas por causa de uma guerra sem sentido”.

A cada dia que passa e se intensifica a escalada do conflito, o ACNUR adverte que a situação se mantém “extremamente perigosa para qualquer pessoa dentro da Ucrânia e que a vulnerabilidade das pessoas forçadas a fugir está a aumentar rapidamente, com mais pessoas a precisar de apoio imediato”.

Segundo os dados desta organização, esta é, de facto, a crise de refugiados mais rápida na Europa e no mundo desde 1950, o que se deve ao contexto geográfico, social e económico do conflito. Contrariamente a outras crises migratórias de deslocados de guerra, as fronteiras com os países vizinhos da Ucrânia estão abertas, há mais meios de comunicação e, principalmente, redes de transporte sem precedentes que permitem a retirada de pessoas do país.

A Polónia é o país que, até agora, recebeu o maior número de refugiados da Ucrânia. Mas a Roménia, a Hungria e a Moldávia também estão a receber diariamente centenas a milhares de deslocados deste conflito.
Crise migratória na Europa ou europeia?
Na história recente, esta não é a primeira crise de refugiados na Europa. Mas é a primeira vez que os países europeus colaboram, nos últimos anos, no que diz respeito aos migrantes.

"Não pelo tamanho - não é o que movimentou o maior número de pessoas -, mas pela velocidade do voo e pelas relações geopolíticas do asilo", explicou ao jornal catalão La Vanguardia Blanca Garcés Mascareñas, investigadora da área de Migração de Centro d'Afers Internacional de Barcelona (CIDOB).

É evidente, segundo a especialista, que desta vez os refugiados são bem-vindos, estão a ser bem recebidos e tanto a narrativa política e como a da comunicação social é diferente. O que não teria acontecido se, com noutras alturas, os países vizinhos e a União Europeia não tivessem aberto as fronteiras durante o conflito.

O mesmo não aconteceu quando deslocados de guerra na Síria, na Líbia ou no Iraque tentaram refugiar-se no continente europeu. Os ucranianos, até agora, não têm precisado de visto para circular na Europa.

Para refugiados sírios, libaneses, afegãos ou iraquianos poderem pedir asilo, "muitas vezes, implica cometer uma ilegalidade, visto que chegar à Europa é o primeiro requisito para solicitar asilo", explicou ainda Garcés. Quando atravessar uma fronteira deixa de ser um obstáculo, a velocidade de entrada de refugiados acelera e a migração ocorre sem problema. E no caso dos refugiados da Ucrânia a circulação migratória pode ocorrer por via terrestre, estão já no Continente Europeu, não têm de atravessar o Mediterrâneo.

Em qualquer conflito, os primeiros a fugir do país são as famílias com mais rendimentos e capacidade económica e uma boa rede de contactos do outro lado da fronteira. Mas agora, na guerra da Ucrânia, as redes sociais e a comunicação de forma global tem propiciado essa rede de contactos que possibilita a retirada e acolhimento de cidadãos vindo de território ucraniano.
Critérios de acolhimento de refugiados?
No entanto, nem a proximidade fronteiriça entre a Ucrânia e a União Europeia nem as redes de contactos teriam sido suficientes para facilitar este êxodo, se não houve uma “vontade política” de acolher os ucranianos. Tanto os cidadãos como as instituições europeias se juntaram para garantir asilo e ajuda humanitária a todos os que tentaram fugir do conflito. Só na primeira semana da guerra houve um financiamento europeu de 500 milhões de euros para ajuda humanitária.

“Todas as justificações políticas que existiam para dificultar a entrada de refugiados de repente desaparecem com a Ucrânia”, explicou ao jornal espanhol Lorenzo Gabrielli, investigador do Grupo de Migração da Universidade Pompeu Fabra.

Para receber e acolher os deslocados de guerra da Ucrânia, os Estados-membros da UE ativaram a Diretiva de Proteção Temporária, que foi aprovada em 2021 e nunca antes tinha sido usada – norma que garante a proteção temporária dos cidadãos ucranianos por um período de um ano, e prorrogável até três anos.

A ativação deste mecanismo apenas para a população ucraniana é um sinal, para Garcés, de que é uma exceção específica e não uma mudança na política comum da UE em relação à chegada de refugiados de outras nacinalidades. A UE aguarda desde 2015, quando eclodiu a crise dos refugiados sírios na Europa, a renovação do seu sistema de asilo.

“Nestes sete anos, não foi possível chegar a um acordo sobre a divisão e distribuição de responsabilidades entre os diferentes Estados-membros”
, explicou também Gabrielli.

Recorde-se que, em dezembro de 2021, o presidente da Hungria, Víktor Orban, declarou o encerramento das fronteiras para qualquer refugiado. Dois meses depois, com a invasão russa da Ucrânia, o seu discurso mudou e anunciou que permitia a entrada de todos os cidadãos ucranianos que precisassem de asilo.

"Este tipo de declarações mostra que só os ucranianos são bem-vindos”
, contiuou Garcés. “Não só pela necessidade urgente de proteção internacional, mas também como europeus, cristãos, civilizados e de classe média".

Mas a investigadora relembra que o asilo é um direito que não pode depender de critérios raciais, culturais, de classe ou de proximidade. Ou pelo menos, segundo o artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
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