Uma crise iminente? China regista menor crescimento populacional em décadas

por Andreia Martins - RTP
Um grupo de crianças acompanhadas pelos pais brincam em Shekou, na cidade de Shenzhen, na China. Reuters

Os dados revelados por Pequim esta terça-feira mostram que a população chinesa cresceu ao ritmo mais lento das últimas décadas. Em média, houve um crescimento anual de 0,53 por cento ao longo dos últimos dez anos, abaixo dos 0,57 por cento registados entre os anos 2000 e 2010. É o crescimento mais lento desde o início dos censos modernos, na década de 1950.

Tal como tantas outras nações desenvolvidas, também a China se prepara para enfrentar uma crise iminente. A população da China territorial cresceu de 1,4 mil milhões em 2019 para 1,412 mil milhões em 2020, mas os resultados mostram que o  país “entrou num ponto crítico e de viragem, com a população em rápido envelhecimento e um crescimento populacional que vai acabar em breve com a tendência de crescimento de cinco décadas”.

Quem o diz é o Global Times, jornal chinês em língua inglesa sob as ordens do Partido Comunista Chinês, que cita os resultados deste que é o sétimo grande censo a nível nacional. Os resultados revelam “que a população da China não está apenas a diminuir, mas também que a estrutura demográfica se deteriora com o envelhecimento da população”.

O censo em causa foi realizado no fim de 2020, com cerca de sete milhões de recenseadores a recolherem informações das famílias chinesas de porta a porta. Tendo em conta a dimensão do inquérito, este é considerado o mais abrangente e informativo sobre a população chinesa e que pode trazer pistas importantes para o planeamento futuro. Os resultados foram divulgados pelo Departamento Nacional de Estatísticas esta terça-feira, um mês depois do esperado.

Em média, houve um crescimento anual de 0,53 por cento ao longo dos últimos dez anos, abaixo dos 0,57 por cento registados entre os anos 2000 e 2010.

No total, entre 2010 e 2020, a população da China continental cresceu 5,38 por cento, o pior resultado desde 1953. Na década anterior, entre 2000 e 2010, a população tinha crescido um total de 5,84 por cento, revelam os registos de resultados recolhidos pelo Departamento Nacional de Estatísticas (DNE) citados pela agência Xinhua.

“Os dados mostram que a população da China manteve um crescimento lento na última década”, refere Ning Jizhe, chefe do DNE.

De acordo com o DNE, os números não incluem os residentes de Hong Kong, Macau e Taiwan, além dos estrangeiros que vivem nas 31 províncias, regiões autónomas e municípios da parte continental da China.

O crescimento demográfico na China tem vindo a diminuir desde que a política do filho único foi introduzida no final da década de 1970. No auge desta política de controlo de natalidade, os pais que tinham mais do que um filho enfrentaram desde multas a perda de emprego ou mesmo abortos forçados.
População pode começar a cair em 2022

Os resultados deste último censo são uma referência importante para um possível ajuste da política económica do país por parte dos decisores chineses, mas também para o possível aumento da idade de reforma. De acordo com o Global Times, esse adiamento pode chegar já no próximo ano.

De acordo com os demógrafos chineses, ainda que a China tenha registado um aumento populacional em 2020, a tendência de descida é inevitável também naquele país e que a população poderá começar a cair já a partir de 2022. Outros preveem que a contração comece em 2027.

O problema é comum a várias nações desenvolvidas como a Itália ou o Japão, a nação mais envelhecida do mundo. Mas na China os sinais de alarme surgem numa altura em que a segunda maior economia do mundo parece entrar em declínio populacional irreversível sem ter acumulado primeiro a riqueza das famílias ao nível de outros países que fazem parte do G7.

Ning Jizhe, responsável pelo Departamento Nacional de Estatísticas, argumenta que a taxa de fertilidade em queda no país é um resultado natural do desenvolvimento social e económico da China, com maior foco na educação ou na realização profissional.

Em 2016, quando já se previa a possibilidade de um futuro declínio populacional, a China substituiu a política de filho único - inicialmente imposta em 1979 para conter a explosão populacional - para estabelecer um limite de dois filhos por casal.

No entanto, essa mudança não foi suficiente para uma diminuição brutal no número de nados-vivos em apenas quatro anos. Se em 2016 nasceram 18 milhões de bebés, no ano passado nasceram 12 milhões. Um número que continua a ser “considerável”, mas que evidencia a tendência de queda, afirmou Ning Jizhe.

Agora, os demógrafos preveem que a China levante todas as restrições à natalidade num futuro bastante próximo. He Yafu, um perito ouvido pelo Global Times, refere que as limitações de planeamento familiar possam cair ainda este ano, na sexta sessão plenária do 19º Comité Central do Partido Comunista Chinês, que se reúne no outono.

No entanto, o levantamento das restrições poderá não ser suficiente para resolver o problema e “evitar que a China se torne noutro Japão”, escreve o Global Times.

He Yafu defende que serão mesmo necessárias medidas de incentivo à natalidade, incluindo subsídios para casais que optem por ter mais do que um filho, em completo contraste com as restrições aplicadas nas últimas décadas.

Em relação à população em idade ativa (entre os 16 e os 59 anos), houve também uma diminuição em 40 milhões por comparação ao último censos de 2010. Zeng Yuping, responsável por este censo, salienta que o número de população em idade ativa continua a ser significativo, com 880 milhões de pessoas.

“Ainda temos uma força de trabalho abundante”, afirmou esta perita, citada pela BBC. No entanto, reconheceu que a queda contínua deste número daqui em diante “colocará um limite ao crescimento económico potencial da China”.

O verdadeiro impacto desta redução poderá ultrapassar as fronteiras deste gigante económico. “A economia da China cresceu muito rapidamente e muitas indústrias do mundo dependem da China. O alcance do impacto de um declínio populacional será muito amplo”, alerta Yi Fuxian, cientista da Universidade de Wisconsin-Madison, citado pela BBC.
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