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Uso de energia nuclear para reduzir emissões de carbono divide Estados norte-americanos

por Inês Moreira Santos - RTP
Johanna Geron - Reuters

As emissões de gases com efeito estufa nos Estados Unidos aumentaram 6,2 por cento em 2021, em comparação com o ano anterior, o que significa que o país pode estar longe de atingir as metas climáticas, propostas por Joe Biden, para 2030. Mas, à medida que os efeitos das alterações climáticas se fazem sentir e pressionam os Governos a acelerar a redução das emissões e do consumo de combustíveis fósseis, há quem comece a questionar se a energia solar, a eólica e outras fontes de energia renovável serão suficientes para manter Estados inteiros com eletricidade.

Um relatório, divulgado a 10 de janeiro pelo Grupo Rhodium, revelou que no ano passado, nos EUA, houve um aumento de 17 por cento no consumo de energia elétrica derivada de combustíveis fósseis como o carvão.

"As razões são múltiplas", explicou no documento Nives Dolsak, diretor da Escola de Assuntos Marinhos e Ambientais da Universidade de Washington. "A razão mais importante é que o substituto do carvão, o gás natural, ficou muito mais caro em 2021”.

E, segundo o mesmo relatório, a energia elétrica e o setor dos transportes – nomeadamente os automóveis e os aviões – são os dois principais responsáveis pelo aumento das emissões.

Em abril de 2021, o presidente norte-americano prometeu que, até 2030, os EUA iam reduzir as emissões de carbono em 50 a 52 por cento, para níveis correspondentes aos valores de 2005. E essa proposta contribuiu para a criação do financiamento em infraestruturas e a aprovação da legislação “Build Back Better”. Contudo, o relatório do Grupo Rhodium concluiu que, se a redução de emissões se mantiver ao ritmo atual, os Estados Unidos só vão conseguir reduzir cerca de 17 a 25 por cento.

À medida que os Estados norte-americanos se veem pressionados a reduzir drasticamente a extração e uso de combustíveis fósseis, muitos receiam que as alternativas mais ecológicas não sejam suficientes para cidades inteiras.
Energia nuclear: uma das soluções
A energia nuclear é uma das potenciais soluções que os Governos ponderam para substituir o uso de carvão, petróleo e gás natural e, assim, reduzir as emissões de gases de efeito de estufa para a atmosfera. E são várias as empresas, assim como os empreendedores, que têm investido neste tipo de energia. Por exemplo, Bill Gates, o fundador da Microsoft, está a desenvolver um tipo de reator mais pequeno e mais barato que consiga complementar a rede elétrica nos Estados Unidos.

Mas, apesar de ser uma opção aparentemente melhor do que os combustíveis fósseis, a energia nuclear também tem os seus “senãos”, nomeadamente a possibilidade de deixar resíduos radioativos no planeta. Os especialistas, no entanto, asseguram que os riscos podem ser minimizados e que esta fonte de energia será fundamental para garantir o fornecimento de energia enquanto os Governos tentam evitar os combustíveis fósseis e a emissão de dióxido de carbono.

À Associated Press, o presidente e CEO da Tennessee Valley Authority (TVA), Jeff Lyash, explicou que “não se pode reduzir significativamente as emissões de carbono sem a energia nuclear”.

“Neste momento, não imagino um caminho para atingir essa meta sem se preservar o parque [de reactores] existente e sem construir mais"
, disse à agência noticiosa Lyash. “E mesmo depois de maximizar a quantidade de energia solar que conseguimos”.

A TVA é uma concessionária federal que fornece eletricidade a sete Estados norte-americanos, sendo o terceiro maior gerador de eletricidade do país. Atualmente, a empresa está a tentar adicionar cerca de dez mil megawatts de capacidade solar até 2035 – o suficiente para abastecer cerca de um milhão de habitações por ano – mas também gere três centrais nucleares e planeia testar um pequeno reator em Oak Ridge, no Tennessee.

Até 2050, a TVA estima atingir a meta climática de ter zero emissões de carbono, ou seja prevê que a quantidade de gases de efeito estufa produzida nessa altura não seja maior do que a quantidade removida da atmosfera.
Energia nuclear versus energias renováveis
Numa investigação sobre as políticas energéticas em todos os 50 Estados e no distrito de Columbia, a Associated Press descobriu que uma grande maioria (cerca de dois terços) considera que a energia nuclear, de uma forma ou de outra, é uma ajuda para substituir os combustíveis fósseis, o que pode levar à primeira expansão da construção de reatores nucleares nos EUA.

Por outro lado, aproximadamente um terço dos Estados e o distrito de Columbia responderam à AP dizendo que não pretendem incluir a energia nuclear nas metas de energia verde, mas sim investir nas energias renováveis.

Os responsáveis por concessionárias e empresas de produção e abastecimento de eletricidade nesses Estados asseguram que as suas metas climáticas são alcançáveis com os avanços no armazenamento de energia através do uso de baterias, de investimentos na rede de transmissão interestadual de alta tensão, de esforços de eficiência energética para reduzir o consumo e da energia fornecida por barragens hidroelétricas.

A divisão dos Estados norte-americanos quanto ao uso da energia nuclear assemelha-se ao debate sobre o assunto na Europa, onde países como a Alemanha estão a desativar os reatores e outros, como a França, estão a aderir a esta tecnologia ou planear construir mais centrais nucleares.

A Administração Biden, que assumiu querer impor medidas drásticas para reduzir a emissão de gases poluentes, considera a energia nuclear necessária para ajudar a compensar o declínio do uso dos combustíveis à base de carbono na rede de energia dos EUA.

A secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, disse à AP que a Casa Branca quer ter eletricidade com zero carbono e “isso significa energia nuclear, hidroelétrica, geotérmica, obviamente eólica on e offshore, isso significa energia solar”.

“Queremos tudo”, disse Granholm durante uma visita, em dezembro, a Providence, em Rhode Island, para promover um projeto eólico.

O investimento nesta tecnologia de um milhão de milhões de dólares, proposto por Biden e aprovado no ano passado, alocará cerca de 2,5 mil milhões de dólares para projetos avançados de demonstração de reatores nucleares. O Departamento de Energia confirmou ainda, à agência de notícias, que vários estudos da Universidade de Princeton e da Decarb America Research Initiative revelam que a energia nuclear é fundamental para um futuro sem carbono.

Granholm também já apresentou outras novas tecnologias, que envolvem hidrogénio e a captura e armazenamento de dióxido de carbono antes de ser emitido para a atmosfera.
Prós e contras da energia nuclear
O aquecimento global e as aceleradas alterações climáticas têm trazido, com maior frequência, o uso de energia nuclear a debate. Mas as dúvidas sobre os benefícios e as consequências desta tecnologia ainda prevalecem.

Segundo Maria Korsnick, presidente do Instituto de Energia Nuclear dos EUA, os reatores nucleares operam de forma confiável e sem carbono desde há décadas.

“A estrutura da rede elétrica nos Estados Unidos precisa de algo que esteja sempre lá, algo que possa realmente ajudar a ser a espinha dorsal dessa rede”
, disse à AP. “É por isso que funciona como uma parceria com a energia eólica, solar e nuclear”.

Contudo, o representante da União de Cientista Preocupados considera que a tecnologia nuclear ainda apresenta alguns riscos que outras fontes de energias renováveis não apresentam.

Embora os reatores novos e menores possam custar menos do que os reatores tradicionais para construir, também vão produzir eletricidade mais cara”, disse Edwin Lyman, acrescentando que receia que a indústria possa cortar investimentos em segurança e proteção para economizar dinheiro e competir no mercado.

Não estou otimista quanto à segurança e proteção com a adoção ou implementação desses pequenos reatores nucleare em todo o país”, continuou Lyman.

A questão, segundo Lyman, é que os EUA não têm um plano a longo prazo para gerir ou descartar os resíduos perigosos que podem persistir no meio ambiente durante de milhares de anos, e há o risco de acidentes ou ataques direcionados tanto para os resíduos como para os reatores.

Atualmente, a energia nuclear já fornece cerca de 20 por cento da eletricidade nos EUA, ou seja cerca de metade da energia sem carbono do país. E a maioria dos 93 reatores em operação no país fica a leste do rio Mississippi.

A Comissão Reguladora Nuclear aprovou apenas um dos novos projetos de pequenos reatores, de uma empresa chamada NuScale Power, em agosto de 2020.

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