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Voz Indígena. Austrália vai realizar referendo histórico
A proposta do Governo australiano para a criação de um órgão consultivo que represente os povos indígenas no Parlamento vai a referendo no dia 14 de outubro, no primeiro referendo realizado no país desde 1999.
“Poderemos ouvir diretamente das comunidades aborígenes e ilhéus do estreito de Torres sobre os desafios que enfrentam na saúde e na educação, no emprego e na habitação”, disse o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, ao anunciar a data do referendo e dando aos dois lados da questão pouco mais de seis semanas de campanha.
Anthony Albanese admitiu que a criação deste órgão consultivo “não levará a soluções imediatas para todos os problemas", mas que vai ajudar "a traçar o caminho para uma Nação reconciliada”.
A 14 de outubro, "cada australiano terá a oportunidade única de mudar" o país para melhor, defendeu o primeiro-ministro num comício em Adelaide.
Anthony Albanese apelidou a votação como “uma oportunidade única numa geração”.
"Votar 'Não' não leva a lugar algum. Significa que nada muda. Votar 'Não' fecha a porta a esta oportunidade de avançar", acrescentou.
“Não fechem a porta a uma ideia que veio dos próprios aborígenes e ilhéus do estreito de Torres, e não fechem a porta à próxima geração de indígenas australianos”, pediu Anthony Albanese.Os aborígenes, que representam 3,8 por cento dos mais de 25 milhões de habitantes da Austrália, vivem na ilha há pelo menos 60 mil anos. Têm sido vítimas constantes de maus tratos desde a colonização, despojados das suas terras e discriminados sistematicamente pelas instituições, organizações e sociedade em geral.
Para o primeiro-ministro, “os australianos partilham este grande continente insular com a cultura mais antiga do mundo” e “a certidão de nascimento da nossa Nação deve reconhecer este facto e orgulhar-se dele”.
Em maio de 2017, mais de 250 líderes de comunidades indígenas de toda a Austrália reuniram-se na região do deserto de Uluru, onde assinaram uma declaração que apela ao estabelecimento de uma representação dos povos indígenas na Constituição.
Segundo estudos de opinião, mais de 80 por cento da população aborígene e das ilhas do estreito de Torres pretende votar a favor da criação da Voz Indígena.As sondagens indicavam que cerca de três quartos dos australianos apoiavam um Voz Indígena consagrada na Constituição. Um número que tem vindo a diminuir com a aproximação da data do referendo.
O órgão, ligado ao Parlamento da Austrália, dará aos aborígenes o direito de serem consultados pelo Governo na tomada de decisões a nível nacional e na implementação de legislação que possa afetar estas comunidades.
Se for aprovado, o órgão fará parte de um novo capítulo de três pontos a ser incluído na Constituição da Austrália, datada de 1901, intitulado “Reconciliação com os Povos Aborígenes e os ilhéus do Estreito de Torres”.
A aprovação desta reforma significará o primeiro reconhecimento dos aborígenes na Constituição australiana.
Para que o referendo seja bem-sucedido, é necessário que a maioria dos australianos vote “Sim”. E é também imprescindível um apoio maioritário de, pelo menos, quatros dos seis Estados australianos.
A Austrália é o único país da Commonwealth que nunca assinou um tratado com os seus povos indígenas, e os defensores desta declaração afirmam que a Voz Indígena é um passo importante para a reconciliação.
A proposta sugere que o órgão consultivo poderá ter 24 membros - composto por representantes de cada Estado e território, das Ilhas do Estreito de Torres e das comunidades aborígenes remotas.
A Austrália realizou um referendo pela última vez em 1999, quando optou por não se torar uma República. Apenas oito dos 44 referendos realizados no país foram bem-sucedidos – o mais recente em 1977. Nenhum foi aprovado sem apoio bipartidário.
O que dizem os opositores?
O líder da oposição, Peter Dutton, que se opõe à Voz Indígena, diz que não há pormenores suficientes por detrás da proposta e afirma, de forma controversa, que esta poderá dividir os australianos em termos raciais.
Mas muitos dos ativistas do “Não” - incluindo Dutton - foram acusados de fazer race-baiting e de espalhar desinformação.
Por sua vez, os opositores acusaram a campanha do “Sim” de elitismo e de ignorar as preocupações válidas dos australianos comuns.Os defensores da saúde mental alertaram para o facto de a intensidade e o tom do debate estarem a afetar os povos indígenas.
Outros opositores argumentam que os povos indígenas já estão representados de forma justa no parlamento. Atualmente, há 11 legisladores indígenas, o que representa 4,8 por cento do Parlamento, uma percentagem ligeiramente superior à da população indígena australiana a nível nacional.
Outros críticos afirmam que poderia atuar como uma terceira câmara do Parlamento e potencialmente vetar legislação, uma possibilidade excluída pelo Governo.
O apoio também não é universal entre os povos indígenas. Há quem diga que a prioridade deveria ser um tratado com os povos indígenas - um acordo negociado e juridicamente vinculativo.
Muitos indígenas australianos sublinham que nunca cederam a sua soberania ou a sua terra. Há receios de que o facto de serem reconhecidos na Constituição possa equivaler a isso.
Outros argumentam que se trata apenas de um gesto simbólico e que o dinheiro poderia ser gasto em soluções imediatas.O que se defende?
Os indígenas australianos sentem-se "impotentes" quando se trata de resolver problemas estruturais para melhorar as suas vidas, afirma a Declaração de Uluru.
Os problemas incluem uma esperança de vida mais curta do que a dos australianos não indígenas, resultados de saúde e educação desproporcionadamente mais fracos e taxas de detenção mais elevadas.
A declaração apela igualmente à criação de uma comissão Makarrata - um organismo que supervisionará o processo de elaboração de tratados e de apuramento da verdade sobre a história dos indígenas australianos.
Muitos argumentam que isto se deve frequentemente ao facto de não se consultar devidamente os povos indígenas sobre as soluções.
"Os não indígenas [estão] a tomar decisões sobre comunidades que nunca visitaram e sobre pessoas que não conhecem", escreveu a Megan Davis, signatária da Declaração de Uluru.
c/Agências