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Variante do SARS-CoV-2 identificada na Índia começa a preocupar cientistas

por Inês Moreira Santos - RTP
Sanjeev Gupta - EPA

A tentar combater uma segunda vaga da Covid-19 e a atingir recordes nos números diários de mortos, a Índia enfrenta ainda outro problema: uma mutação do vírus. Não há dados suficientes que provem que a variante B.1.617, identificada no país asiático ainda em 2020, seja a principal causa do aumento de casos e óbitos nas últimas semanas, mas a sua prevalência começa a preocupar a comunidade científica.

Identificada pela primeira vez a 5 de outubro de 2020 perto da cidade indiana de Nagopur, a variante B.1.617 já tem uma prevalência superior à variante britânica - foi detetada em 24 por cento das amostras colhidas entre fevereiro e março em pacientes indianos (contra os apenas 13 por cento da variante britânica B.1.17).

Também referida como "dupla mutação" - por terem sido identifcadas duas mutações, a E484Q e a L452R -, esta variante indiana é apontada como uma das causas da nova onda de infeções na Índia e está a espalhar-se muito rapidamente no país e no mundo.

"Esta é variante tem chamado a atenção e estamos a investigá-la", disse Maria Van Kerkhove, chefe técnica da Organização Mundial da Saúde, numa conferência de imprensa na sexta-feira.

"Ter duas destas mutações, que foram identificadas noutras variantes noutras zonas do mundo, é preocupante", disse ainda, acrescentando que havia uma semelhança com mutações que aumentam a transmissão, e que reduzem a neutralização, possivelmente diminuindo a capacidade das vacinas de as prevenir.

Embora não se tenha a certeza da prevalência desta estirpe na Índia e nos países onde já foi identificada, Reino Unido e Estados Unidos, a comunidade científica tem expressado preocupação com a probabilidade de ser mais transmissível e até mais mortal que outras. Eric Feigl-Ding, investigador da Federação Americana de Cientistas, escreveu no Twitter, na semana passada, que "a Índia pode tornar-se no novo Brasil em termos de crise".

O médico Surandipta Chandra, profissional numa clínica em Nova Déli, corrobora e afirmou, à Rádio Internacional de França (RFI) que esta estirpe "se espalha como um incêncio numa floresta".
O mais preocupante, referiu, é que os testes de PCR já não conseguem detetar todos os casos positivos.
"O vírus está a adaptar-se de forma inteligente e esta mutação indiana parece escapar das testagens. Muitos doentes recebem resultados negativos nos testes, mas desenvolvem sintomas graves", explicou.

Como explica Sharon Peacock, Diretor do COG-UK e Professor de Saúde Pública e Microbiologia da Universidade de Cambridge, a "B.1.617 tem várias mutações que estão presentes noutras variantes de interesse/preocupação". No entanto, esta mutação "foi associada a uma neutralização mais fraca do vírus por plasma convalescente de pessoas que foram infetadas com SARS-CoV-2 e/ou alguns anticorpos monoclonais em experiências laboratoriais", explicou ainda à publicação Science Media Centre.

Não se pode garantir que a culpa seja da nova estirpe com "dupla mutação", mas nos últimos dias o número total de infetados na Índia superou os 15 milhões. Só nas últimas 24 horas foram confirmados 1.761 mortos com covid-19, um novo recorde de óbitos, e o número de infetados continua ainda acima dos 250 mil dários.
Variante indiana pode "tornar-se uma preocupação"

A nova estirpe, conhecida por variante indiana, ressalta a natureza insidiosa dos vírus e ameaça impedir os esforços de contenção da propagação na Índia, apesar das medidas rigorosas de confinamento, especialmente porque esta mutação já foi identificada noutras zonas do mundo.

"Demorou muito tempo para percebermos que estávamos diante uma variante real. Tivemos a confirmação em dezembro e, hoje, está a espalhar-se muito rapidamente e está presente em cada vez mais amostras", admitiu ao Le Monde o geneticista Rakesh Mishra, diretor do Centro de Biologia Molecular e Celular (CCMB).

De facto, a Índia está a assitir a um aumento acentuado de casos de Covid-19 nas últimas semanas, mas a questão que tem gerado dúvidas este aumento está associado à variante, ao comportamento humano ou se a ambos.

"Não está claro, neste momento, se a B.1.617 é o principal fator para a vaga atual", afirmou também Sharon Peacock."A B.1.617 é responsável por quase 70 por cento dos genomas analisados na Índia, indicando que a variante é comum (...), embora esta seja uma percentagem muito pequena em comparação com o número total de casos de infeção", continuou. "A maioria dos casos isolados sequenciados pela Índia são originários de Maharashtra e Bengala Ocidental, mas a B.1.617 foi identificada em vários outros Estados. E é preciso ter em conta que estes dados podem ser influenciados pela seleção de amostras para sequenciamento de genomas que são desiguais entre os locais".

Também Danny Altman, professor de imunologia no Imperial College em Londres, afirmou no programa britânico "Good Mornig Britain", da ITV, que a B.1.617 pode "tornar-se uma variante de preocupação".

"Estou preocupado com todas as variantes. Acho que o nosso plano de desconfinamento está a correr bem e, de momento, estamos bem, a desfrutar da reabertura. Mas existem as variantes indiana, sul-africana, brasileira, etc., e representam uma ameaça", disse Altman.

"Atualmente, esta variante em particular é definida como uma variante em investigação, não como uma variante de preocupação porque ainda não escalou para esse nível. A minha suposição a partir de tudo o que tenho visto é de que vai tornar-se uma variante de preocupação", sublinhou.

O médico britânico Paul Hunter também expressou preocupação, em entrevista ao Guardian, sobre esta nova variante identificada na Índia, uma vez que as "duas novas mutações, que funcionam juntas, podem ser muito mais problemáticas do que as variantes sul-africana e brasileira, que têm cada uma apenas uma mutação"

O especialista da Universidade de East Anglia reconheceu ainda que é necessário ter cuidado em relação às vacinas contra a Covid-19, visto ser possível que a imunização não seja tão eficaz com as mutações e novas estirpes.

Uma coisa é certa: esta "dupla mutação" está a disseminar-se mais rápido do que os especialistas previam e já foi detetada em vários países como a Austrália, a Bélgica, a Alemanha, a Irlanda, a Namíbia, a Nova Zelândia, Cingapura, Reino Unido e Estados Unidos.

"Parece que está a espalhar-se mais rápido do que as variantes já conhecidas", disse Rakesh Mishra, diretor do Center for Cellular and Molecular Biology, numa conferência de imprensa. "Mais cedo ou mais tarde, vai se tornar predominante em todo o país, dada a forma como está a disseminar-se".

Contudo, embora reconheça que a B.1.617 tem "as caracterísiticas de um vírus muito perigoso", Rakesh afirma que não se pode considerar, para já, uma estirpe mais mortal que as anteriores.

Embora o Governo indiano já tenha agido para tentar combater esta nova vaga e conter a disseminação do vírus e da nova variante, o receio já chegou a outras regiões do mundo. Na segunda-feira, Boris Johnson cancelou uma viagem diplomática à Índia e o Governo britânico colocou o país asiático na "lista vermelha".
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