Venezuela cada vez mais isolada no início do segundo mandato de Maduro

por Andreia Martins - RTP
Manaure Quintero - Reuters

Nicolás Maduro toma posse esta quinta-feira para um novo mandato de seis anos como Presidente da Venezuela. Em Caracas, a forte contestação por parte da oposição na Assembleia Nacional obrigou a deslocar a cerimónia para o Supremo Tribunal de Justiça. Entretanto, a Venezuela está cada vez mais isolada a nível internacional, uma vez que grande parte dos países e instituições não reconhece o resultado das eleições realizadas em maio. Portugal já confirmou que não estará representado politicamente na tomada de posse.

O segundo escrutínio presidencial da era pós-Hugo Chávez, que decorreu em maio de 2018 sob o olhar de 150 observadores internacionais, ficou envolto em polémica.
A tomada de posse para o mandato que dura até 2025 acontece esta quinta-feira

A eleição ditou a vitória do Presidente Nicolás Maduro, que toma posse esta quinta-feira e que já está à frente dos destinos do país desde 2013.

O resultado desta eleição é, no entanto, considerado inválido pela oposição e por grande parte da comunidade internacional, incluindo União Europeia, Estados Unidos e o Grupo de Lima.  

Em causa estão as condições em que Nicolás Maduro foi eleito, num país mergulhado numa crise económica e social profunda desde 2013, com a escassez de produtos básicos e uma inflação galopante. De acordo com a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, Maduro foi reeleito com 67 por cento dos votos, numa eleição que contou com a participação de 46 por cento dos eleitores.  

Logo após a votação, foram apresentadas várias denúncias de fraude e tentativas de boicote, entre outras irregularidades, mas Nicolás Maduro continuará a ser o inquilino do palácio presidencial de Miraflores perante o descontentamento de vários países, organizações e forças internas.  
Parlamento não reconhece Governo
O Parlamento venezuelano, controlado pela oposição ao Presidente, considera que este mandato é “ilegítimo”, o que obrigou mesmo a que a tomada de posse decorresse perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao contrário do que é tradição.  

No primeiro discurso como novo presidente do Parlamento, Juan Guaidó (do partido Vontade Popular) confirmou que aquela Assembleia não reconhecerá o novo mandato, que se inicia esta quinta-feira.  

Guaidó sublinha a necessidade de “criar condições para um Governo de transição e para a realização de eleições limpas e transparentes".
 
Por sua vez, a Assembleia Constituinte, afeta a Nicolás Maduro, considera que a Assembleia Nacional “carece de legitimidade”.  

Guaidó sublinhou ainda que "há que gerar condições para um governo de transição e para poder realizar eleições limpas e transparentes" e que a Venezuela está "em ditadura, sem máscaras”, com uma presidência que considera “usurpada”.  

Ainda esta semana, os Estados Unidos mostraram estar do lado do Parlamento venezuelano, considerando que aquela é a única instituição legítima no país.  

"A Assembleia Nacional deve inspirar esperança [...] de um futuro pacífico, próspero e democrático, mesmo quando o regime corrupto e autoritário de Maduro e dos seus aliados tenta negar esse direito aos venezuelanos", afirmou em comunicado o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA.

A tensão entre os vários órgãos de soberania é tanta que houve mesmo uma proposta apresentada por um dos deputados da Assembleia Constituinte venezuelana que veio esta quarta-feira propor a dissolução do Parlamento, onde a oposição detém a maioria.  

Gerardo Márquez acusou aquele órgão de apoiar agressões contra a Venezuela e de “trair a pátria”. Outros deputados acusaram a Assembleia Nacional de ser “ponta de lança do imperialismo”.  

O próprio Presidente Maduro acusou o novo líder do Parlamento de ser um “fantoche” ao serviço dos Estados Unidos.

Também as Forças Armadas da Venezuela (FAV) vieram esta semana colocar-se ao lado do Governo de Maduro.

Em conferência de imprensa no início desta semana, o ministro venezuelano da Defesa, Vladimir Padrino López, declarou o “irrestrito apoio e lealdade” para com o Presidente. 
Cerimónia sem presença do Governo português

No início da semana, o ministro português dos Negócios Estrangeiros anunciou que Portugal não estará representado ao nível político na cerimónia da tomada de posse de Nicolás Maduro.  

A decisão foi anunciada por Augusto Santos Silva no seguimento da reunião do grupo de trabalho da União Europeia para a América Latina  

“Já temos todos os dados de que precisávamos para definir o nosso nível de representação, sendo certo que já tínhamos determinado que não será [uma representação] a nível político. Nenhum membro do Governo estará na posse do Governo de Nicolás Maduro”, afirmou na terça-feira o responsável máximo da diplomacia portuguesa.  

Augusto Santos Silva não deixou de assinalar, em resposta às perguntas dos jornalistas, que independentemente desta posição, a Venezuela “é um país com o qual temos relações diplomáticas, no qual temos uma comunidade muito numerosa e muito bem integrada”.  

Desta forma, Lisboa segue o posicionamento de Bruxelas sobre a situação na Venezuela. Na mesma linha, Madrid anunciou esta quarta-feira que também não se fará representar.

Ainda esta semana, a União Europeia reiterou o pedido para a realização de novas eleições presidenciais naquele país, uma vez que não reconhece as anteriores.  

Maja Kocijancic, porta-voz da Comissão Europeia para a política externa, assinala que as eleições na Venezuela “não foram livres nem credíveis”.  
Grupo de Lima e OEA contra Maduro

Mas não só na Europa as reações são adversas à governação de Maduro. Esta semana, os países do Grupo de Lima – à exceção do México - anunciaram que vão proibir a entrada de membros do novo Governo venezuelano.

Neste bloco incluem-se países americanos de grande relevância, nomeadamente a Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Guatemala, Peru ou Colômbia, entre outros.  

“Concordámos em fazer uma avaliação constante do estado e do nível das relações diplomáticas com a Venezuela e impedir os altos funcionários do regime venezuelano de entrar no território dos países do Grupo de Lima”, disse o ministro colombiano Carlos Holmes Trujillo durante uma conferência de imprensa em Bogotá.

O responsável instou ainda a comunidade internacional a adotar medidas semelhantes “contra o regime” venezuelano até que a democracia “seja reestabelecida”.  
O Grupo de Lima é formado por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lucia.

Em resposta a esta decisão, Nicolás Maduro anunciou esta quarta-feira, em conferência de imprensa, que tomará medidas diplomáticas urgentes” caso a posição não seja retificada nas próximas 48 horas.  

"Hoje foi entregue a todos os governos do cartel de Lima uma nota de protesto, onde exigimos uma retificação de suas posições sobre a Venezuela em 48 horas ou o governo da Venezuela tomará as mais urgentes medidas diplomáticas", comunicou o Presidente venezuelano, citado pela agência France Presse.  

Entretanto, a Organização dos Estados Americanos (OEA) realiza esta quinta-feira uma reunião extraordinária para “analisar a crise venezuelana”.  

De acordo com a informação cedida pela OEA, esta sessão terá o objetivo de “analisar a situação na República Bolivariana da Venezuela, segundo o solicitado pelas Missões Permanentes da Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Guatemala, Paraguai e o Peru".  
Novas sanções dos EUA

Os Estados Unidos também se mostraram em desacordo com o Presidente Maduro, como aliás têm feito nos últimos anos de crise naquele país. No início da semana, o departamento do Tesouro dos EUA anunciou a imposição de novas sanções contra sete cidadãos venezuelanos e 23 empresas ou organismos, na sequência de uma investigação de um alegado esquema de corrupção que se terá aproveitado das práticas cambiais de Caracas.  

"As nossas ações contra essa rede corrupta de câmbio expõem ainda outra prática deplorável que os responsáveis do regime da Venezuela usaram para se beneficiar à custa do povo venezuelano”, assinala Washington no site do Departamento do Tesouro.  

A Venezuela responde à Administração Trump com acusações: "O Conselho de Segurança (da ONU) é o único que pode emitir sanções. As sanções dos Estados Unidos são arbitrárias e ilegítimas, por isso não estamos a falar de sanções", considerou na terça-feira Delcy Rodríguez, vice-presidente da Venezuela.  

"Não nos preocupam as sanções a pessoas, o que sim denunciamos e nos preocupa é o bloqueio financeiro que impulsionam os Estados Unidos contra a nossa nação”, acrescentou a governante durante uma conferência de imprensa.  

Em comunicado divulgado no início da semana pelo Ministério das Relações Exteriores, Caracas acusa Washington de tentar “consumar um golpe de Estado contra o Governo Constitucional e Democrático do Presidente Nicolás Maduro, ao promover o desconhecimento das instituições legítimas e democráticas do Estado venezuelano"

Para o Governo venezuelano, o objetivo dos Estados Unidos é “recuperar o controlo sobre os recursos energéticos e minerais que pertencem exclusivamente ao povo da Venezuela”.
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