Vaticano nega acusações ao Papa por colaboração com ditadura argentina

A Santa Sé veio esta sexta-feira a público rejeitar as acusações feitas ao Papa Francisco por meios argentinos, de alegada conivência com a junta militar argentina, qualificando-as de “caluniosas e difamatórias”. O Papa Francisco é também defendido publicamente pelo ativista dos direitos humanos e Prémio Nobel da Paz Argentino, Adolfo Pérez Esquível.

RTP /
Horácio Verbitsky revela na edição de hoje que "Jalics e Yorio disseram-me que Bergoglio os entregou"

Eleito papa no passado dia 13 após dois dias de conclave e à quinta votação, eis que ressurgiu a polémica em torno do Cardeal Jorge Mário Bergoglio a propósito de suspeitas e acusações de alegada colaboração com a junta militar argentina.

“Trata-se de uma campanha vinda de elementos da esquerda anticlerical para atacar a Igreja e devem ser rejeitadas”, afirmou o porta-voz do Vaticano, D. Frederico Lombardi lendo à comunicação social um comunicado.

“Nunca existiram acusações credíveis contra a sua pessoa, foi interrogado uma vez pela justiça argentina como pessoa conhecedora dos factos [testemunha], mas nunca foi acusado de nada”, acrescentou o representante da Igreja Católica.

Lombardi contrapõe às acusações o facto de “existirem em contrapartida provas segundo as quais fez bastante para proteger as pessoas durante a ditadura” e de ter apoiado “os pedidos de perdão da Igreja na Argentina por não ter feito o suficiente” durante esse período trágico e negro da história daquele país sul-americano.

O porta-voz do Vaticano lamentou ainda a existência de “uma campanha bem conhecida que remonta de há vários anos atrás” com proveniência em publicações caracterizadas pelas “suas difamações anticlericais”.

O certo é que as acusações voltaram às primeiras páginas de alguns jornais. Em causa o alegado desaparecimento de dois missionários jesuítas, Orlando Yorio e Francisco Jalics, que foram detidos em 23 de março de 1976 tendo sido posteriormente detidos e torturados na Escola de Mecânica da Armada (ESMA), sendo libertados apenas cinco meses depois.

Os detratores do Papa Francisco estigmatizam o seu papel no desaparecimento dos dois missionários numa ocasião em que dirigia aquela ordem religiosa.

O porta-voz do Vaticano revela que recentemente um dos padres em questão terá contado a um jornal alemão que juntamente com o seu colega e com Jorge Mario Bergoglio “cocelebraram uma missa quando ele [Bergoglio] era bispo de Buenos Aires, numa manifestação pública de paz e harmonia”.

“Fiz o que podia ter feito com a idade que tinha e com as poucas relações que tinha para intervir em favor das pessoas sequestradas", explicara-se já Bergoglio, no livro de entrevistas "O Jesuíta", com Sérgio Rubin e Francesca Ambrogetti.

O hoje Papa rejeitou sempre qualquer responsabilidade. Na altura dirigia a ordem dos jesuítas na Argentina e os dois missionários estavam envolvidos na oposição à ditadura, enquanto ele próprio procurava conseguir a neutralidade política da Companhia de Jesus, perante a subida da teologia da libertação.

Horácio Verbitsky, que escreveu o livro "Jogo Duplo. A Argentina Católica e Militar", é um dos seus principais detratores e não hesita em afirmar ter conhecimento de "cinco novos testemunhos, que confirmam o papel de Bergoglio na repressão do Governo militar no seio da igreja católica, à qual ele preside hoje, incluindo o desaparecimento de padres".

Esta sexta-feira, no “Pagina 12”, diário argentino próximo do Governo, Verbitsky escreve que "as lutas internas da Curia Romana seguem uma lógica de tal forma inexplicável que os factos mais obscuros podem ser atribuídos ao Espírito Santo".
Cardeal Jorge Mário Bergoglio sob suspeita
A ligação de Bergoglio ao rapto dos dois missionários que trabalhavam em bairros pobres e eram acusados de colaboração com os Montoneros, guerrilheiros que se proclamavam da esquerda Peronista, foi a primeira vez alegada publicamente em 2005.

Foi em novembro de 2010, que o então cardeal e primaz da Argentina, Bergoglio, respondeu como testemunha a magistrados no arcebispado, no âmbito de um processo sobre crimes cometidos durante a ditadura. Também como testemunha foi ouvido num processo sobre os bebés de opositores adotados por funcionários do regime militar, tendo respondido que só soube do assunto após a queda do redime de ditadura militar.

Jorge Bergoglio garantiu publicamente que conversou com o chefe da junta militar, Jorge Videla, em defesa da libertação dos dois jesuítas. Em defesa do Papa, vem o diretor da revista católica “Critério”, José Maria Poirier, sublinhar que "ele conseguiu mesmo que saíssem do país" para Itália. "Alguns padres estiveram calados, houve religiosos cúmplices; membros do episcopado simpatizantes da ditadura, mas esse não foi o caso de Bergoglio, um homem irrepreensível", estimou Poirier.

Também o ativista dos direitos humanos e laureado com o Prémio Nobel da Paz, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, veio a público na televisão em defesa do atual Papa. “Houve bispos que foram cúmplices da ditadura argentina, mas Bergoglio não” garantiu Esquivel.
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