Ucrânia. Exército civil prepara-se para potencial invasão russa

por Inês Moreira Santos - RTP
Vyacheslav Madiyevskyy - Reuters

A segunda maior cidade da Ucrânia, Karkhiv ou Carcóvia, fica a apenas 40 quilómetros da fronteira com a Rússia e vive, nos últimos tempos, sob ameaça de uma potencial invasão russa. Mas os residentes desta cidade industrial já começaram a preparar-se para o pior reunindo-se para formar um exército paramilitar.

“A Rússia pode tentar ocupar a cidade industrial de Kharkiv, se realizar uma ação militar na Ucrânia, e isso seria o início de uma 'guerra em larga escala'”, disse o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy, na sexta-feira passada, ao Washington Post.

Atualmente, Moscovo tem dezenas de milhares de soldados perto da fronteira com a Ucrânia e Kharkiv, no leste do país e a 42 quilómetros da fronteira, é a segunda maior cidade da ex-república soviética e uma das que abriga mais antigas fábricas de tanques, aviões e tratores.

“Direi de forma realista que se a Rússia decidir aumentar a escalada é óbvio que o fará nos territórios onde historicamente há pessoas que costumavam ter laços familiares com a Rússia”, disse Zelenskiy. “Kharkiv, que está sob controlo do Governo da Ucrânia, pode ser ocupada. A Rússia precisa de um pretexto: vai alegar que está a proteger a população de língua russa”.

No mesmo dia, o prefeito de Kharkiv, Igor Terekhov, garantiu que a cidade com 1,4 milhões de habitantes está “tranquila e controlada” e que ninguém a irá invadir.

“Quero garantir a todos os moradores de Kharkiv que a cidade está pronta para impedir a entrada de um potencial invasor, temos todas as forças para defender Kharkiv”, disse Ihor Terekhov, através do Facebook.

Apesar da ameaça de invasão, os habitantes desta cidade ucraniana tentam viver com alguma normalidade e preparam-se para o pior cenário.
Soldados civis de Kharkiv
Uma das velhas e desativadas fábricas de Kharkiv foi entregue às Forças de Defesa Territoriais de Kharkiv, numa altura em que a Ucrânia pondera reforçar as suas forças militares, e está a servir como local de preparação das Forças Especiais Ucranianas.

O principal objetivo é preparar os ucranianos para uma grande resistência nacional”, explicou à Al Jazeera Mykhailo, um cidadão de Kharkiv e membro das Forças Especiais Ucranianas.

Na cidade, uma equipa das Forças de Defesa territoriais em Kharkiv, composta por um grupo diversificado de soldados com diferentes habilidades e reservistas, pretende preparar a população local para proteger as suas casas e a cidade em caso de invasão.

O risco é grande, segundo os analistas, que recordam que Kharkiv está localizada num potencial ponto de entrada que as forças russas podem usar se decidirem invadir a Ucrânia. E, à medida que os rumores de uma invasão correm pela cidade, o interesse pelas forças de reserva aumentou.

“Lutar pela proteção de nossa própria casa é uma grande motivação”, afirmou Mykhailo. “Os habitantes também estão a aprender a usar armas antimilitares, a organizar grupos de resistência e a realizar atividades de sabotagem em caso de ocupação pelas forças russas”.
População local na linha da frente

As novas bases das Forças Armadas Territoriais que estão a reaparecer em todo o país são o resultado de uma lei introduzida durante a última escalada que a Ucrânia enfrentou, que passou a permitir o uso de armas de caça para defesa territorial.

Mykola Levchencko, um oficial das reservas, contou à publicação que muitas pessoas que tem treinado, compraram armas e munições pessoais, importadas dos Estados Unidos, de Israel ou da Turquia. E Vasily, um major das Forças Territoriais em Izyum, cidade próxima de Kharkiv, acredita que a Rússia enfrentará um exército bem treinado e capaz de proteger as principais cidades.

“Grande parte da população local tem experiência na linha de frente”, disse Vasily. “Estão preparados psicologicamente para o combate no caso de uma invasão”.

Apesar destes treinos e da formação de um exército paramilitar, no centro de Kharkiv não há indícios de que a cidade esteja na vanguarda de uma possível invasão. Os cafés e restaurantes estão lotados, as feiras de inverno estão a funcionar normalmente e estudantes internacionais continuam a encher as ruas.

A verdade é que a ameaça de um ataque é algo que os habitantes de Kharkiv já tiveram de enfrentar e com o qual aprenderam a conviver desde que os separatistas apoiados pela Rússia invadiram o leste da Ucrânia e a Crimeia, em 2014.

“Isto é uma grande guerra mundial e estamos no meio; algo vai acontecer mais cedo ou mais tarde”, disse à Al Jazeera uma adolescente, mencionada como Alina, acrescentando que já aprendeu a lidar com estas tensões e agora quer viver “uma vida normal de adolescente”.

Muitos dos novos soldados treinados pelas Forças de Defesa Territorial consideram que a preparação e a formação deste exército é uma questão de “senso de dever”.

“Prometi à minha família que os protegia”, disse Roman, um recruta de 27 anos de Izyum.

Mas, embora os preparativos estejam em curso, todos querem evitar uma guerra com a Rússia.

A Ucrânia vive numa situação de escalada desde a revolução de 2013 que levou à queda do então presidente Viktor Yanukovych, um oligarca com ligações ao Kremlin. A queda do regime levou a um conflito entre os apoiantes de uma maior abertura progressista ao Ocidente e à União Europeia e os mais conservadores apoiantes da ligação à Rússia, herdada dos tempos da União Soviética.

A anexação pela Rússia da península da Crimeia, em março de 2014, marcou a cisão entre Moscovo e o Ocidente na questão ucraniana. Embora não assumindo abertamente um apoio efetivo, é a Rússia quem tem permitido às forças separatistas manterem uma barricada no sudeste da Ucrânia, nos "oblasts" (regiões) de Donetsk e Luhansk, num território para o qual exigem independência.
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