Unicef alimenta crianças no Reino Unido. "Manobra política reles", reage líder conservador

por Graça Andrade Ramos - RTP
Jacob Rees Mogg, líder da Câmara dos Comuns e Lorde Presidente do Conselho, em Londres a 19 de novembro de 2020 Reuters

O líder da Câmara dos Comuns e Lorde Presidente do Conselho, o conservador Jacob Rees Mogg, acusou esta quinta-feira a Unicef de "brincar à política" e disse que a agência da ONU deveria ter "vergonha na cara", após o anúncio de que o Fundo iria alimentar crianças no Reino Unido, pela primeira vez em 70 anos de história.

Quarta-feira a organização internacional de apoio à infância revelou que iria apoiar com 25.000 libras (cerca de 27.700 euros) um projeto de refeições em 25 escolas de Southwark, um distrito a sul de Londres, muito afetado pelo "impacto sem precedentes" da pandemia de Covid-19, que tem lançado na pobreza milhares de pessoas.Um estudo da Fundação Social Market concluiu recentemente que quase dois milhões de crianças britânicas estarão a passar fome desde que a pandemia começou. O Trussell Trust, o maior banco alimentar do Reino Unido, revelou por seu lado que, só as suas subsidiárias, distribuíram 1.2 milhões de cabazes de emergência entre abril e outubro deste ano.

O distrito de Southwark, que acolhe a organização School Food Matters ("A Alimentação na Escola Importa") que vai receber o apoio da Unicef, é regido por elementos do Partido Trabalhista, o maior da oposição ao executivo de Boris Johnson.

Recentemente, os trabalhistas criticaram com veemência a recusa dos conservadores em alargar o programa de refeições gratuitas a crianças vulneráveis durante as férias, em outubro.

Para Rees Mogg, a intervenção anunciada pelo Fundo da Nações Unidas para a Infância (Unicef) não passa assim de uma "manobra política do tipo mais reles".

"Penso que é realmente um escândalo que a Unicef brinque à política desta forma", reagiu o líder conservador, "quando é suposto estar a cuidar de pessoas nos países mais pobres, mais carentes, países do mundo onde as pessoas estão famintas, onde há fomes e onde há guerras civis, e eles marcam uma posição politica desta forma baixa, dando, penso eu, 25 mil libras a uma câmara municipal. É uma manobra política do tipo mais reles".

"A Unicef devia ter vergonha na cara", acrescentou.

Rees Mogg foi educado em Eton e em Oxford e é um multimilionário que, antes de ingressar na política pelo Partido Conservador, sob a liderança de Tony Blair, fez carreira como gestor de fundos de investimento especulativo. Os seus críticos acusam-no de não ter noção real das dificuldades porque passam a maioria das pessoas.

Além de líder da Câmara dos Comuns, Jacob Rees Mogg é Lorde Presidente do Conselho, o que faz dele o quarto dos Grandes Oficiais do Estado britânico, logo a seguir ao Lorde Tesoureiro. Neste cargo assiste às reuniões e apresenta os assuntos para aprovação do monarca, ocupando um lugar do Executivo.
"Cada criança é importante"
O gabinete do primeiro-ministro Boris Johnson recusou comentar ao jornal The Independent se este concordava com Rees Mogg. Mas os comentários do conservador não ficaram sem resposta.

"Os únicos que deviam ter vergonha são Boris Johnson e o resto do seu Governo, por deixarem as nossas crianças passar fome", afirmou Angela Rayner, secretária-geral adjunta do Partido Trabalhista.
O primeiro-ministro e "o seu ministro da Economia, Rishi Sunai, deveriam estar envergonhados por uma organização de caridade que opera em zonas de guerra e de desastres naturais ter de alimentar as nossas crianças", referiu na rede social Twitter a dirigente trabalhista.
"O único escândalo aqui é este Governo conservador podre que deixa 4.2 milhões de crianças a viver na pobreza, um número que só vai aumentar devido a crise do coronavírus", acusou ainda Rayner.

Anna Kettley, diretora de programas da Unicef Reino Unido, afirmou que a ajuda pontual se insere no programa de 700 mil libras destinadas a comunidades gravemente afetadas pela pandemia durante a presente crise.

"A Unicef irá continuar a aplicar os nossos fundos internacional na ajuda às crianças mais pobres do mundo. Cremos que cada criança é importante e merece sobreviver e prosperar, seja em que país tiver nascido", disse Kettley.

Stephanie Slater, fundadora e diretora executiva da organização School Food Matters acolheu o auxílio com alívio. "Muitas famílias em situação precária estão a enfrentar uma realidade crua de umas férias Natal sem acesso às refeições escolares gratuitas", declarou.

No seu comunicado, a agência da ONU indicou a sua subvenção ao programa School Food Matters será utilizada para fornecer 18.000 pequenos-almoços -- que incluem 1,2 toneladas de fruta e de legumes - aos alunos de 25 escolas de Southwark, e será proporcional às famílias durante das férias de Natal.

Poderá não ficar por aqui.

"O financiamento será uma ajuda durante este período, embora seja necessária uma solução a longo prazo para se analisar as causas fundamentais da pobreza", escreveu Anna Kettley, ao diário britânico The Guardian.
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