Web Summit, uma ponte entre Portugal e o Brasil

A L'Oréal, empresa multinacional francesa de cosméticos, tinha um problema no Brasil: não sabia como implementar a digitalização dos salões para agilizar e melhorar o serviço prestado aos clientes e, dessa forma, fazer crescer o negócio.

Daniel Catalão, no Rio de Janeiro - RTP /

A solução chegou de Portugal através da sheerME, uma empresa que se apresenta como sendo uma “super app de descoberta, marcações e pagamentos nas áreas de bem-estar e beleza”.

É uma espécie de Uber da beleza que permite marcar, ir ao salão, e sair após o serviço sem ter de estar a acertar contas. “Após encontrar o serviço é possível marcar e pagar online, a qualquer hora do dia, de uma forma simples e cómoda, sem nunca sair do universo sheerME”, explica a empresa.

O que a L’Oréal fez foi comprar este sistema de gestão e disponibilizá-lo gratuitamente aos salões que trabalham com os seus produtos, explica à RTP Júlio Fernandes, da área de Novos Negócios e Inovação da multinacional.

“A gente digitalizou um setor de uma forma gratuita e incentiva o negócio dos salões da melhor forma possível para eles crescerem e, se eles crescerem, a gente cresce junto”, acrescenta.

Faz questão de referir, também, que se tratou de um “casamento perfeito” entre L’Oréal e sheerME porque a multinacional “tem muito conhecimento de mercado aqui no Brasil, no salão de beleza, e eles têm esse know how” de como chegar até o consumidor final, de qual é a melhor experiência para fazer o agendamento e de quais são as melhores e mais atrativas mecânicas para satisfazer o cliente.

A parceria começou com um piloto em 2023 no Rio de Janeiro e em São Paulo, que durou até março deste ano, altura em que o serviço foi alargado a todo o Brasil. Júlio Fernandes não tem dúvidas: “Está resultando importante. Super, super”.

Excerto da entrevista com Júlio Fernandes, da área de Novos Negócios e Inovação da L’Oréal, Brasil

Para a sheerME chegar ao Brasil, a Web Summit foi o veículo e a montra. Depois, conquistou capital brasileiro e houve apoio da Invest.Rio (agência de promoção e atração de investimentos da cidade do Rio de Janeiro) e da prefeitura do Rio.

“Tivémos aqui um acolhimento fantástico”, afirma Miguel Ribeiro, fundador da empresa explicando que os investidores brasileiros lhes deram “todo o conforto para conseguir abrir aqui” porque ajudaram em toda a componente legal, de contabilidade e burocrática.

Uma lição que aprenderam rapidamente foi a da escala pois “o Brasil é muito grande, é um continente”, explica.

“Que vem da Europa não pode pensar no Brasil e lançar de uma vez toda. Tem que ser cidade a cidade, ir crescendo, ganhando tração e, a partir daí, realmente passar para a Estado a Estado”, explica Miguel Ribeiro.

Um dos atrativos para os utilizadores da sheerME é uma carteira digital com um sistema de cashback (um programa de recompensas que devolve uma percentagem do valor que é gasto em compras ou serviços e que pode ser usado nas transações seguintes). Outro, é a conveniência.

“Eu marco o corte de cabelo, já sei quanto é o custo, eu pago antecipadamente, chego lá, sou servido e venho embora, não toco na carteira”, explica o presidente da empresa.

Miguel Ribeiro salienta, ainda, que “tem sido mais fácil com os brasileiros do que os portugueses” porque acha que o consumidor luso ainda é “um pouco conservador, às vezes pensa que é bom de mais para ser verdade”. Ao contrário, assegura, “o brasileiro é mais virado para as novas tecnologias”.

O fundador da sheerME realça a importância do acordo com a L’Oréal, que lhes permitiu ter como clientes “os maiores salões do Rio de Janeiro e os maiores salões de São Paulo”, o que os ajudou “muito a cativar mais pessoas e a haver uma adesão mais depressa”.

A empresa foi fundada em 2021 em Portugal, esteve na primeira edição da Web Summit Rio, no Brasil, em 2023 e, este ano, entrou no mercado de Espanha. Tem cerca de 300 mil utilizadores nestes três países e mais de 10 mil salões, com 250 mil serviços já disponíveis para marcação.

Para facilitar ainda mais a pesquisa, a sheerME aliou-se à Google e à Meta (Facebook e Instagram) para que no resultado das pesquisas pela empresa, surja imediatamente um botão de agendamento direto em serviços de Bem-Estar, Beleza e Fitness (SPA, cabeleireiro, personal trainer e makeup, por exemplo).

Excerto de entrevista com Miguel Ribeiro, fundador da sheerME
Entrar no Brasil a socos e pontapés
A começar a entrar no Brasil está a Bhout, a empresa portuguesa que nasceu em 2021 e agitou o mundo do fitness e da tecnologia com o primeiro saco de box inteligente. É capaz de medir a força, velocidade, cansaço, número de golpes, técnica e precisão e, ao mesmo tempo, produzir uma pontuação, transformando a prática deste desporto num jogo.

Mauro Frota, co-fundador e presidente executivo, assegurou a entrada no Brasil durante esta Web Summit Rio cativando um investidor local.

E porquê o Brasil? A resposta de Frota é tão assertiva como um “soco seco”: porque “o Brasil é o segundo melhor mercado mundial, a seguir aos Estados Unidos”.

Mauro Frota explica, também, que em Portugal, nos vários clubes físicos que já possuem, “recebem em massa a comunidade brasileira” o que os fez perceber que a cultura brasileira e a cultura da empresa encaixam na perfeição. Além disso, é o regresso do empresário a um país onde viveu quando tinha 23 anos.

Para quem pretende conquistar mercados externos, salienta “o trabalho excecional” que tem sido feito pela Startup Portugal, a Startup Lisboa e a Fábrica de Unicórnios.

Sobre a penetração no Brasil, avisa, também, que não se pode ter a ideia de entrar no país, mas sim numa cidade e depois num estado, etc.

“O Brasil é um país continente. A grande São Paulo, por exemplo, tem 20 milhões de habitantes e até é a capital latina do fitness” refere o empresário estabelecendo como plano entrar “step by step, de cidade em cidade”. O plano da Bhout é entrar no Rio e em São Paulo, “porque são os dois principais mercados no Brasil”, e explorar os seguintes conforme forem avançando.

Excerto de entrevista com Mauro Frota, co-fundador e presidente executivo da Bhout

Em sentido inverso, a brasileira Just Travel atravessou o Atlântico para tentar conquistar a Europa através de Portugal.

É uma plataforma destinada a ser usada por agências de viagem que permite tratar dos voos, hotel, aluguer de viatura e acesso a atrações. Possui, também um agente de inteligência artificial que organiza a viagem, faz o orçamento e envia o link de pagamento por e-mail e WhatsApp, o que garante à agência atuar as 24 horas do dias e todos os dias do ano de forma ininterrupta.

O fundador da empresa, Fábio Barreto explicou à RTP que a escolha de entrar no mercado português se deve ao facto de Portugal ser o terceiro país mais visitado pelos brasileiros, a economia portuguesa ser pujante no turismo (aproximadamente 15% do PIB) e de ser um país da União Europeia, o que permite escalar o negócio para toda este espaço económico, nomeadamente para França, Itália, Países Baixos e Espanha, graças a um financiamento que conseguiram do programa Portugal 2030.

Este apoio será usado para contratar mão de obra qualificada, nomeadamente seis programadores informáticos para desenvolver “uma plataforma robusta” adequada às particularidades do mercado em termos de legislação europeia, pagamentos e regras antifraude.

A Just Travel é uma start up que emprega 90 pessoas no Brasil, duas nos Estados Unidos e uma em Portugal.

Excerto de entrevista com Fábio Barreto, fundador da Just Travel

Esta empresa brasileira foi uma das 1.397 de 43 países que participaram na Web Summit Rio que terminou na quarta, 30 de abril. De Portugal, vieram 32, das quais 28 apoiadas pela Startup Portugal.

Segundo o Diretor Executivo deste organismo, para a delegação portuguesa foram três dias de “intensa aprendizagem, troca de experiências e conexões” mostrando que o nosso país é “um dos principais hubs de empreendedorismo da Europa e um destino cada vez mais procurado por empreendedores e investidores brasileiros”.

Segundo António Dias Martins, mais de 10 startups da delegação foram abordadas por investidores internacionais, sete tiveram presença em media globais e pelo menos duas estiveram nos palcos da Web Summit.

Web Summit Rio por mais mais cinco anos
O contrato de três anos, que terminava em 2025, foi renovado e a Web Summit Rio tem edições garantidas até 2030 reforçando o papel de maior evento de tecnologia da América do Sul e ajudando a estimular o ecossistema tecnológico do Rio de Janeiro.

O anúncio foi feito logo na sessão de abertura por Paddy Cosgrave, fundador e presidente executivo da Web Summit, na companhia de Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação; Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro e António Queiroz, presidente do SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), que é o principal agente de formação profissional dos setores do Comércio, Serviços e Turismo.

No final, e como balanço, Paddy Cosgrave realçou que "a Web Summit não está apenas a crescer, está a tornar-se mais importante à medida que a política, o comércio e a tecnologia globais mudam, impulsionando novos debates, moldando indústrias e forjando novas alianças”. E reforçou a ideia de que o facto de ter havido um aumento de 31% de start ups em relação ao ano passado “é um sinal claro de que, mesmo no meio da incerteza global, a inovação não está a abrandar, está a acelerar".

Na edição deste ano, houve 34.552 participantes de 102 países, 657 investidores de 26 países, 516 palestrantes e 846 jornalistas e membros de media a cobrir o evento.

A próxima Web Summit é em Lisboa de 10 a 13 de novembro.
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