Vaga de buscas e processos contra a extrema-direita alemã

por RTP
Agentes da polícia diante da casa do político assassinado, Walter Lübcke Ralph Orlowski, Reuters

Há três semanas, um terrorista neonazi abateu a tiro o democrata-cristão Walter Lübcke, chefe do Governo regional de Kassel. Hoje, o poder judicial alemão tomou pelo menos duas iniciativas de alguma envergadura contra grupos de extrema-direita.

O presidente do Governo de Kassel, Walter Lübcke, era um político conservador que tinha atraído sobre si o ódio da extrema-direita, por preconizar uma política humanitária de acolhimento dos migrantes.
Político de direita assassinado pela extrema-direita
Em 2 de junho, Lübcke apareceu morto com um tiro na cabeça e em breve a polícia identificou, por vestígios de ADN deixados no local do crime, um suspeito, cadastrado por vários crimes violentos anteriores e membro activo do movimento neonazi. Deteve-o e tem vindo a interrogá-lo, nomeadamente sobre a identidade de pelo menos um outro cúmplice, que se supõe ter sido o seu condutor até à residência de Lübcke.

O assassínio de alguém da direita por um terrorista de extrema-direita tem sido nestas três semanas uma referência incontornável do debate político na Alemanha, sobre a teia de silêncios e cumplicidades que vem permitindo a banalização da violência.

Este facto traumático representou mesmo um salto de qualidade relativamente à série de uma dezena de assassínios que levara a cabo durante cerca de uma década a célula terrorista NSU, abatendo sistematicamente pequenos comerciantes de origem principalmente turca, enquanto a polícia se entretinha a investigar supostos ajustes de contas da "máfia turca".

Embora nesse caso tenha havido várias vítimas, o assassínio de Lübcke veio recordar a velha máxima brechtiana de que o fascismo começa pelos imigrantes, pelos esquerdistas, pelos sindicalistas, e quem não se importa, por não ser nada disso, só dá por ter chegado a sua vez quando é demasiado tarde. Ao chegar a vez de um democrata-cristão de topo, rapidamente se elevou um clamor contra as ameaças à democracia.
Duas células: depois da NSU, a "Revolution Chemnitz"
A comoção do público pôs em xeque a polícia e os órgãos de poder judicial, que agora acusaram o toque. Hoje, o Procurador-Geral acusou formalmente, segundo informações recolhidas por Der Spiegel, oito membros do grupo autodenominado "Revolução Chemnitz", acusados de terem constituído uma associação terrorista.

Segundo um relato do Süddeutesche Zeitung, os detidos tinham-se organizado em outubro de 2018 num grupo inicialmente chamado "Planeamento da Revolução", tendo sido na altura detidos. Seis dos oito vão agora permanecer em prisão preventiva, aguardando para serem julgados, segundo a acusação do Tribunal Federal, por terem actuado em 3 de outubro passado, com o propósito de subverterem o sistema "no sentido da sua ideologia de extrema-direita".

Os seis são considerados dirigentes do movimento de cabeças-rapadas, hooligans e neonazis na região de Chemnitz. O seu principal ideólogo é identificado com o nome Christian K., que terá redigido um texto desaconselhando o desgaste das forças neonazis em pequenas escaramuças com adversários políticos.

O grupo destacou-se nas arruaças racistas ocorridas em Chemnitz, na antiga RDA, mas planeava a organização de confrontos em Berlim, desta vez com armas de fogo. Em outubro, quando os oito foram detidos, procuravam activamente recolher o armamento necessário à execução desse plano.
Dos núcleos terroristas ao partido eleitoral de massas
Para além do núcleo duro terrorista, a polícia começa agora a prestar uma maior atenção à retaguarda moral, política e logística que facilita a acção dos operacionais propriamente ditos. Segundo uma porta-voz da Procuradoria-Geral de Essen declarou a Der Spiegel, a sede da AfD (Alternativa para a Alemanha) em Düsseldorf foi hoje passada a pente fino com um mandado de busca.

Durante a tarde deverão ser conhecidos detalhes dessa operação, que apresenta a particularidade de ir muito além das pequenas células terroristas, e de sujeitar a uma vigilância acrescida um partido legal da extrema-direita, que é o terceiro maior partido parlamentar.

O motivo das buscas, contudo, não parece estar relacionado de forma directa com as ligações da AfD às redes terroristas clandestinas, e sim com o financiamento que a empresa suíça Goal AG terá fornecido ao político renano e entretanto eurodeputado da AfD Guido Reil na campanha eleitoral da Renânia-Norte Vestefália em 2017.

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