WikiLeaks. Testemunha-chave contra Assange admite que mentiu e inventou acusações

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

Sigurdur Ingi Thordarson, uma testemunha-chave no processo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos contra o jornalista Julian Assange, confessou numa entrevista ao jornal islandês Stundin que as suas declarações usadas para construir o caso contra o fundador do WikiLeaks eram mentira. As falsas alegações, inventadas por uma das principais testemunhas do processo em troca de imunidade judicial, podem ter impacto na pena de Assange.

Julian Assange pode ser condenado até 175 anos de prisão se for extraditado para os Estados Unidos, onde foi indiciado por violações da Lei de Espionagem devido à publicação de documentos confidenciais, expondo crimes de guerra norte-americanos. De acordo com a publicação do jornal islandês Stundin, o hacker Sigurdur "Siggi" Thordarson mentiu quando alegou que era um representante proeminente do WikiLeaks, instruído por Assange para realizar ataques de informáticos.

O islandês inicialmente afirmou ter sido contratado pelo WikiLeaks para realizar intrusões cibernéticas e ataques de hacker contra alvos islandeses. Mas agora nega o que afirmou anteriormente e garante que inventou tudo.

A testemunha, que tem um histórico documentado de sociopatia e foi acusado várias vezes por abuso sexual de menores e fraude financeira, admitiu as mentiras recentemente numa entrevista ao Stundin, confessando ainda que continuou a cometer crimes enquanto trabalhava com Departamento de Justiça e o FBI, tendo imunidade judicial prometida.

"Thordarson agora admite ao Stundin que Assange nunca lhe pediu para hackear ou aceder a gravações telefónicas de membros do Parlamento [islandeses]", lê-se na publicação, que acrescenta que a "nova alegação é que, na verdade, recebeu alguns arquivos de um terceiro que afirmou ter gravado membros parlamentares e que se ofereceu para os partilhar com Assange, sem ter qualquer ideia do conteúdo que realmente tinham".
"Ele admite ainda que a alegação de que Assange o instruiu ou lhe pediu para aceder computadores para encontrar tais gravações, é falsa".

A testemunha forneceu à comunicação social registos de trocas de mensagens de 2010 e 2011, o que revela os pedidos frequentes para que se atacasse ou roubasse informações de entidades e intituições islandesas. Mas, de acordo com o jornal, não foram encontradas provas de que Thordarson tivesse sido instruído para fazer estes ataques por alguém do WikiLeaks.

"Além disso, nunca explicou por que razão o WikiLeaks estaria interessado em atacar entidades na Islândia, especialmente num momento tão sensível, numa altura em que estavam a ser divulgados telegramas diplomáticos dos EUA como parte da parceria internacional com os media", refere o jornal.
EUA usaram Thordarson para acusar Assange?

O artigo sugere ainda que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos colaborou com Thordarson para conseguir uma acusação contra Assange, que foi submetida aos tribunais britânicos. Mas a veracidade das informações está agora a ser posta em causa, pela testemunha principal, em cujo depoimento se baseia.

Sigurdur Ingi Thordarson terá sido recrutado "pelas autoridades dos EUA para construir um caso contra Assange depois de as ter induzido a acreditar que ele era um funcionario próximo dele".

"Na verdade, [Thordarson] ofereceu-se de para angariar dinheiro para o Wikileaks em 2010, mas descobriu-se que usou essa oportunidade para desviar mais de 50.000 dólares da organização"
, continua a publicação islandesa.

Os documentos do tribunal, segundo o jornal, referem-se a Thordarson simplesmente como "adolescente" (uma referência à sua aparência jovem em vez da verdadeira idade, visto que a testemunha tem 28 anos) e à Islândia como "País 1 da NATO", mas não esconde a identidade de nenhum, tentando mostrar que Assange instruiu Thordarson "a invadir computadores ou hackear na Islândia".

"O objetivo deste acrescento à acusação era aparentemente escorar e apoiar a acusação de conspiração contra Assange em relação às suas interações com Chelsea Manning", continua o artigo. "Estas situações aconteceram na altura em que ele residia na Islândia e os autores da acusação acharam que poderiam fortalecer o caso alegando que ele também estava envolvido em atividades ilegais lá".

Também o ministro do Interior islandês, Ogmundur Jonasson, disse que os Estados Unidos "estavam a tentar usar as coisas aqui [na Islândia] e usar as pessoas no nosso país para tecer uma teia, uma teia de aranha que apanharia Julian Assange".
"Fim do processo contra Assange"
A confissão da testemunha-chave foi considerada pelo analista norte-americano Edward Snowden como o "fim do processo contra Julian Assange".


Na semana passada, por altura da notícia da morte de John McAfee, Snowden afirmou que Assange podia "ser o próximo".

"A Europa não deve extraditar [para os EUA] os acusados ​​de crimes não violentos para um sistema judicial tão injusto e um sistema prisional tão brutal que os réus nativos preferem morrer do que se submeter a ele. Julian Assange pode ser o próximo. Até que o sistema seja reformado, a moratória deve permanecer".

O testemunho de Thordarson terá sido necessário para apoiar a acusação de conspiração contra Assange em relação aos contactos que mantinha com Chelsea Manning.

O fundador do WikiLeaks, que se tornou um símbolo da liberdade de imprensa em todo o mundo, já passou mais de dois anos na prisão de Belmarsh no Reino Unido. Em janeiro passado, a Justiça britânica decidiu não extraditar Assange para os EUA, citando razões de saúde e risco de suicídio no sistema prisional norte-americano.

Assange foi acusado de espionagem e de fraude informática após o WikiLeaks ter publicado milhares de arquivos secretos e informações classificadas que revelavam crimes de guerra cometidos pelas tropas dos EUA no Iraque e Afeganistão. O fundador do WikiLeaks pode apanhar até 175 anos em prisão de alta segurança caso seja condenado nos Estados Unidos.
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